A instabilidade como sistema


Em Portugal, não há sossego. Estão sempre a mudar leis fiscais, regulamentos autárquicos, leis nacionais, além de muitas outras coisas. Tudo ao sabor da conveniência do poder do momento.


1. Um dos problemas mais óbvios e mais nefastos de Portugal parece insuperável. Trata-se da instabilidade que é prática da nossa sociedade em muitos campos. E nada tem a ver com instabilidade política. Resulta da instabilidade fiscal e das leis, acomodadas e mexidas muitas vezes por razões de conjuntura imediata. No plano fiscal é impossível fazer planos do que quer que seja. Tanto os cidadãos comuns como as empresas são sistematicamente apanhados por novos tipos de cálculo, novas abordagens, tornando impossível qualquer forma de planeamento fiscal. Tudo sempre na mira de aumentar a receita, embora com um falacioso discurso a assegurar o contrário.

Veja-se, por exemplo, que durante um tempo recente houve uma enorme aposta na construção civil, na recuperação dos dois centros urbanos de Lisboa e do Porto e, portanto, facilitou-se o alojamento local, dinamizando a economia e a recuperação. Houve até uma política “facilitista” de vistos dourados que agora se quer travar, com consequências desconhecidas. Estamos na fase contrária. Limita-se. Impede-se. Boicota-se até. Pessoas que investiram, que têm obras em curso, ficaram de repente prejudicadas nos seus investimentos e nas suas expetativas. Outros, cuja atividade de alojamento estava em curso, viram-se confrontados com um aumento brutal dos impostos. E tudo porque, subitamente, alguém achou que se ia utilizar o potencial construído para fomentar o mercado de habitação, trazendo gente para as cidades a preços mais atrativos. Balelas! As rendas vão continuar caras e inacessíveis. Se olharmos para Lisboa, verificamos que se juntou a este assalto fiscal uma nova e draconiana legislação que vai impedir e limitar severamente a circulação de carros no centro. Percebe-se a ideia. É bonita! Mas entra exatamente em contradição com o propósito de fomentar o mercado de arrendamento no centro da cidade. Querem gente dentro dele, mas não querem que se chegue a casa. No meio disto deu-se um surto de veículos TVDE que, aliás, são normalmente guiados por gente que não conhece a cidade e sem qualificação. Houve quem comprasse a diesel para desenvolver o negócio. Agora pretende-se limitar o seu acesso à cidade, a menos que sejam elétricos. Mas, afinal, o que é isto? Brinca-se com a vida das pessoas.

Noutro campo bem diferente, a verdade é que se acolhia até recentemente, e com alegria, o investimento de Angola, sem o escrutinar. Agora é o oposto. Mas há bancos que mudam de mão de um dia para o outro e onde estava um discípulo de Eduardo dos Santos está agora um amigo de Maduro. Os angolanos de hoje serão amanhã chineses, árabes, iranianos ou brasileiros. O bom investimento seria americano, sueco, norueguês, alemão e pouco mais. Mas esse, nesta altura, só vem para cá para nos vender coisas.

Há não muito tempo, Joaquim Sarmento, um destacado economista social-democrata, assinalou numa conferência que entre 1989 e 2014 tinha havido 492 (!!!) leis a alterar a legislação referente a apenas cinco impostos: IRS, IRC, IMI, IMT e IVA. Ou seja, houve uma média de 25 alterações por ano, num período em que, basicamente, a governação foi do Partido Socialista. Desde 2014 houve muitas outras, que não estavam na altura quantificadas, mas é lícito admitir que se tenha mantido o tal ritmo de 25 ao ano. Estes números demonstram que vivemos num caos permanente, numa caça ao bolso e num sistema sem garantias de estabilidade. O oportunismo é o método que nos governa.

É assim com a área fiscal, mas é também com quase tudo o resto. Se há um acidente grave, faz-se uma lei! Se há um fogo violento: lei! Se há um crime inédito: lei! Se há um novo tipo de poluição: lei! Se há violência no desporto: lei! Tudo à la minuta e em cima do joelho para satisfazer a opinião publicada e o chinfrim. A governação à la carte e ao sabor da conveniência ou até da ditadura do politicamente correto, ditado pela massa das redes sociais, é um método. Por isso, temos uma legislação que cresce desmedidamente, prevendo tudo o que está para trás e não antevendo o que aí vem. É uma aberração no meio da qual ninguém se entende, ninguém ganha e todos perdemos, entre dinheiro, força anímica e paciência.

2. A propósito de falta de coerência, vale a pena referir a alteração que vai haver nas matrículas dos automóveis. Sucede que vão deixar de ter colocado o ano de registo do carro (o que não é o mesmo que o seu fabrico). A medida faz sentido e é compatível com o que se passa na União Europeia, onde, na prática, ninguém procede como nós. Colocar o ano dos carros nas chapas é um incentivo à coscuvilhice. Não serve para a polícia nem para nenhuma autoridade porque os números e letras que têm impressos chegam para saber tudo sobre o veículo e o proprietário. A referência ao ano é um maná para os coscuvilheiros. Coisas do género: “Olha aquele vizinho a armar ao pingarelho, mas com um carro do século passado” ou “Vejam que aquele tipo não tem onde cair morto, mas comprou um carro novo e de gama alta”. Pelos vistos, alguém teve finalmente bom senso. Mas quem esteve na origem da decisão anterior, que possibilitou uma clara intromissão na vida de cada um?

