O Tribunal de Contas (TdC) arrancou o ano com auditorias arrasadoras e que fizeram correr tinta. O verniz estalou entre a entidade liderada por Vítor Caldeira e o Governo, com este último a refutar muitas das conclusões dos documentos. A venda de imóveis por parte da Segurança Social e o modelo de financiamento do ensino superior foram os que receberam reações mais “tempestivas”. Mas com o relatório sobre a análise das infraestruturas, onde é revelado que “perto de dois terços (62,2%) da via férrea se apresenta num estado que carece de investimento”, o presidente do TdC foi chamado ao Parlamento face à “necessidade de aprofundar” os problemas levantados.
Esta quinta-feira, o vice-presidente do Tribunal de Contas, António Martins, esclareceu que os atrasos na execução do Plano Estratégico dos Transportes e Infraestruturas não se devem a recusa de visto de fiscalização prévia da entidade.
Mas estas reações não são exclusivas deste Executivo: também os anteriores Governos sempre “lidaram mal” com muitas das conclusões do TdC.
Contactado pelo i, João Duque admite que estes comportamentos são “naturais”, mas garante que o atual Governo tem tido “alguma reação epidérmica que não é desejável nem compreensível”. E vai mais longe: “Não fica muito bem ao Governo este tipo de atitudes”, acrescentando que a velha máxima de “à justiça o que é da justiça não se aplica a todos”, já que o Tribunal de Contas é um órgão de controlo dentro do Estado. Ainda assim, lembra que as “sanções que podem ser atribuídas ao Executivo não passam de sanções políticas”. E dá como exemplo a reação do presidente da Câmara de Lisboa quando confrontado com o caso da venda de imóveis (ver abaixo).
Apesar de o economista reconhecer que as análises feitas pelo Tribunal de Contas são sérias e técnicas, admite que às vezes pecam por excesso de rigor técnico. “O TdC é um bocadinho fechado e aparentemente tem uma leitura muito restritiva. Também os técnicos apresentam uma visão muito focada mas, em alguns casos, desinserida dos problemas. Não é uma leitura errada, mas não contempla a realidade em que os problemas estão inseridos. Na maioria dos casos, os gestores públicos tomam decisões mas não é para seu proveito nem para lesar o Estado. É quase como os médicos que querem tratar o problema, mas esquecem-se do doente”, refere ao i.
E lembra a sua experiência enquanto professor universitário. “Tenho de me deslocar a outra cidade e, em vez de comprar um bilhete de transporte e pedir o reembolso, tem de ser a universidade a fazer essa compra através da agência que contratualizou. Acaba por sair mais caro porque tem de pagar uma comissão mas, se não o fizer, está a violar as regras. No fundo, estaria a beneficiar o Estado, mas se o fizesse seria sancionado pelo Tribunal de Contas”.
Também para Pedro Ferraz da Costa, esta “pressão” do Executivo sobre o TdC não é nova, e lembra o mandato de Guilherme d’Oliveira Martins, entre 2005 e 2015. “O Governo sempre teve opiniões diferentes. Mas sempre foi assim. Todos se lembram da célebre frase de Cavaco Silva ‘deixem-nos trabalhar’, sugerindo a existência de forças de bloqueio”, garante ao i.
No entanto, o presidente do Fórum para a Competitividade estranha que “alguém venha a dizer que se audita demais em Portugal”, acrescentando que “há sempre um afastamento entre a opinião pública, eventualmente pouco esclarecida, que quer mais inspeções, e o Governo, que acha tudo em demasia”.
E lembra que países onde há um maior controlo e escrutínio são, por norma, economias mais desenvolvidas. “No nosso caso há menos escrutínio e, depois, são sempre os contribuintes a pagar a fatura. Há muitos anos que Portugal vive contra a autoridade, seja ela qual for”, diz, aconselhando o Executivo a que “haja bom senso”.
Já Mira Amaral defende que as entidades visadas têm o direito à defesa face às conclusões que são apresentadas pelo TdC. No entanto, admite que a forma como são feitas essas críticas “são exageradas e é usado um estilo agressivo”.
O economista lembra que “ninguém é perfeito, nem mesmo os órgãos de supervisão e, por isso, todas as conclusões podem e devem ser escrutinadas”. Mas face à reação que tem sido mostrada pelo Executivo, não tem dúvidas: “Parece que o Governo não quer ser fiscalizado pelos órgãos competentes”, diz ao i.
