Assédio moral ou bullying laboral


Esta semana foi-me difícil escolher o tema para trazer a este meu espaço de opinião semanal. Não tanto por falta de assunto mas antes, pelo contrário, pela abundância de situações preocupantes e merecedoras de comentário crítico.


Sem prejuízo do acompanhamento que faço com muita preocupação dos problemas que persistem na Saúde em Portugal, exponencialmente agravados com a chegada do COVID-19, bem como dos vários temas da Justiça relacionados com os casos já conhecidos do público em geral e, principalmente, com a chegada de vários outros novos casos que nos enchem de mal-estar e de muita apreensão com o sistema judiciário e com o próprio funcionamento das instituições que, somando-se a outros casos não menos gravosos na área política – designadamente com escolhas esquisitas de titulares para órgãos de soberania como por exemplo o Tribunal Constitucional – colocam a nossa própria Democracia em estado de alerta permanente, o que não gera confiança nem pode dar tranquilidade a ninguém, a minha escolha recai sobre um outro assunto social que considero de enorme gravidade.

Tivemos conhecimento ao longo desta semana de quatro notícias quase simultâneas avançadas pelos vários órgãos de comunicação social sobre assédio moral. Nomeadamente:

1 – Uma grande reportagem da SIC de dia 3 de Março intitulada "QUERO CONTROLAR POSSO HUMILHAR MANDO OBEDECER" que mostrou vários testemunhos e depoimentos técnicos sobre a existência contínua (ou continuada pelo menos durante vários anos) de uma inqualificável postura por parte de funcionários dos quadros de autarquias locais que destratam várias pessoas no âmbito das relações profissionais hierárquicas.

2 – Uma outra notícia avançada pela LUSA ontem mesmo referia serem mais de 40 médicos de medicina interna do Centro Hospitalar de Tondela / Viseu que terão apresentado ao bastonário da Ordem dos Médicos denúncias de assédio moral por parte da superior hierárquica do serviço.

3 – O Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas enviou uma nota à comunicação social dia 4 de Março, revelando que a Autoridade para as Condições do Trabalho terá multado em 41 mil euros a Direção da Tapada de Mafra por assédio moral, chegando assim ao fim “quatro anos de humilhações e destratos”.

4 – Uma funcionária de uma cadeia de supermercados terá ficado há cerca de uma semana e meia, três dias em pé, durante oito horas, à porta do estabelecimento, em "castigo", por se recusar a rescindir o contrato de trabalho, tendo um vídeo comprovativo dessa mesma situação sido gravado e circulado pela Internet e ontem divulgado na televisão.

Confesso que todas estas situações provocaram em mim um sentimento de imediata repulsa e, inevitavelmente, fizeram-me recuar a um passado ainda muito presente na minha vida profissional.

A verdade é que práticas musculadas e amplamente abusivas no mundo laboral, de facto, existem. E vão muito para além do que se pode imaginar.

Não são necessariamente coisas extremadas como estas de colocar um trabalhador (directo) ou colaborador (outsourcing) de 'castigo' por represálias ou para obter uma finalidade qualquer. Mas passam por violações sistemáticas e muito grosseiras aos mais básicos direitos laborais consagrados no Código do Trabalho e na Constituição da República Portuguesa.

Desde obrigarem, literalmente, as pessoas a estar disponíveis e contactáveis com os seus próprios números de telemóvel particular a toda a hora, cujo período diário, vai das 7 horas da manhã à meia-noite, 7 dias por semana, 363 dias por ano – sim durante todo o ano incluindo férias – só havendo 2 dias de paragem efectiva que são no dia de Natal e no primeiro dia de cada ano em que há verdadeiro descanso.

E se isto já é mau o quanto baste, então o que dizer quando se usam plataformas de comunicação colectiva instantânea não corporativas mas abertas, como por e exemplo são os ‘messengers’ das redes sociais, para desancar nos colaboradores pelos seus respectivos resultados diários que não agradam ao chefe?

E quando alguém determinado nesses grupos é chamado à atenção em directo – estando ou não a trabalhar nesse dia, estando ou não de folga, estando ou não de férias – pela chefia e não raras vezes humilhado pela sua tenacidade tresloucada do momento perante a 'audiência' da restante plateia de colegas e superiores hierárquicos?

Ou então quando alguém é forçado a ter de fazer o mesmo, por força das suas funções, sob pena de ficar imediata e irremediavelmente marcado como não tendo o perfil desejado pela 'liderança' para o bom desempenho da função exercida?

Pois lamento muito mas isto é o pão nosso de cada dia em muitas empresas. E ao contrário do que foi dito na reportagem que referi, isto não ocorre apenas nas pequenas e micro empresas que "não têm as acções de formação e de liderança nem possuem os mais avançados e modernos códigos de ética". É precisamente nessas que têm tudo isso onde estes abusos mais acontecem!

A questão é que as administrações e até algumas direcções não sonham que tal se passe. Ou pelo menos, desconhecem a forma como tal se passa… Porquê? Porque têm uma brigada de medíocres instalados em cargos intermédios que brilham à custa deste tipo de modus operandi garantindo resultados que raras vezes suscitam dúvidas quanto à forma como são obtidos. Mas esse é ainda um outro problema e talvez até maior que ficará para outra altura…

O assédio moral é uma forma abjecta de trato pessoal entre profissionais. É muitas vezes um autêntico bullying laboral, a todos os títulos inaceitável que é preciso combater e pôr fim.

