Os media vão dando notícia de agressões isoladas, mas repetidas, contra professores, pessoal médico e de enfermagem, juízes, procuradores e funcionários judiciais e mesmo contra elementos das forças de segurança.
Paralelamente, é revelado um número crescente de actos graves de violência doméstica e de situações de crueldade desmesurada entre jovens, apenas namorados, e, bem assim, a emergência de inimaginadas atitudes e brutalidades racistas.
As causas directas de tais fenómenos serão, seguramente, diferentes e importa, para os perceber bem, contextualizar cada um deles.
Em todo o caso, a impressão que fica é, de um lado, a de que se assiste ao surgimento generalizado de um crescente desrespeito pelo próximo e, de outro, à depreciação da consideração pela autoridade das instituições públicas.
Na verdade, tal autoridade está associada a cada uma das profissões referidas, pois, à sua maneira, todas a exercem em diferentes circunstâncias, em nome do Estado e das competências que este lhe reconhece, o mesmo é dizer em nome da sociedade organizada em que vivemos, em nome do interesse geral.
Em suma, assiste-se a um desrespeito crescente pela singularidade de cada um como pessoa e, também, pela ideia de sociedade, como colectivo que se rege por códigos de conduta destinados a preservar a paz pública e o bem comum.
Esta questão pode ser analisada simplesmente na perspectiva da erosão dos valores relativos à convivência social, àquilo que, vulgarmente, se chama educação moral e cívica, mas, mesmo que seja esse o enfoque principal, importa compreender as razões condicionantes de tal degenerescência.
Isto é: perceber por que razão as famílias, a escola e outras instituições de integração social não conseguem já inculcar nos que delas participam, ou frequentam, valores e regras de conduta que estes aceitem como boas e os orientem, depois, nas suas relações pessoais e com aquelas.
É verdade que a notícia de múltiplas investigações que vão destapando, aqui e acolá, o mundo das grandes e pequenas vigarices e abusos que corroem a nossa sociedade e que, ao que vamos sabendo, não se circunscrevem a nenhum sector específico dela, contribuem decisivamente para o descrédito de tais valores e, por consequência, para a dessacralização de qualquer tipo de autoridade.
Mas, por que o eco mediático amplificado de tais abusos e crimes assume, sobretudo, um estilo escandaloso, o que ele gera é, principalmente, uma crescente descrença nos valores humanistas e mecanismos democráticos.
O desgaste das instituições democráticas e, por via dele, também, a erosão dos valores morais e sociais, que, em princípio, devem reger as relações entre pessoas e entre estas e as autoridades vão, assim, criando condições para o ressurgir de aspirações autoritárias e projectos políticos que prometem a restauração da nação e do que, supostamente, foram os seus valores fundadores.
Em vez de promoverem uma reflexão crítica sobre a causa profunda de tais fenómenos e evidenciarem o esforço político e social que, apesar de tudo, a democracia tem feito para a edificação de uma sociedade mais transparente e responsável, alguns dos meios de comunicação apostam, especialmente, em dar voz apenas a comentadores escandalosos e demagógicos.
Mas, reconheça-se, nem toda a responsabilidade deste percurso cabe, obviamente, à comunicação social e nela aos «homens que ladram pela boca dos seus cães», como dizia o poeta catalão Felix Cucurull.
Muitos dos responsáveis institucionais ou associativos de alguns dos sectores mais polémicos e em evidência não arriscam, também, desenvolver uma ponderação séria e uma palavra pública firme sobre as causas reais dos escândalos que, fora e dentro deles, se sucedem.
E, julgando que, desse modo, se valorizam, preferem, eles também, adensar os medos e a desconfiança nas instituições que integram, contribuindo, assim, para avolumar a suspeita sobre elas e por erodir os valores que, supostamente, deveriam reger as relações pessoais e sociais que lhes cabe regular e proteger.