Também para António Bagão Félix existe sempre o princípio do contraditório. No entanto, admite que com este Governo existe “uma magnitude diferente do ponto de vista quantitativo e qualitativo”, admitindo que existe “manifestamente uma relação inadequada entre o Executivo e os órgãos de soberania, nomeadamente o Tribunal de Contas”, diz ao i.
O economista vai mais longe e lembra que “o principal propósito do Tribunal de Contas é escrutinar o caráter regular das ações que implicam despesas. No entanto, lembra que este “tom” usado pelo Governo de António Costa não é comum em relação a Governos anteriores. “É usado um tom a que não estávamos habituados e dá a sensação de que o Tribunal de Contas é um tribunal menor, quando é uma entidade importante num Estado de direito”, refere.
Bagão Félix garante ainda que, como contribuinte “não gosta deste tipo de comportamento” por parte do atual Governo, uma vez que, no seu entender, “dá ideia que tenta condicionar o trabalho” do Tribunal de Contas. “Como contribuinte, quero que o Tribunal de Contas seja uma entidade eficaz, justa e célere”. Mas ao i admite que “esta prática é típica dos Governos socialistas”. E vai mais longe: “O que seria se este tipo de reações partisse de Governos de extrema-direita?” E responde: “Seria o fim do mundo”.
O certo é que nem todas as conclusões das auditorias realizadas pela instituição liderada por Caldeira Cabral “caem bem” às entidades que são visadas. Ainda esta quinta-feira foram divulgadas as conclusões da auditoria realizada ao Hospital das Forças Armadas (HFAR) e foram identificadas “falhas no sistema de controlo interno, nomeadamente a ausência de instrumentos previsionais de gestão, de controlo e reporte dos resultados operacionais e contabilísticos do hospital, e deficiências nos procedimentos de contratação pública e de realização da despesa”, acrescentando-se que “a informação financeira extraída dos sistemas de informação contabilística apresenta várias deficiências, destacando-se a omissão de informação relevante sobre o património e os custos do HFAR”.
Foram também identificadas várias irregularidades nos processos de aquisição de serviços, “que denotam falhas no planeamento atempado das necessidades, na definição de funções e responsabilidades e no controlo do cumprimento pontual dos contratos celebrados”. Já os processos analisados apresentam indícios da prática de infrações financeiras, “devido à preterição de normas relativas à formação e execução dos contratos públicos; ao controlo orçamental da despesa; à competência para realização da despesa e à sujeição de atos e contratos ao controlo prévio do Tribunal de Contas”, refere o documento.
E as críticas não ficam por aqui. De acordo com o TdC, o hospital está a ser utilizado abaixo das suas capacidades, uma vez que a realização de exames e cirurgias aos utentes do SNS prevista ficou “aquém do esperado” e que o número de camas e médicos não está a ser rentabilizado.
Financiamento do ensino superior
O relatório do Tribunal de Contas publicado em fevereiro, e também polémico, disse respeito ao financiamento das instituições de ensino superior (IES) através dos contratos celebrados entre 2016 e 2019 e que, segundo o documento, não cumpriu o acordo previsto na lei de bases nem “promoveu o desempenho eficiente e a qualidade das instituições”.
As reações não se fizeram esperar, com o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior a garantir que o relatório do TdC “não aponta qualquer ilegalidade no processo de financiamento do ensino superior, limita-se a uma avaliação geral, de lugares-comuns, de índole política”. Segundo Manuel Heitor, o relatório “é um elogio à burocracia e à ignorância, não enquadra o ensino superior português nos desafios da convergência com a Europa, faz apenas considerações de índole política”. E acrescentou: “Toda a informação fornecida mal foi usada”.
Estas declarações levaram o TdC a garantir que irá continuar “a cumprir as suas funções com respeito pelos princípios da independência, isenção e imparcialidade, em nome do superior interesse público, na defesa dos interesses dos cidadãos e contribuintes”, lembrando que compete à entidade, entre várias atribuições, fiscalizar a legalidade e regularidade das receitas e despesas públicas e apreciar a gestão financeira pública, e que a sua missão é feita “no respeito pelo princípio da separação de poderes”.
