Brexit. Vai acabar a entrada de europeus pouco qualificados no Reino Unido

Brexit. Vai acabar a entrada de europeus pouco qualificados no Reino Unido


Teme-se uma escassez de mão-de-obra nas empresas britânicas devido às novas regras de entrada no país. “Para o Governo, o que interessa é parecer que estão a reprimir a imigração, sem pensar na economia”, criticaram os trabalhistas.


Trabalhadores pouco qualificados ou que não falem inglês, vindos da União Europeia, não receberão vistos no Reino Unido pós-Brexit, anunciou o Governo de Boris Johnson. Face aos receios de escassez de mão-de-obra, as empresas britânicas “terão de se ajustar”, optando por novas tecnologias e automação ou recrutando entre os cerca de oito milhões de pessoas “economicamente inativas” no Reino Unido, nas palavras da ministra do Interior, Priti Patel, que apresentou as medidas na BBC. Contudo, boa parte destas pessoas são estudantes, cuidadores informais ou doentes crónicos, não potencial mão-de-obra, avisam os analistas. “Para o Governo, o que interessa é parecer que estão a reprimir a imigração, sem pensar na economia como um todo”, criticou a trabalhista Diane Abbott, ministra-sombra do Interior, em declarações ao canal britânico. As medidas de Johnson também põem fim à imigração de pessoas com negócios próprios no Reino Unido – acabou-se a entrada de canalizadores polacos, tão aviltados pelos proponentes do Brexit.

Mas o que significa ser pouco qualificado no Reino Unido de Johnson? O novo sistema, apresentado esta quarta-feira, é baseado no modelo australiano: são atribuídos pontos a quem quer viver no país. Serão precisos 70 pontos, com alguns critérios eliminatórios, como domínio do inglês – a que nível, ainda não foi definido –, e já ter à partida uma oferta de emprego qualificado, da parte de um “padrinho”. Isto dá logo 50 pontos, mas para obter o resto são precisos requisitos como um grau de pós-doutoramento na área ou a proposta de um salário anual de pelo menos 25 600 libras (30 780 euros). O salário poderá ser mais baixo em “ocupações específicas com falta de mão-de-obra”, lê-se no relatório. A categoria inclui profissões como engenheiro civil, bailarino, psicólogo ou enfermeiro – mas o salário nunca pode ficar abaixo das 20 480 libras anuais (à volta de 24 623 euros).

As medidas do Governo de Johnson são um “absoluto desastre para o setor dos cuidadores”, avisou em comunicado o sindicato Unison, que representa profissionais de saúde. O setor emprega sobretudo trabalhadores com salários abaixo das 20 mil libras anuais (menos de 25 mil euros), responsáveis por ajudarem diariamente idosos e adultos incapacitados, em lares e na comunidade. Já há escassez significativa destes profissionais: “Um em cada 11 postos de trabalho está vago”, escreveu o especialista da BBC em assuntos de saúde, Nick Triggle, que dá como certo que muitos europeus que queiram trabalhar nessa área no Reino Unido não conseguirão os 70 pontos.

“Os trabalhos que o Governo considera pouco qualificados são vitais para o bem-estar e o crescimento de negócios. O anúncio ameaça fechar as portas a pessoas de que precisamos para providenciar serviços”, notou Tom Hardley, dirigente da Confederação de Recrutamento e Emprego, citado pelo Guardian.

O novo sistema de imigração foi criticado por quase todo o espetro político britânico, praticamente à exceção dos conservadores. Os democratas liberais chamaram ao plano “xenófobo” e o mesmo foi considerado “ridículo ou perigoso” pelo Partido Nacional Escocês, cuja líder e chefe de Executivo da Escócia, Nicola Sturgeon, teme que os planos do Governo sejam “devastadores” para a economia que dirige. “A maioria das pessoas que vêm hoje para o Reino Unido já falam inglês”, acrescentou a trabalhista Diane Abbott, considerando que essa é uma falsa questão, apenas uma maneira de apelar a racistas de maneira encoberta. “É uma medida desumana e danosa”, rematou a ministra-sombra do Interior.

As novas regras afetarão os portugueses que pretendam imigrar no futuro para o Reino Unido: como os restantes cidadãos europeus, ficam equiparados a quem vem de fora da UE. Em princípio, não serão afetados portugueses que já tenham pedido o estatuto de residente permanente, que garante acesso ao mercado de trabalho e serviços públicos como educação, saúde e serviços sociais. É um alívio para muitos: 65% dos imigrantes portugueses no Reino Unido desempenham funções não qualificadas, segundo os últimos censos britânicos, de 2010. O novo regime deverá entrar em vigor no fim do período de transição após a saída do Reino Unido da UE, que acaba a 31 de dezembro de 2020.