 

Escreve à quarta-feira


A instabilidade como sistema


Em Portugal, não há sossego. Estão sempre a mudar leis fiscais, regulamentos autárquicos, leis nacionais, além de muitas outras coisas. Tudo ao sabor da conveniência do poder do momento.


1. Um dos problemas mais óbvios e mais nefastos de Portugal parece insuperável. Trata-se da instabilidade que é prática da nossa sociedade em muitos campos. E nada tem a ver com instabilidade política. Resulta da instabilidade fiscal e das leis, acomodadas e mexidas muitas vezes por razões de conjuntura imediata. No plano fiscal é impossível fazer planos do que quer que seja. Tanto os cidadãos comuns como as empresas são sistematicamente apanhados por novos tipos de cálculo, novas abordagens, tornando impossível qualquer forma de planeamento fiscal. Tudo sempre na mira de aumentar a receita, embora com um falacioso discurso a assegurar o contrário.

Veja-se, por exemplo, que durante um tempo recente houve uma enorme aposta na construção civil, na recuperação dos dois centros urbanos de Lisboa e do Porto e, portanto, facilitou-se o alojamento local, dinamizando a economia e a recuperação. Houve até uma política “facilitista” de vistos dourados que agora se quer travar, com consequências desconhecidas. Estamos na fase contrária. Limita-se. Impede-se. Boicota-se até. Pessoas que investiram, que têm obras em curso, ficaram de repente prejudicadas nos seus investimentos e nas suas expetativas. Outros, cuja atividade de alojamento estava em curso, viram-se confrontados com um aumento brutal dos impostos. E tudo porque, subitamente, alguém achou que se ia utilizar o potencial construído para fomentar o mercado de habitação, trazendo gente para as cidades a preços mais atrativos. Balelas! As rendas vão continuar caras e inacessíveis. Se olharmos para Lisboa, verificamos que se juntou a este assalto fiscal uma nova e draconiana legislação que vai impedir e limitar severamente a circulação de carros no centro. Percebe-se a ideia. É bonita! Mas entra exatamente em contradição com o propósito de fomentar o mercado de arrendamento no centro da cidade. Querem gente dentro dele, mas não querem que se chegue a casa. No meio disto deu-se um surto de veículos TVDE que, aliás, são normalmente guiados por gente que não conhece a cidade e sem qualificação. Houve quem comprasse a diesel para desenvolver o negócio. Agora pretende-se limitar o seu acesso à cidade, a menos que sejam elétricos. Mas, afinal, o que é isto? Brinca-se com a vida das pessoas.

Noutro campo bem diferente, a verdade é que se acolhia até recentemente, e com alegria, o investimento de Angola, sem o escrutinar. Agora é o oposto. Mas há bancos que mudam de mão de um dia para o outro e onde estava um discípulo de Eduardo dos Santos está agora um amigo de Maduro. Os angolanos de hoje serão amanhã chineses, árabes, iranianos ou brasileiros. O bom investimento seria americano, sueco, norueguês, alemão e pouco mais. Mas esse, nesta altura, só vem para cá para nos vender coisas.

Há não muito tempo, Joaquim Sarmento, um destacado economista social-democrata, assinalou numa conferência que entre 1989 e 2014 tinha havido 492 (!!!) leis a alterar a legislação referente a apenas cinco impostos: IRS, IRC, IMI, IMT e IVA. Ou seja, houve uma média de 25 alterações por ano, num período em que, basicamente, a governação foi do Partido Socialista. Desde 2014 houve muitas outras, que não estavam na altura quantificadas, mas é lícito admitir que se tenha mantido o tal ritmo de 25 ao ano. Estes números demonstram que vivemos num caos permanente, numa caça ao bolso e num sistema sem garantias de estabilidade. O oportunismo é o método que nos governa.

É assim com a área fiscal, mas é também com quase tudo o resto. Se há um acidente grave, faz-se uma lei! Se há um fogo violento: lei! Se há um crime inédito: lei! Se há um novo tipo de poluição: lei! Se há violência no desporto: lei! Tudo à la minuta e em cima do joelho para satisfazer a opinião publicada e o chinfrim. A governação à la carte e ao sabor da conveniência ou até da ditadura do politicamente correto, ditado pela massa das redes sociais, é um método. Por isso, temos uma legislação que cresce desmedidamente, prevendo tudo o que está para trás e não antevendo o que aí vem. É uma aberração no meio da qual ninguém se entende, ninguém ganha e todos perdemos, entre dinheiro, força anímica e paciência.

2. A propósito de falta de coerência, vale a pena referir a alteração que vai haver nas matrículas dos automóveis. Sucede que vão deixar de ter colocado o ano de registo do carro (o que não é o mesmo que o seu fabrico). A medida faz sentido e é compatível com o que se passa na União Europeia, onde, na prática, ninguém procede como nós. Colocar o ano dos carros nas chapas é um incentivo à coscuvilhice. Não serve para a polícia nem para nenhuma autoridade porque os números e letras que têm impressos chegam para saber tudo sobre o veículo e o proprietário. A referência ao ano é um maná para os coscuvilheiros. Coisas do género: “Olha aquele vizinho a armar ao pingarelho, mas com um carro do século passado” ou “Vejam que aquele tipo não tem onde cair morto, mas comprou um carro novo e de gama alta”. Pelos vistos, alguém teve finalmente bom senso. Mas quem esteve na origem da decisão anterior, que possibilitou uma clara intromissão na vida de cada um?

 

Escreve à quarta-feira