No seu relatório, o Tribunal de Contas recorda que, durante esse período, foram celebrados dois contratos, e no seu financiamento “não foram considerados nem o desempenho das IES, nem os critérios objetivos de qualidade e de excelência, valores-padrão e indicadores de desempenho, todos eles previstos na Lei de Bases”. A auditoria diz ainda que não foram considerados os fatores externos das instituições de ensino superior. É o caso, por exemplo, da evolução demográfica, as suas especificidades e “os resultados e níveis qualitativos ou qualquer outro critério suscetível de conferir um financiamento diferenciador, promotor da gestão eficiente e do desempenho das IES, premiando o mérito e alavancando a excelência”.
Face a esse cenário, considera o TdC que “as insuficiências observadas colocaram em crise o princípio orçamental da transparência”. E não só: de acordo com a entidade liderada por Vítor Caldeira, não foi estabelecida “qualquer afetação específica” a atividades principais, investimento, desenvolvimento de projetos, investigação ou outras atividades – uma situação que, segundo a mesma, prejudica a clareza da atribuição do financiamento e não contribui para melhorar o desempenho das IES.
O TdC detetou ainda que existe dependência entre contratos, vigência do Governo e diplomas orçamentais e, como tal, considera que “a estabilidade e a previsibilidade, que são relevantes para uma gestão autónoma e estratégica das instituições, não estão garantidas no longo prazo, além da legislatura”, uma vez que defende que “a estabilidade e previsibilidade do financiamento, fundamentais à autonomia e à boa gestão das IES, bem como ao desenvolvimento das suas estratégias”, ficam comprometidas.
A entidade liderada por Vítor Caldeira recomenda ao ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior que assegure o cumprimento integral da Lei de Bases de Financiamento do Ensino Superior ou promova as diligências necessárias à sua alteração. Ao mesmo tempo, aconselha a que sejam levadas a cabo as melhorias necessárias para acabar com as insuficiências e fragilidades identificadas pela auditoria, assim como a promoção da divulgação dos resultados das ações de acompanhamento e controlo do financiamento público das IES que vierem a ser realizadas.
Infraestruturas analisadas a raio-x
Também no início de fevereiro, o Tribunal de Contas avaliou o estado de conservação das infraestruturas portuguesas e concluiu que o estado de conservação de 12%, ou seja, 936 infraestruturas sob a alçada da Infraestruturas de Portugal (IP) é “inferior a regular” ou não está classificado.
E, tal como tem acontecido com outras auditorias, o Governo afastou acusações. A resposta veio do ministro das Infraestruturas e Habitação ao afirmar que “a segurança não está em causa”. Pedro Nuno Santos foi mais longe ao garantir que “a segurança é preocupação número um da IP” e acrescentou que “nenhuma infraestrutura pode estar aberta e sem condicionalidades se não estiver em condições”. O “nível de classificação do estado dessas obras é fundamental para, dentro da IP, poderem calendarizar a necessidade e o tempo para fazer as intervenções”, assegurou.
Nesta análise, o TdC diz que existe um “risco material” nesta área, tendo em conta que o “conjunto das 7608 obras de arte [como pontes, viadutos ou túneis] em exploração sob jurisdição direta da IP” não abrange “infraestruturas de transportes sob gestão de outras entidades públicas ou objeto de concessão, cujo risco de inoperacionalidade importa conhecer”.
A entidade alerta para o facto de “o estado de conservação de 936 das obras de arte (12%) ser inferior a regular (satisfatório) para 779 obras ou não estar classificado (ainda não estar inspecionado) para 157 obras”.
O TdC diz ainda que o estado de condição dos ativos é “inferior a satisfatório em 33% da ferrovia e 18% da rodovia, com destaque para 62% da via-férrea, em que 15% é avaliada com estado insatisfatório (necessita de investimento)”.
Esta auditoria também analisou a materialidade financeira do investimento previsto no PETI3+ que faltava realizar no final de dezembro de 2018 face à taxa de execução financeira reportada na Conta Geral do Estado desse ano: 13%.
Face a este cenário, o Tribunal de Contas aconselhou o Governo a promover as condições para que o investimento nestes planos seja implementado, destacando que é preciso “concretizar, com urgência, o financiamento necessário para, pelo menos, passar a satisfatório o estado de condição das infraestruturas avaliado como insatisfatório”, entre outras recomendações.
