Epidemiologista italiano diz que quarentena na Lombardia “provavelmente foi demasiado tarde”

Epidemiologista italiano diz que quarentena na Lombardia “provavelmente foi demasiado tarde”


Para Pietro Luigi Lopalco, epidemiologista na Universidade de Pisa, em Itália, é importante a preparação, pois “os sistemas de saúde colapsam poucos dias depois de a epidemia começar”. Na sua opinião é um erro usarem como critério para fazer ou não o teste o facto de terem estado em zonas inicialmente afetadas.


Há alguma coisa que tenha corrido mal em Itália e que possa servir de exemplo para outros países? Infelizmente Itália teve pouca sorte. Houve poucos casos da primeira onda de epidemia na China a chegar à Europa e foram casos em que houve sintomas, o que significa que os países reconheceram os casos, isolaram os doentes e os clusters foram contidos. O que aconteceu em Itália infelizmente foi que o primeiro caso que chegou ao norte do país não teve sintomas. Não sabemos quem foi o paciente zero que iniciou este surto. Quando identificámos os primeiros casos o vírus já estava a circular. E é por isso que este vírus é muito, muito perigoso. Não é por causa da taxa de fatalidade, é porque é muito contagioso mesmo em pessoas assintomáticas ou com sintomas muito ligeiros. Não acho que alguma coisa tenha corrido mal, foi uma infeliz sucessão de acontecimentos. 

 

A partir do que têm vivido em Itália, qual seria o seu conselho para países que hoje estão em fases iniciais de um surto?

Estejam preparados. Os sistemas de saúde colapsam poucos dias depois de a epidemia começar. O prazo para a duplicação de casos quando não são tomadas medidas fortes é de três dias. A doença é ligeira na maioria dos casos e as pessoas não devem entrar em pânico, mas 10% pode precisar de cuidados intensivos vários dias e não há muitas camas de cuidados intensivos em nenhum país europeu. O nível de atenção na Europa é preocupantemente baixo. As pessoas devem estar informadas do que potencialmente está para vir e todos os países devem preparar-se para o pior cenário.

 

Que medidas devem ser reforçadas?

O problema é sobretudo relevante para os hospitais. Este vírus está a circular ao mesmo que o vírus da gripe, pelo que muitos casos, se não forem investigados, são definidos como casos de gripe. O que os outros países podem fazer agora é não perguntar às pessoas se vêm da China, de Itália ou Singapura: se tiverem um caso com pneumonia, façam a análise e procurem pelo vírus. É a única forma de reconhecer precocemente casos de coronavírus. Em muitos países só estão a procurar o coronavírus em pessoas que vêm de áreas afetadas e isso é um erro. É o que têm estado a fazer a maioria dos países europeus e era o que nós estávamos a fazer e este foi o resultado.

 

Está na zona de quarentena?

Não, estou a coordenar a resposta na zona do sudoeste, mas é uma questão de dias.

 

Em Itália parece ter havido alguma hesitação: a catedral de Milão e outros monumentos, ao início fechados, reabriram.

São precisas medidas fortes. Fechar a catedral mas permitir que as pessoas continuem a ir trabalhar ou a apanhar transportes não é eficaz. Medidas como encerramentos atrasam a epidemia dois ou três dias mas não mais.

 

A solução é o isolamento, a quarentena?

Provavelmente foi demasiado tarde porque já temos o vírus noutras regiões. No sul de Itália estamos a preparar os hospitais para receber a primeira onde de casos. O problema não é a severidade, mas como é que o sistema pode lidar com esta onda. O esforço deve ser atrasar a onda para que os hospitais consigam receber doentes.