Com o título não pretendo significar que a “eutanásia” é precisa, e com as aspas quero que se tenha em conta que o termo “eutanásia” pode ser, e é, usado para falar de várias coisas. O que quero – o que gostaria mesmo, sobre este tema e outros – é que na discussão se seja preciso, no sentido de precisão, de rigor, não misturando coisas, não confundindo o essencial com o acessório, não contaminando planos. As questões são complexas, naturalmente, mas misturar tudo, e sobretudo não ser preciso ou rigoroso, não ajuda nada. Antes pelo contrário – voluntária ou involuntariamente. É só isso que pretendo sublinhar aqui, e não tentar convencer alguém disto ou daquilo, ou sequer fazer enunciados, embora sobre esta questão, ao contrário de outras ditas “fraturantes”, até tenha uma opinião (jurídica e cívica, e também estritamente pessoal) não muito martirizada por dúvidas. Mas não é isso que aqui me traz.
O que aqui me traz é, por exemplo, afirmar que colocar na discussão acerca da “eutanásia” a questão dos cuidados paliativos é, salvo o devido respeito, uma mistificação. São coisas diferentes, os planos são distintos, e não é por haver melhores ou piores cuidados paliativos (e creio que todos ou quase todos estaremos de acordo em que eles devem ser sempre os melhores) que a questão da “eutanásia” muda ou não de feição no que é essencial. Pensemos, por exemplo, na chamada eutanásia voluntária ativa, ou seja, e indo ao essencial, num caso de alguém acometido de doença gravemente incapacitante ou terminal que conscientemente pede a outrem que faça algo que lhe coloque termo à vida. A questão é: o Estado deve considerar o ato desta pessoa lícito ou ilícito? Melhores cuidados podem levar o doente a não pedir? Sim, talvez. Mas se, ainda assim, ele pedir, e a pessoa a quem pede aceder? É isso que está em causa, e só isso, e misturar isto com a questão dos cuidados paliativos é ruído. E não ajuda.
E também não ajuda falar em “eutanásia” sem distinguir as múltiplas (e bem diferentes) situações que são englobadas no conceito amplo. Nem ajuda misturar religião e moral com questões de Estado e de direito. Religião e moral, cada um com a sua, e evidentemente que ninguém pode ser obrigado pelo Estado a cometer o ato pedido pelo doente. Mas só isso; o mais (como a “santidade” da vida, o múnus de cada um, as mundividências et cetera) pertence a domínios diferentes daqueles em que devemos discutir e decidir a questão no terreno da intervenção do Estado através do direito (que é o que está em causa). Por outro lado, também há que separar o essencial do acessório, mesmo que o acessório seja importante. Pensemos nos requisitos da vontade de morrer, ou na sua expressão (ainda no exemplo dado acima). Claro que a consideração e a regulamentação cuidadas desses aspetos são importantes mas, desde que salvaguardados, a questão essencial continua a ser só uma, e é ela que está verdadeiramente em causa: o Estado deve considerar lícito ou ilícito o ato? É esta a pergunta que se coloca no coração do problema, e não vale a pena, nem ajuda, confundir o coração do problema com outras ordens de considerações. Aqui, como em tudo, mas aqui mais do que em quase tudo, é preciso ser preciso. Ajuda. E também ajuda não gritar. Gritar nunca contribui para a precisão, nem para que se oiça e pense melhor.
Escreve quinzenalmente à sexta-feira