Venda de imóveis: o mais polémico
A auditoria mais polémica deste ano foi, sem dúvida, a alienações de imóveis levadas a cabo pela Segurança Social entre 2016 e 2018. Lançado em janeiro, o documento concluiu que essa venda não teve em conta a maximização de receitas e que a seleção dos imóveis e dos procedimentos de venda não foi fundamentada do ponto de vista económico-financeiro, “tendo a venda dos imóveis sido realizada maioritariamente por procedimento de ajuste direto, na sequência da publicitação de anúncios no sítio da Segurança Social na internet”.
E os alertas prosseguiram. Segundo a entidade liderada por Vítor Caldeira, assistiu-se a um diferencial entre o valor de mercado e o valor de venda dos imóveis que nos procedimentos de ajuste direto foi de apenas 1,7%, “revelando exígua criação de valor”, enquanto nos procedimentos por concurso foi de 12,1% e, por venda eletrónica, 21,6%.
A voz de Fernando Medina foi a mais mordaz ao afirmar que o relatório é de “fraca qualidade”, acusando mesmo o TdC de estar a fazer “política pura” com esta conclusão. O presidente da Câmara de Lisboa disse ainda que os técnicos que o elaboraram preferiam que a Segurança Social fizesse “especulação” em vez de ajudar à causa de fornecer habitação a preços acessíveis.
“O que o Tribunal de Contas vem dizer é que a Segurança Social devia ter especulado no mercado imobiliário vendendo ao mais alto preço e utilizando as técnicas todas que pudesse utilizar para hipervalorizar o seu património”, referiu o autarca. E foi mais longe: “Sejamos claros. O Tribunal de Contas avaliou uma operação, avaliou todo o seu conteúdo, os contratos, as avaliações, e deu visto favorável à compra pela Câmara Municipal de Lisboa de 11 imóveis da Segurança Social. E o mesmo Tribunal de Contas vem, uns meses depois, num outro relatório de outra secção do Tribunal de Contas, tecer fortíssimas críticas à operação”, disse.
De acordo com o chefe do executivo municipal, a Segurança Social, “nesta operação, teve lucro”. E explicou: “Porque comprou um edifício por cerca de 56 milhões de euros, alienou 11 edifícios de imediato à Câmara de Lisboa, sem nenhuma chatice, sem nenhuma dificuldade adicional, por mais de 57 milhões de euros, ao mesmo tempo que contribuiu para um objetivo de renda acessível”, justificou.
Esta declaração foi ao encontro do que também foi defendido pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social ao assegurar que não houve qualquer favorecimento na cedência de 11 imóveis à Câmara Municipal de Lisboa, considerando que a operação “foi rentável” para a Segurança Social.
Mas a reação da entidade liderada por Vítor Caldeira não se fez esperar ao garantir que atuou de forma “coerente e conforme a lei”, considerando as tomadas de posição públicas como inaceitáveis.
“A atuação do Tribunal foi coerente e conforme a lei: apreciou, no âmbito da fiscalização prévia, a legalidade de um contrato gerador de despesa no município de Lisboa e realizou uma auditoria, de âmbito alargado, à gestão e alienação do património da Segurança Social”, acrescentando que “tendo em vista informar os cidadãos, o Tribunal esclarece que nos processos de fiscalização prévia é exclusivamente apreciada a legalidade dos atos ou contratos geradores de despesa que lhe são submetidos, à luz das informações que lhe são apresentadas naquele momento, e se os respetivos encargos têm cabimento orçamental”.
Apesar de garantir respeitar as “opiniões divergentes”, o TdC considerou “inaceitáveis tomadas de posição públicas que não respeitem institucionalmente o Tribunal enquanto órgão de soberania, os seus juízes e os seus técnicos”.
Segundo a auditoria, dos 147 imóveis alienados no triénio 2016-2018, dos quais 71 no concelho de Lisboa, no valor global de 40,8 milhões de euros, foram alienados por ajuste direto 61 (41,5%), representando 28,3% (11,6 milhões de euros) da receita total. Por concurso foram alienados 50 imóveis (34%), no montante de 21,7 milhões de euros (53,2%); por venda eletrónica, 28 (19%), por 7,3 milhões de euros (18%); e por venda direta ao arrendatário 8 (5%), por 0,2 milhões de euros (0,5%).
E o documento lembra que foi utilizado como critério de adjudicação, em procedimentos de alienação de imóveis por ajuste direto, a ordem de entrada das propostas. Como tal, garante que não foi tida em conta a proposta de maior valor e, por isso, verificou-se uma perda potencial de receita na alienação de 10 imóveis de 0,3 milhões de euros.
