Vem isto a propósito das relevantes declarações do Presidente da República, do primeiro-ministro e do ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, neste passado mais recente.
Na conferência dos 30 anos do jornal Público, Marcelo Rebelo de Sousa apenas exteriorizou aquilo que é a perceção generalizada de vivermos um início de legislatura com sabor ao fim da mesma – deixando aos responsáveis partidários a responsabilidade de acabarem, através de atos concretos, com esta teimosa perceção.
Os tempos que se vivem na política nacional não deixam de criar apreensão em muitos, como eu, que acreditaram que o compromisso político firmado entre o PS, o BE, o PCP e o PEV se manteria nesta legislatura, pois muito ainda há a fazer para tornar o país melhor, com mais igualdade e melhor redistribuição dos rendimentos.
Certamente com preocupações diferentes daquelas que poderão ser as do Presidente da República, entendo que o PS, o BE, o PCP e o PEV têm a obrigação de conseguirem os entendimentos necessários para continuarem o trabalho que iniciaram na legislatura passada, com a obrigação adicional de nesta legislatura representarem mais eleitores que na anterior (50,75% após as eleições de 2015 e 52,19% após as últimas legislativas).
Responsabilizando todos os partidos de esquerda pela construção do compromisso necessário para que esta legislatura se cumpra em prol da continuidade e do reforço do avanço social do nosso país, é ao PS que cabem as maiores responsabilidades pelo compromisso. Não só porque foi o partido político mais votado, mas também porque é ele que tem a maior responsabilidade na governação.
É exatamente essa a interpretação das declarações deste domingo do primeiro-ministro quando afirma que o PS continua a procurar esse consenso e compromisso.
Da mesma forma que António Costa, inteligentemente, revela empatia em relação aos restantes países europeus no quadro político e institucional da União Europeia, seguramente que no quadro político nacional, o PS e o Governo usarão da mesma empatia para compreender os constrangimentos políticos dos parceiros da esquerda em Portugal, não lhes exigindo compromissos que manifestamente seriam impossíveis de alcançar.
Seria totalmente incompreensível que após o sucesso governativo dos últimos quatro anos, o PS deixasse que aqueles que no seu seio nunca acreditaram nos resultados alcançados em conjunto ditassem hoje a forma como nos relacionamos com a restante esquerda parlamentar. Não acredito que António Costa o permita nem tampouco que deixe o seu Governo cometer os mesmos erros dos anteriores Governos socialistas minoritários.
Existem ainda muitas áreas de governação em que é possível aprofundar as políticas iniciadas na legislatura anterior e que qualquer militante de esquerda entenderá como prioritárias – nomeadamente, em matéria laboral, no abuso da precariedade e regulação efetiva do recurso ao trabalho temporário, na revisão das carreiras da função pública, na política de saúde e segurança social e na valorização dos serviços públicos.
O trabalho iniciado em 2015 não se encontra concluído e seria um erro não o continuar, sob pena de a direita voltar a governar, com tudo o que isso implica em reversão do já realizado e alcançado.