Acordo EUA-talibã. A guerra continua de boa saúde


Trump tenta transformar uma derrota militar num trunfo político para a reeleição. Era mesmo necessário?


Na teoria geral da análise política encontramos boas decisões tomadas por más razões, más decisões tomadas por boas razões e más decisões tomadas por más razões. As boas decisões tomadas por boas razões são raras ao ponto de estarem circunscritas às hagiografias publicadas pelos decisores políticos. A bondade maior ou menor de certas decisões resulta muitas vezes das decisões iniciais cujas características contaminam as sub-decisões que lhes sucedem.

A invasão do Afeganistão é um exemplo de escola. Começou com uma cavalgada heróica e mular (havia mais mulas do que cavalos, os híbridos sempre se revelaram mais adequados aos terrenos traiçoeiros) orquestrada e filmada pela CIA. Os EUA reagiam imperialmente ao único ataque sofrido no território continental desde a guerra da independência. O projecto político para o Afeganistão tinha três objectivos, referidos aqui por ordem decrescente de urgência: vingar o ataque de 11 de Setembro perpetrado pela Al-Qaeda, derrubar o governo talibã que a acolhia e democratizar o país.

19 anos volvidos a tentativa de vingança saiu cara no momento da contagem dos cadáveres: mais de 3600 mortos dos EUA e seus Aliados (incluindo dois portugueses), 25 000 talibãs, 50 000 membros das forças militares e de segurança do Afeganistão e pelos menos 60 000 civis. Com excepção dos mortos contabilizados pelos EUA e Aliados as restantes estimativas são conservadoras, há diversas fontes que as multiplicam por dois ou por três.

A estadia em Bagdade terá custado ao contribuinte americano mais de 1 milhão de milhões de dólares, com uma taxa de evaporação que emprestou à fraude e à corrupção pelo menos 10%, valor equivalente aos compromissos (ainda não materializados) do Acordo de Paris para combater as alterações climáticas (ou 50 anos do PIB português verificado em 2019).

Os talibãs foram derrubados em 2001 e no entretanto conseguiram ocupar mais território do que o então ocupado.

O projecto de democratização correu particularmente bem e será possível ter em breve mais do que um Presidente e mais do que um Governo, dadas as dificuldades de entendimentos pós-eleitorais e a divisão do voto de acordo com as linhas étnicas e tribais.

O acordo entre os EUA e os talibã prevê a retirada de 8600 dos 13 000 soldados americanos nos próximos 135 dias, a tempo de serem acolhidos antes das eleições presidenciais em Novembro. Supõe-se que os Aliados dos EUA, que não participaram nas negociações, se retirarão na mesma escala, se não mesmo na totalidade.

O dito acordo prevê igualmente a libertação de 5000 prisioneiros talibã, coisa que o Governo de Cabul se recusou a fazer na esperança de se poder sentar à mesa da negociação com os talibã.

A meio desta semana os EUA efectuaram um “bombardeamento defensivo” contra os talibã que respeitadores da tradição, retomavam os combates nas vésperas da Primavera.

Mesmo que fiquem no Afeganistão 4400 soldados americanos não poderão manter o Governo de Cabul por muito tempo. Nem todos os democratas protegidos pelos EUA terão meios para poderem fugir. Os que ficarem irão retomar as fidelidades étnicas e tribais e tentar combater os talibãs para não serem degolados. O futuro do Afeganistão não será diferente do presente: guerra civil, morte, subdesenvolvimento, tráfico de droga e hospitalidade disponível para gente perigosa que a possa pagar.

A saída dos EUA pode ajudar Trump a ganhar as eleições mas não havendo um franchise da guerra local não melhorará em nada a segurança dos americanos.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990