O TdC apontou também o dedo ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social ao considerar que este “não adotou as melhores práticas quer na avaliação de imóveis quer na divulgação e publicidade dos procedimentos de alienação, de modo a atingir novos mercados e potenciais interessados”. Ao mesmo tempo, “verificaram-se falhas no preenchimento das fichas de identificação dos imóveis, seja por inexistência de informação obrigatória, seja por informação insuficiente ou incorreta; ao nível do inventário de bens imóveis, já que, no triénio 2016-2018, foram alienados três imóveis que não se encontravam inventariados nem registados contabilisticamente”.
A auditoria do TdC também avaliou as condições acordadas para o arrendamento, com opção de compra, de um conjunto de 11 imóveis da Segurança Social pelo município de Lisboa, no memorando de entendimento celebrado com o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. De acordo com o documento, esses contratos “não asseguraram, com elevado grau de verosimilhança, a receita expetável para a Segurança Social”.
No final de 2018, a dívida de rendas ascendeu a 3,5 milhões de euros, da qual cerca de 96% (3,3 milhões de euros) é de cobrança duvidosa, correspondendo a cerca de 18 meses de proveitos de rendas. Daí o TdC considerar “que os procedimentos de controlo e monitorização dos contratos de arrendamento implementados não asseguraram a eficácia na cobrança das rendas, a recuperação da dívida e uma atuação tempestiva perante incumprimentos, em prejuízo da sustentabilidade do sistema”.
E recomendou à ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social que se assegure de instrumentos de cooperação com entidades públicas para que a alienação ou o arrendamento de património da Segurança Social não prejudiquem a receita desta entidade e sejam suportados por estudos económico-financeiros.
Segurança social: Pagamentos indevidos
Quase na véspera de terminar o ano, o TdC alertou que, no final de 2018, a Segurança Social tinha pago mais de 700 milhões de euros de forma indevida a milhares de beneficiários que não devolveram o dinheiro, revelou no parecer da Conta Geral do Estado. A verba resulta do pagamento de prestações já depois da morte do beneficiário e do fim da situação de desemprego ou de doença.
“As prestações sociais a repor correspondem a dívidas provenientes de pagamentos indevidos a beneficiários e em 2018 totalizam 715 milhões de euros em valor bruto e 147 milhões de euros em valor líquido (mais 1,6%, 11 milhões, do que em 2017)”, revelou o relatório.
“Do valor bruto total, 84,5% (604 milhões de euros) estava classificado como dívidas de cobrança duvidosa e provisionado em 94%, o que significa tratar-se de dívidas com antiguidade significativa”, assinala a entidade de fiscalização das contas públicas.
O Tribunal de Contas indicou que apenas 12,5% das dívidas apuradas estavam em pagamento voluntário ou em execução fiscal. Cerca de “32 milhões de euros (4,4%) referiam-se a planos prestacionais de cobrança voluntária” e “54 milhões de euros (7,5%) estavam participados a execução fiscal”. Do total participado a execução fiscal, cerca de 13 milhões estavam enquadrados em planos prestacionais”.
No entanto, e apesar das melhorias, “ainda se verifica um volume de dívida muito significativo que não foi participado a execução fiscal nem está enquadrado em planos prestacionais de cobrança voluntária (88%, 629 milhões de euros)”, sublinham os juízes do TdC.
Esta não é a primeira vez que o TdC chama a atenção para o acumular de dívidas resultantes do pagamento indevido de prestações sociais. Em anteriores pareceres, a entidade liderada por Vítor Caldeira tem insistido na necessidade de maior controlo interno, apontando várias falhas na informação sobre os beneficiários ou sobre a antiguidade da dívida que pode prescrever.
“Estes valores resultam, em parte, de fragilidades do sistema traduzidas em pagamentos indevidos a beneficiários e são representativos da dificuldade na recuperação dessas dívidas, que só começaram a ser participadas a execução fiscal em 2014”, aponta a entidade fiscalizadora das contas.
