Coronavírus em Portugal. “Os próximos dias vão ser determinantes”

Coronavírus em Portugal. “Os próximos dias vão ser determinantes”


Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos d Saúde Pública, defende que a Direção Geral da Saúde tem de reforçar a comunicação com a população e com profissionais de saúde. Confirmados os dois primeiros casos importados no país, a expectativa é conseguir conter o vírus e evitar uma rápida propagação como aconteceu em Itália.


Confirmados os primeiros dois casos importados, qual deve ser a principal preocupação?

A preocupação é a mesma, assegurar a contenção. Fazer a identificação de contactos próximos e assegurar que têm todas as medidas para que não haja outros casos associados e impedir que gerem cadeias de transmissão. Já sabíamos que era vitualmente impossível impedir a entrada de casos importados. A chave da contenção é impedir que haja casos secundários.

Não foi pedido por exemplo a todas as pessoas que contactaram com o escritor Luis Sepúlveda que ficassem em casa, apenas para vigiarem a temperatura. Devia ser generalizado o isolamento?

Contactos mais próximos têm um risco maior de desenvolver a doença do que alguém que esteve circunstancialmente próximo. A questão de desenvolverem sintomas é importante. É necessário a avaliar risco e adotar medidas em função desse risco. Até ver, as orientações não apontam no sentido de isolar preventivamente toda a gente que teve contacto com casos, temos de ser parcimoniosos mas objetivos na forma como fazemos a gestão dos contactos.

Também não faz sentido testar toda a gente?

Uma das questões que se estava a colocar era se haveria casos que não estavam a ser detetados e ser necessário afinar a definição de caso. Penso que agora temos de afinar quem faz sentido testar, se eventualmente fará sentido testar pessoas sem sintomas que tenham tido contacto com doentes, mas até ao momento a orientação técnica da DGS não é isso que preconiza. É para já essencial promover medidas de higiene das mãos, boa etiqueta respiratória e evitar, perante sintomas, contacto com outras pessoas.

"Ter um plano de contingência permite-nos ser mais proativos", defende Ricardo Mexia

A Ordem dos Médicos defendeu hoje a publicação de um plano de contingência nacional. É necessário?

Também já o tínhamos defendido. Em Itália, a passagem de um cenário de contenção, que é aquele em que estamos, para um cenário de disseminação da doença foi muito rápida. Termos a capacidade de antever e capacitar as diferentes componentes do sistema para montar a resposta seria muito importante, daí a necessidade deste plano de contingência, que será uma adaptação dos planos que já existem para outras patologias mas que nos permitirá ser mais proativos. Houve inclusivamente uma recomendação da DGS para que as empresas desenvolvessem planos de contingência. É muito mais fácil desenvolver planos de contingência tendo como enquadramento um plano nacional, que as instituições possam adaptar aos seus contextos. Seria uma ferramenta útil para preparar o país. E é preciso insistir muito na comunicação. Estamos a assistir a uma grande dificuldade da linha SNS 24 e da linha de apoio ao médico em responder às solicitações também porque há um número elevado de pessoas que contacta a linha sem ter indicação. Naturalmente que as pessoas querem ver esclarecidas as dúvidas e não as censuro, mas se a mensagem fosse clara para toda a gente reduziríamos o número de chamadas e o sistema funcionaria de forma mais ágil.

É preciso insistir na comunicação. Mesmo entre os profissionais, parece haver alguma falta de conhecimento sobre o que devem fazer perante um caso, um doente ou alguém sem sintomas

Os hospitais e centros de saúde estão preparados a evolução do surto?

Penso que é importante haver informação clara não só para a população mas para os profissionais. O que constatamos é que, mesmo entre os profissionais, parece haver alguma falta de conhecimento sobre o que devem fazer perante um caso, um doente ou alguém sem sintomas. Como se calhar não é tão claro qual é o papel de cada um, geram-se ineficiências no sistema, o que é fruto de falta de informação.

Tem sido a falha na resposta nacional?

A comunicação tem ocorrido, mas se calhar não está a chegar da forma desejável. Há que melhorar a forma como os cidadãos e profissionais recebem informação para poderem utilizá-la em tempo útil e com mais confiança.

Qual é o cenário mais provável para os próximos dias? Itália admitiu entretanto que o vírus já poderá estar a circular no país desde a segunda metade de janeiro.

É uma das questões que se coloca. Em Itália tiveram dificuldade em identificar cadeias de transmissão e existe essa plausibilidade de ter havido transmissão anterior. Em Portugal a minha expectiva é que sejamos mais parecidos com França ou Alemanha do que com Itália, que o cenário não seja esse de uma disseminação generalizada mas um cenário em que vemos um caso isolado que não gera cadeias de trasmissão ou que, no limite, gera poucos novos casos mas não o que vimos em Itália onde em 48 horas surgiram 200 casos e agora vão em dois milhares de casos, o que é preocupante. Os próximos dias vão ser determinantes.

Tem havido muitas comparações com a gripe, que mata anualmente 3000 pessoas em Portugal, tantas como as vitimas mortais deste novo vírus a nível global. Faz sentido comparar as duas epidemias?

É uma comparação difícil de fazer. Sabemos que, em termos de transmissão, pode haver semelhança mas em termos de severidade este vírus é mais severo, tem mais casos graves e mais óbitos do que a gripe. Se conseguirmos que haja pouca transmissão, o impacto será menor.  Os dados de uma época de gripe são pouco comparáveis com o período que vivemos até agora: não é líquido que estejamos sequer a meio da época para este coronavírus. Não é fácil dizer se é melhor ou pior do que a gripe. Tem características diferentes e implica um reforço de medidas para uma situação que é nova e que não dominamos na íntegra, daí ser necessário uma abordagem cautelosa. Com o grau de incerteza que temos ainda, isso é importante para prevenir males maiores.