Liderança trabalhista. Três candidatos contagiados pelo corbynismo

Liderança trabalhista. Três candidatos contagiados pelo corbynismo


Passados praticamente cinco anos de liderança de Jeremy Corbyn e depois de uma derrota eleitoral histórica em dezembro, o Partido Trabalhista iniciou na passada segunda-feira o processo para escolher um novo líder. Só no dia 4 de abril se conhecerá o vencedor, mas em causa está a direção que o partido deve tomar: continuar com…


Keir Starmer. O favorito e responsável pela estratégia do segundo referendo

“Somos um partido antiausteridade. Acreditamos na propriedade pública. Queremos um mundo mais justo e mais pacífico. Liderámos o caminho [no combate] às alterações climáticas e pela necessidade de um Green New Deal”. Não, não foi Jeremy Corbyn quem o afirmou. Foi, sim, o candidato à liderança do Labour da ala moderada. Conotado com a fação blairista, Keir Starmer promete “manter o radicalismo dos últimos quatro anos”. Por isso, não rejeita o manifesto eleitoral de 2017, que materializou a viragem à esquerda dos trabalhistas sob o comando de Jeremy Corbyn.

Fez parte do grupo de elementos do governo-sombra que em 2016 se demitiram em protesto contra a liderança corbynista. Mas o parlamentar voltou no final desse ano para, desta vez, servir como secretário-sombra para o Brexit. Fiel à sua conotação blairista, acredita-se que Starmer foi o maior responsável pela adoção pelo Labour da estratégia de realização de um segundo referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (que representou uma mudança na posição inicial do partido), vista como um dos fatores que provocaram a maior derrota do partido desde a década de 1930 em relação ao número de assentos parlamentares ganhos nas eleições de dezembro passado. 

Mesmo assim, é o grande favorito para suceder a Corbyn. No frente-a-frente com Rebecca Long-Bailey, caso assim decorra o processo eleitoral, as sondagens do YouGov (realizadas em janeiro) preveem uma larga vitória do advogado sobre a segunda candidata mais forte: Starmer arrecada 63% das intenções de voto, enquanto Long-Bailey se fica pelos 37%. 

Sir Starmer formou-se em Oxford, em 1986. Como advogado, entrou em várias batalhas legais para acabar com a pena de morte nas Caraíbas e em países do continente africano. Ganhou o título honorífico de sir em 2013, em parte devido a esse trabalho. Na política parlamentar, Starmer é uma cara relativamente nova. Entrou em Westminster em 2015. Em menos de meia década pode tornar-se líder da oposição a um dos Governos britânicos mais fortes dos últimos tempos. Caso isso aconteça, promete bater-se por um acordo comercial com a UE que garanta direitos laborais, proteja o emprego e defenda o ambiente e padrões de consumo próximos dos de Bruxelas.

 

Rebecca Long-Bailey. A continuação de Corbyn?

Dos três, Rebecca Long-Bailey é claramente a candidata mais alinhada com Corbyn. Tendo assumido vários cargos durante a sua liderança, a mulher de 40 anos ainda é a sua secretária-sombra para os Assuntos Empresariais, Energia e Estratégia Industrial. Tem o apoio do Momentum, organização de base do partido com cerca de 40 mil membros fundada para apoiar a eleição de Corbyn, e do segundo maior sindicato do país, o Unite. Apresentada por alguns como a mera “continuação” do ainda líder do Labour, Long-Bailey terá alguma dificuldade em distanciar-se dessa premissa: já a denunciou como “sexista” e defendeu não haver tal coisa como o corbynismo, mas sim valores trabalhistas. Ainda assim, reconhece poder reservar um lugar no governo-sombra para Corbyn caso ganhe a liderança trabalhista – e o líder até pode aceitar, como confidenciou há uns dias. 

Foi um elemento fulcral na criação do manifesto eleitoral de 2019, em que o programa deslizou ainda mais para a esquerda do que em 2017: previam-se nacionalizações, subida dos impostos às grandes empresas e uma reindustrialização “verde” no Reino Unido, de forma a reverter os efeitos mais nefastos das alterações climáticas e criar postos de trabalho – e foi neste último ponto que deixou uma maior marca. 

Long-Bailey é filha de um estivador de Manchester e costuma falar de como as experiências do pai tiveram influência nas suas visões políticas. Trabalhou em call centres, nos correios e na indústria do mobiliário. Argumentando que o Labour tem “uma montanha para escalar” até conseguir chegar ao poder, defende uma aliança tática com alguns membros logo à sua direita (isto é, entre o centro-esquerda e o centro do partido) para evitar a marginalização a que a esquerda trabalhista esteve remetida durante décadas, depois de Tony Blair ter virado a formação para a direita, adotando o neoliberalismo hegemónico da década de 1990 e da entrada do novo milénio. Ao contrário, Long-Bailey diz ter uma visão que aspira chegar ao “socialismo” e deseja realizar uma “revolução democrática” no Reino Unido que vá contra os “interesses instalados”, em vez de os “acomodar”.

 

Lisa Nandy. A candidata da “esquerda suave” 

É a candidata da social-democracia tradicional, representada pelo antigo líder trabalhista Ed Milliband, que apoiou em 2010. Nasceu em 1979 em Manchester e a política corre nas veias da sua família. A avó de Lisa Nandy foi parlamentar em Westminster na década de 1940 pelos Democratas Liberais e a candidata descreveu o pai como um dos últimos marxistas no Reino Unido. 

Nandy é a candidata com maior experiência parlamentar, tendo começado a sua jornada como deputada em Westminster em 2010, com apenas 30 anos. 

Tem o apoio do sindicato GMB e do Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Minas, do Movimento Trabalhista Judaico e de 70 secções locais do partido. Juntamente com Starmer, Nandy representa a ala moderada dos trabalhistas. E não é a única semelhança que Nandy partilha com o concorrente favorito: foi também um dos elementos do governo-sombra que se demitiu em protesto contra a liderança de Corbyn em 2016. E apoiou Owen Smith quando este se candidatou contra Corbyn no mesmo ano.

Dificilmente se poderá conotar Nandy como uma blairista, apesar de ser representada como uma candidata centrista – isto é, em relação a Corbyn. No debate entre os três candidatos, no dia 17 de fevereiro, foi a única a responder que votaria para abolir a monarquia no Reino Unido. Defendendo uma mudança na estratégia do partido, dizendo que não é suficiente “mudar o homem no topo e esperar um resultado diferente”, quer levar para Londres os modelos dos Governos da Nova Zelândia e da Finlândia – países onde são mulheres de centro-esquerda que encabeçam os Executivos e que chegaram ao poder prometendo políticas públicas tradicionalmente de esquerda. “Precisamos de um tipo de liderança diferente e isso significa um tipo de líder diferente”, defende.