Plano de incêndios arrasado
Antes de terminar 2019, a entidade liderada por Vítor Caldeira analisou os Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios e apontou para uma tendência para atrasos no circuito de elaboração e aprovação da estratégia de defesa da floresta contra incêndios (DFCI), garantindo que estes atrasos são da responsabilidade não só dos municípios, por não terem avançado “atempadamente para a elaboração do novo plano ou demorado no seu envio para aprovação”, mas também do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), por não ter conseguido decidir no tempo legalmente previsto para o efeito porque emergiram divergências entre as partes – em geral, relacionadas com as regras de edificação em espaço florestal.
Mas as críticas não ficaram por aqui. De acordo com o mesmo relatório, a estrutura local de estratégia de defesa da floresta contra incêndios não está dimensionada e organizada de forma a retirar o melhor partido dos planos. “Os gabinetes técnicos florestais não revelaram capacidade para acompanhar a sua execução, a Comissão Municipal de Defesa da Floresta (DFCI) revelou-se pouco operacional e a coordenação e gestão do Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PMDFCI) não é exercida”, acrescentando que “não foram implementados procedimentos, e definidos níveis de responsabilidade, que garantam uma adequada execução e monitorização”.
De acordo com o Tribunal de Contas, também os sistemas de informação dos municípios não estão parametrizados de forma a permitir a análise da execução financeira dos planos e, como tal, carecem de desenvolvimentos ao nível da contabilidade analítica.
Para melhorar este sistema, o Tribunal de Contas aconselhou o Governo a avançar com medidas administrativas que permitam aumentar a qualidade do Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios e a promover alterações no quadro legal que reforcem a sua eficácia. Ao mesmo tempo, sugere que seja definida uma entidade supramunicipal responsável pela monitorização da execução dos planos e que a “capacite para o efeito”.
Já ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas pediu que “garanta a observação de critérios mínimos de qualidade na elaboração dos PMDFCI, bem como a conformidade legal das regras de edificação e a coincidência entre períodos de vigência e de programação”, acrescentando que a entidade deve “zelar pela correção da informação relativa aos pontos de situação dos PMDFCI e disponibilize os dados sobre áreas ardidas por concelho”.
Quanto aos municípios, é sugerido o reforço não só da eficácia da estratégia municipal de defesa da floresta contra incêndios, mas também da atividade de coordenação do Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios, e que garantam o funcionamento da Comissão Municipal de Defesa da Floresta.
Adse insustentável a curto prazo
No final de outubro, o TdC analisou as contas da ADSE e, mais uma vez, as conclusões não foram animadoras. O subsistema de saúde dos funcionários públicos só será viável a longo prazo se forem tomadas medidas que garantam benefícios atrativos, mais jovens entre os beneficiários e mais receitas.
Os auditores traçam duras críticas ao atual modelo de gestão do subsistema de saúde dos funcionários públicos, um instituto público tutelado por Saúde e Finanças. E alertam para a falta de uma estratégia a prazo, avisando que com um universo de beneficiários cada vez mais envelhecido, e as despesas de saúde nas faixas etárias mais velhas a aumentarem, a partir de 2020, a ADSE começará a dar prejuízo e a almofada não vai chegar para muito tempo.
A previsão é de um défice anual de 17 milhões de euros já no próximo ano, com os auditores a projetar que os excedentes acumulados até 2019 (535 milhões de euros) acabarão por esgotar-se em 2026.
O TdC recorda a intenção de alargar o universo de beneficiários, decisão adiada pelo Governo na última legislatura, e avisa que os 100 mil novos beneficiários estimados, por exemplo, com a abertura da ADSE a funcionários do Estado com contratos individuais de trabalho já não garantiriam a sustentabilidade. “Seria necessário um alargamento adicional a cerca de 300 mil novos titulares com uma idade média de 30 anos para garantir que o saldo acumulado da ADSE seria suficiente até 2028. Para assegurar um saldo anual positivo até esse ano, o alargamento teria de ser na ordem dos 1,1 milhões de novos quotizados”, disse no documento.
“A venda dos imóveis foi realizada maioritariamente por procedimento de ajuste direto, na sequência da publicação de anúncios no sítio da Segurança Social na internet (…) assistiu-se a um diferencial entre o valor de mercado e o valor de venda dos imóveis que nos procedimentos de ajuste direto foi de apenas 1,7%”“O financiamento das instituições não cumpriu o acordo de lei de bases nem promoveu o desempenho eficiente e a qualidade das instituições”“Não fica muito bem ao Governo este tipo de atitudes (….) a velha máxima ‘à justiça o que é da justiça’ não se aplica a todos”