Que os tempos parecem correr de feição a todos os que vêm na democracia e no Estado de direito um inimigo a abater, afigura-se óbvio.
Mais, é mesmo difícil, por mais otimista e resistente que se seja, continuar a exibir uma atitude confiante que seja credível.
Quem o fizer arrisca-se, por certo, ao ridículo e ao opróbrio público.
E, no entanto, é neste momento que mais do que nunca se torna necessário cerrar os dentes e não ceder aos arautos da desgraça e da vindicta, tenham eles os interesses que tiverem na degradação das instituições e da vida democrática.
Não basta pois que, bizarramente, os factos pareçam conjugar-se para, numa primeira análise, lhes dar razão; é ainda necessário suportar as exortações oportunistas e irresponsáveis dos que vivem da exploração estridente da desagregação da vida pública, sem se lembrarem que a destruição da democracia os arrastará inevitavelmente com ela.
Reconhecer os erros, dizer cruamente a verdade, combater o laxismo e as explicações condescendentes com as inúmeras situações inadmissíveis que ocorrem, exigir rigor e com ele ser coerente terão de ser, pois, as únicas atitudes capazes de vencer a degradação da vida pública e a demagogia estrepitosa que dela se alimenta e que não tem outro interesse verdadeiro que não o de rebaixar ainda mais a credibilidade dos que insistem em, com honra e dedicação, assegurar o bem comum.
Este tem de ser, pois, um momento em que se exige um discurso firme, mas sereno, contra a degradação dos valores democráticos, mas também contra as mentiras, que tanto o são pelo exagero dos vitupérios ululantes que a deterioração dos valores cívicos acirra como pela criação e repetição insistente e malévola dos cenários inexistentes, que apenas servem para exacerbar e alimentar todo o tipo de reações populistas.
E contra os responsáveis e militantes do desalento com a democracia só uma abordagem clara e clarificadora das situações que causam escândalo pode ter sucesso.
Para isso, contudo, é necessário contar com meios de comunicação sérios e jornalistas atentos, com conhecimentos sólidos, memória seletiva e perspicaz e, sobretudo, com coragem cívica para dizer a verdade aos prevaricadores e fazer as perguntas certas aos demagogos, em vez de procurarem apenas os soundbites que uns e outros produzem e que julgam contribuir para melhor cativar e aumentar as audiências.
Só jornalistas verdadeiros que, com circunspeção, sejam capazes de destapar a verdade das coisas e descobrir os escandalosos poderão também deslegitimar os argumentos dos arruaceiros, ajudando, desse modo, a deter a deserção da democracia, por que uns poucos anseiam e que promovem nos circos que quotidianamente lhes são oferecidos para que a enxovalhem.
E são necessários intervenientes na vida pública – políticos, intelectuais, académicos, juristas, dirigentes associativos, sindicais e patronais, líderes religiosos, desportistas – que acedam ao espaço mediático e se esforcem por esclarecer, com clareza e rigor, os cidadãos das verdadeiras causas da degradação da vida pública – aí, quase sempre, o verdadeiro escândalo – e da indignação e prejuízo que ela causa.
Só essa ação combinada poderá conter os escandalosos sem escrúpulos e deter, em simultâneo, os defensores oportunistas de uma justiça faroestiana e dos corsários das verdades roubadas contra todos os princípios do direito e da civilidade.
Se assim não for, serão os escandalosos, e os que deles se aproveitam, que por fim triunfarão, a cavalo dos escandalizados, e desta vez, como já acontece noutras partes do mundo, para agir, ainda mais, da pior maneira.