Jurista    


Assédio moral ou bullying laboral


Esta semana foi-me difícil escolher o tema para trazer a este meu espaço de opinião semanal. Não tanto por falta de assunto mas antes, pelo contrário, pela abundância de situações preocupantes e merecedoras de comentário crítico.


Sem prejuízo do acompanhamento que faço com muita preocupação dos problemas que persistem na Saúde em Portugal, exponencialmente agravados com a chegada do COVID-19, bem como dos vários temas da Justiça relacionados com os casos já conhecidos do público em geral e, principalmente, com a chegada de vários outros novos casos que nos enchem de mal-estar e de muita apreensão com o sistema judiciário e com o próprio funcionamento das instituições que, somando-se a outros casos não menos gravosos na área política – designadamente com escolhas esquisitas de titulares para órgãos de soberania como por exemplo o Tribunal Constitucional – colocam a nossa própria Democracia em estado de alerta permanente, o que não gera confiança nem pode dar tranquilidade a ninguém, a minha escolha recai sobre um outro assunto social que considero de enorme gravidade.

Tivemos conhecimento ao longo desta semana de quatro notícias quase simultâneas avançadas pelos vários órgãos de comunicação social sobre assédio moral. Nomeadamente:

1 – Uma grande reportagem da SIC de dia 3 de Março intitulada "QUERO CONTROLAR POSSO HUMILHAR MANDO OBEDECER" que mostrou vários testemunhos e depoimentos técnicos sobre a existência contínua (ou continuada pelo menos durante vários anos) de uma inqualificável postura por parte de funcionários dos quadros de autarquias locais que destratam várias pessoas no âmbito das relações profissionais hierárquicas.

2 – Uma outra notícia avançada pela LUSA ontem mesmo referia serem mais de 40 médicos de medicina interna do Centro Hospitalar de Tondela / Viseu que terão apresentado ao bastonário da Ordem dos Médicos denúncias de assédio moral por parte da superior hierárquica do serviço.

3 – O Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas enviou uma nota à comunicação social dia 4 de Março, revelando que a Autoridade para as Condições do Trabalho terá multado em 41 mil euros a Direção da Tapada de Mafra por assédio moral, chegando assim ao fim “quatro anos de humilhações e destratos”.

4 – Uma funcionária de uma cadeia de supermercados terá ficado há cerca de uma semana e meia, três dias em pé, durante oito horas, à porta do estabelecimento, em "castigo", por se recusar a rescindir o contrato de trabalho, tendo um vídeo comprovativo dessa mesma situação sido gravado e circulado pela Internet e ontem divulgado na televisão.

Confesso que todas estas situações provocaram em mim um sentimento de imediata repulsa e, inevitavelmente, fizeram-me recuar a um passado ainda muito presente na minha vida profissional.

A verdade é que práticas musculadas e amplamente abusivas no mundo laboral, de facto, existem. E vão muito para além do que se pode imaginar.

Não são necessariamente coisas extremadas como estas de colocar um trabalhador (directo) ou colaborador (outsourcing) de 'castigo' por represálias ou para obter uma finalidade qualquer. Mas passam por violações sistemáticas e muito grosseiras aos mais básicos direitos laborais consagrados no Código do Trabalho e na Constituição da República Portuguesa.

Desde obrigarem, literalmente, as pessoas a estar disponíveis e contactáveis com os seus próprios números de telemóvel particular a toda a hora, cujo período diário, vai das 7 horas da manhã à meia-noite, 7 dias por semana, 363 dias por ano – sim durante todo o ano incluindo férias – só havendo 2 dias de paragem efectiva que são no dia de Natal e no primeiro dia de cada ano em que há verdadeiro descanso.

E se isto já é mau o quanto baste, então o que dizer quando se usam plataformas de comunicação colectiva instantânea não corporativas mas abertas, como por e exemplo são os ‘messengers’ das redes sociais, para desancar nos colaboradores pelos seus respectivos resultados diários que não agradam ao chefe?

E quando alguém determinado nesses grupos é chamado à atenção em directo – estando ou não a trabalhar nesse dia, estando ou não de folga, estando ou não de férias – pela chefia e não raras vezes humilhado pela sua tenacidade tresloucada do momento perante a 'audiência' da restante plateia de colegas e superiores hierárquicos?

Ou então quando alguém é forçado a ter de fazer o mesmo, por força das suas funções, sob pena de ficar imediata e irremediavelmente marcado como não tendo o perfil desejado pela 'liderança' para o bom desempenho da função exercida?

Pois lamento muito mas isto é o pão nosso de cada dia em muitas empresas. E ao contrário do que foi dito na reportagem que referi, isto não ocorre apenas nas pequenas e micro empresas que "não têm as acções de formação e de liderança nem possuem os mais avançados e modernos códigos de ética". É precisamente nessas que têm tudo isso onde estes abusos mais acontecem!

A questão é que as administrações e até algumas direcções não sonham que tal se passe. Ou pelo menos, desconhecem a forma como tal se passa… Porquê? Porque têm uma brigada de medíocres instalados em cargos intermédios que brilham à custa deste tipo de modus operandi garantindo resultados que raras vezes suscitam dúvidas quanto à forma como são obtidos. Mas esse é ainda um outro problema e talvez até maior que ficará para outra altura…

O assédio moral é uma forma abjecta de trato pessoal entre profissionais. É muitas vezes um autêntico bullying laboral, a todos os títulos inaceitável que é preciso combater e pôr fim.

Jurista