G. Barros estava no bar com os amigos quando, de repente, olhou para o relógio, levantou-se e desapareceu. Os presentes estranharam, já que Barros não tinha dito que estava atrasado para outro encontro. Até que entrou em ação a namorada do “desaparecido”: “Não se preocupem. Ele viu o ritmo cardíaco e achou que estava mal e foi para casa”. G. Barros é um dos novos “agarrados” às novas tecnologias que, supostamente, fazem check-ups a todo o momento – o que tem vantagens, mas também desvantagens.
São cada vez mais as pessoas que utilizam esses telefones e outros aparelhos para analisarem o seu estado de saúde instantaneamente. Ao i, Rui Nogueira, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, explicou que a utilização dos relógios modernos é “perigosa”, principalmente para quem sofre de hipertensão.
“Há mais contras do que prós. Pode ser usado como alerta, mas é um risco um hipertenso tomar as medições como válidas e deixar de tomar os medicamentos baseando-se apenas nesses registos. É certo que os hipertensos têm de fazer vigilância fora da consulta. Têm de trazer medições para o consultório, mas não com a utilização desses relógios. Há aparelhos adequados, o melhor é através da braçadeira. Tem de se medir no braço. No pulso, não funciona”, sublinhou, explicando que conhece algumas formas erradas de medir a tensão arterial mas que são utilizadas frequentemente por doentes.
“O mais evoluído que conheço é no telemóvel, de pôr o dedo na câmara, mas não deixa de ser um alerta. Se houver alteração dos valores e a pessoa for encaminhada para o hospital, tudo bem. Estamos a falar de algo perigoso”, rematou.
A hipertensão é uma doença “muito traiçoeira” e, segundo as indicações de Rui Nogueira, faz com que não se possa brincar com algo que nos remete para a vida humana. “Não se sente nada, não cheira mal. A hipertensão tem de ser regulada com medição. É como ter um relógio em casa para ver as horas. Esses relógios que são medidores precisam de aperfeiçoamento”, rematou.
A psicóloga Joana Almeida corrobora essa ideia e dá conta de todos os perigos inerentes à utilização dos relógios modernos, dando indicações de que a tecnologia está a tomar “grandes proporções” em Portugal. “Infelizmente, as pessoas agarram-se a tudo o que é prático e que está mais à mão, literalmente. É fácil e próximo, mas não é indicador de nada. Se usarmos para contar passos, tudo bem, é o movimento do corpo, mas para medir a tensão parece-me grave”, começou por referir, dando ênfase àquilo que pode afetar áreas como a da saúde.
“Nada disso substitui a presença, o ouvir o historial, o sentir” de um médico, acrescentou a psicóloga, evidenciando que, neste caso, a utilização da tecnologia vai muito além dos limites. Em Portugal, não há estudos conhecidos sobre a má utilização destes aparelhos e são cada vez mais os utilizadores dos relógios modernos, que podem custar até mil euros – mas há modelos mais baratos e que podem ficar por cerca de 30 euros. E o seu uso ultrapassa em muito a questão das pulsações cardíacas, pois há quem os use, nomeadamente os relógios modernos, para outras questões relacionadas com a saúde, seja para a prática de exercício físico ou até mesmo como um alerta para movimentar o corpo, no caso de se permanecer muito tempo sentado ao computador.
Luciano Larrossa, especializado em marketing e novas tecnologias, é um desses casos e contou ao i que utiliza o seu smartwatch para se lembrar até que tem de respirar um pouco. “Como trabalho em casa, também acaba por ser uma excelente ajuda porque me envia notificações de alerta para me levantar um pouco. Avisa que está na hora de respirar. Ao fim de uma hora sentado, convém levantarmo-nos, mexermos um pouco o corpo, e o relógio ajuda exatamente nesse sentido. Às vezes é fácil passarmos horas seguidas em frente ao computador”, sublinhou, referindo que esta é também uma das formas de mexer menos no telemóvel – hábito que hoje em dia é muito recorrente, particularmente nas camadas mais jovens.
“Uso também para mexer menos no telefone, acaba por ajudar nesse sentido. Consigo ver muitas das notificações pelo relógio e não preciso de estar sempre a mexer no telemóvel. Uso também muitas vezes como despertador. Ponho no pulso e é o meu despertador, para não ter o telemóvel próximo de mim”, realçou Luciano, que pratica exercício físico regularmente. Por isso, nunca deixa o relógio em casa quando sai para correr ou jogar ténis.
“Uso diariamente esse tipo de relógios, muito para fazer exercício, o tempo todo, porque fica com o histórico da minha atividade física. É importante para poder comparar com outros períodos”, sublinhou, explicando também que este tipo de tecnologia pode ser um alerta para irmos ao médico, e não um “substituto” da medicina.
Certo é que muitas pessoas usam estes relógios modernos para avaliar o coração, um dos órgãos mais importantes do nosso corpo. Luciano Larrossa é um deles, acabando por revelar que utiliza esta modernização para perceber se “os batimentos cardíacos estão acima da média ou do normal”. “Podem ser excelentes ajudas. Antes não tínhamos tanto esta ajuda, mas agora temos”, confessou.
Viciada no relógio Eduarda Leal, grande adepta da prática de desporto, admite ser viciada no seu relógio, não passando sem ele durante as suas corridas diárias. “Uso o relógio diariamente como medidor de calorias queimadas, distâncias percorridas, tempo gasto na atividade física, medidor dos batimentos cardíacos, alerta de chamadas telefónicas, entre outras coisas”, esclareceu, referindo que controla a tensão arterial através do seu smartwatch. “Quando ando preocupada com os batimentos cardíacos ou a tensão, este relógio ajuda-me a fazer um controlo, pelo menos, durante 24 horas. Em consciência, poderei procurar o meu médico se achar que alguma coisa está menos bem”, diz ao i.
casos de sucesso Nos Estados Unidos são muitos os casos de sucesso quanto à utilização de relógios modernos e alguns deles mostram que é possível salvar vidas através das notificações enviadas aos utilizadores. Em 2018, por exemplo, uma jovem de 18 anos deslocou-se até uma unidade hospitalar depois de receber um alerta vindo do relógio. “Procure atendimento médico”, lia-se.
O caso aconteceu na Florida a Deanna Recktenwald, que diz que a tecnologia lhe salvou a vida. “Sem esse relógio, temo que ela seria mais um dos casos dos noticiários em que uma jovem saudável vai para a faculdade e depois morre durante o sono”, disse, na altura, o médico da doente, que viu a frequência cardíaca disparar consideravelmente.
“Existem vários casos nos Estados Unidos. Se uma pessoa tiver uma queda brusca, o relógio dá logo o alerta automático para a linha de saúde norte-americana. Já aconteceram casos de pessoas que sofreram quedas a andar de bicicleta e o relógio chamou a ambulância de forma automática através da localização”, lembrou ao i Luciano Larrossa, que explicou ainda que muita gente utiliza o objeto para fazer também a medição do sono.
“Há quem use para fazer esse tracking, para saber quantas horas estamos a dormir de noite, como está a qualidade do sono, se é profundo ou não”, recordou o especialista de marketing que, devido à sua profissão, está constantemente à procura de novos projetos. “Uso também para registar ideias. Às vezes estou a andar na rua e, se me surgir alguma coisa, gravo essa ideia no relógio e depois passo para um gestor de tarefas ou para um calendário”, contou.