Há alguma coisa que tenha corrido mal em Itália e que possa servir de exemplo para outros países? Infelizmente Itália teve pouca sorte. Houve poucos casos da primeira onda de epidemia na China a chegar à Europa e foram casos em que houve sintomas, o que significa que os países reconheceram os casos, isolaram os doentes e os clusters foram contidos. O que aconteceu em Itália infelizmente foi que o primeiro caso que chegou ao norte do país não teve sintomas. Não sabemos quem foi o paciente zero que iniciou este surto. Quando identificámos os primeiros casos o vírus já estava a circular. E é por isso que este vírus é muito, muito perigoso. Não é por causa da taxa de fatalidade, é porque é muito contagioso mesmo em pessoas assintomáticas ou com sintomas muito ligeiros. Não acho que alguma coisa tenha corrido mal, foi uma infeliz sucessão de acontecimentos.
A partir do que têm vivido em Itália, qual seria o seu conselho para países que hoje estão em fases iniciais de um surto?
Estejam preparados. Os sistemas de saúde colapsam poucos dias depois de a epidemia começar. O prazo para a duplicação de casos quando não são tomadas medidas fortes é de três dias. A doença é ligeira na maioria dos casos e as pessoas não devem entrar em pânico, mas 10% pode precisar de cuidados intensivos vários dias e não há muitas camas de cuidados intensivos em nenhum país europeu. O nível de atenção na Europa é preocupantemente baixo. As pessoas devem estar informadas do que potencialmente está para vir e todos os países devem preparar-se para o pior cenário.
Que medidas devem ser reforçadas?
O problema é sobretudo relevante para os hospitais. Este vírus está a circular ao mesmo que o vírus da gripe, pelo que muitos casos, se não forem investigados, são definidos como casos de gripe. O que os outros países podem fazer agora é não perguntar às pessoas se vêm da China, de Itália ou Singapura: se tiverem um caso com pneumonia, façam a análise e procurem pelo vírus. É a única forma de reconhecer precocemente casos de coronavírus. Em muitos países só estão a procurar o coronavírus em pessoas que vêm de áreas afetadas e isso é um erro. É o que têm estado a fazer a maioria dos países europeus e era o que nós estávamos a fazer e este foi o resultado.
Está na zona de quarentena?
Não, estou a coordenar a resposta na zona do sudoeste, mas é uma questão de dias.
Em Itália parece ter havido alguma hesitação: a catedral de Milão e outros monumentos, ao início fechados, reabriram.
São precisas medidas fortes. Fechar a catedral mas permitir que as pessoas continuem a ir trabalhar ou a apanhar transportes não é eficaz. Medidas como encerramentos atrasam a epidemia dois ou três dias mas não mais.
A solução é o isolamento, a quarentena?
Provavelmente foi demasiado tarde porque já temos o vírus noutras regiões. No sul de Itália estamos a preparar os hospitais para receber a primeira onde de casos. O problema não é a severidade, mas como é que o sistema pode lidar com esta onda. O esforço deve ser atrasar a onda para que os hospitais consigam receber doentes.