O mundo antigo conhecia bem o perigo das pragas de gafanhotos. Mas os enxames massivos que se desenvolveram nos desertos do Iémen e se espalharam do Uganda ao Paquistão, devorando toda a vegetação que encontram, têm uma escala “sem precedentes nos tempos modernos”, lê-se num comunicado do Programa Alimentar Mundial (PAM) e da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Ontem, estas agências pediram mais fundos para ajudar no combate a “uma praga de proporções bíblicas”: o custo estimado passou do equivalente a 70 milhões de euros, ao longo dos próximos quatro meses, para quase 130 milhões de euros.
A situação torna-se ainda mais trágica pela fragilidade dos países mais afetados, Etiópia, Somália e Quénia, onde já foi devorada a vegetação de mais de 50 mil hectares de terreno – boa parte campos agrícolas, essenciais para a alimentação de populações. A presença de milhares de milhões de gafanhotos – capazes de viajar mais de 130 km e comer o equivalente ao seu próprio peso por dia – coloca milhões de pessoas em risco de fome no Corno de África, uma das regiões mais pobres do planeta.
A situação pode parecer apocalíptica, mas tem tudo para piorar até julho: o número de gafanhotos, que têm um ciclo reprodutivo de três meses, pode aumentar 400 vezes até lá, avisaram as Nações Unidas. Agora os gafanhotos adultos estão a pôr ovos, mas nas próximas semanas surgirá toda uma nova geração de insetos – coincidindo com a época das colheitas. Para a FAO e a PAM, a escolha é simples: “pagar um pouco agora, ou pagar muito depois”. A sua estimativa é que o custo de lidar com a ameaça neste momento seja pelo menos 15 vezes inferior a lidar com as consequências.
paraíso no deserto A dada altura, em 2018, brotou vegetação nos remotos desertos do norte do Iémen, que enfrenta uma brutal guerra civil. Um ciclone no Índico, ao largo da Somália, e a precipitação pouco comum nesse ano – relacionada com as alterações climáticas – transformaram essas regiões remotas, pouco populosas e longe do controlo governamental, num buffet para gafanhotos, que se foram multiplicando ao longo do ano seguinte, sem serem detetados. Estes insetos nem sempre são tão ferozes como os enxames que vemos nas fotos acima. Geralmente, são verdes, tímidos e solitários – mas, se faltar alimento, transformam-se completamente: tornam-se animais sociais, vorazes, amarelos e incontroláveis. Foi o que aconteceu quando secaram os breves oásis no deserto do Iémen, entre a primavera e o verão de 2019: os enxames rapidamente se espalharam, à procura de paragens mais verdes. Hoje, 13 países preparam-se para os enfrentar.
“Na nossa cultura celebramos os gafanhotos, porque a sua chegada significa chuva”, explicou ao Washington Post Haphi Elena, um fazendeiro do sul da Etiópia, cujo gado depende da vegetação da região. “Mas sabemos que se eles ficarem mais tempo que a chuva, vão comer tudo e nós vamos passar fome”, lamentou. “Muitos destes países não lidam com uma praga de gafanhotos assim há 25 ou 70 anos, por isso não têm uma grande comunidade de especialistas com experiência à mão”, explicou a FAO à BBC.
Guerrilha Dirigem-se ao Uganda enormes enxames de gafanhotos, avistados no Quénia, que escurecem o céus como nuvens – alguns têm mais de 2500 km2, ou 25 vezes a área de Lisboa, segundo a ONG Save the Children. Foram colocados no terreno dois mil efetivos do exército ugandês, que tem larga experiência no combate aos guerrilheiros do Exército de Libertação do Senhor, mas agora enfrenta um inimigo ainda mais móvel.
Armados com aspersores de inseticida, protegidos com fatos e máscaras, os soldados dirigem-se de camião aos locais onde os habitantes avistaram gafanhotos. Atacam de madrugada, quando os insetos estão pousados, a dormir. “Quando começámos, há duas semanas, eu não sabia muito sobre estas criaturas”, contou ao Guardian o major-general Samuel Kavuma, encarregue do combate aos gafanhotos. “Agora sou um professor. Sei como se comportam, o seu padrão de movimentos”, assegura. A sua tática funciona quando os gafanhotos estão pousados no chão, mas os aspersores dos seus soldados não chegam às copas das árvores – nesses casos, precisariam dos meios aéreos que não têm.
O próprio inseticida usado é problemático: o clorpirifós foi providenciado pela ONU, mas está proibido na UE, por estar associado a danos neurológicos, sobretudo em crianças. É uma situação complicada: afinal, não usar o inseticida contra os gafanhotos também aumenta o risco de uma fome generalizada, teme Abonyo Shantina, uma agricultora ugandesa que assistiu à destruição de um enxame ao lado da repórter do Guardian. “Vou ter dificuldade em encontrar comida para os meus filhos”, lamentou.
Contudo, já são usadas outras soluções para lá de pesticidas para enfrentar esta praga. Do outro lado do mundo, na China, também já se receia a chegada dos gafanhotos, através da Índia e do Paquistão: o Governo chinês libertou 100 mil patos na fronteira, para comerem os invasores. De acordo com os média chineses, a estimativa é que cada “soldado pato” defenda à volta de quatro metros quadrados de território.