Em linha com alguns artigos de opinião acerca do mesmo tema, na sua edição on-line de 17 de Janeiro último,o jornal i trazia um artigo de opinião de Manuel J. Guerreiro sobre a SOREFAME.
O artigo em apreço é um completo chorrilho de simplismos e ignorância, mas sobretudo de falsificações e inverdades sobre a história da SOREFAME após o 25 de Abril.
No fundamental, a tese apresentada, é a de que a SOREFAME encerrou as suas portas, devido, no essencial e desde logo ao 25 de Abril que propiciou, segundo o articulista, a irresponsabilidade e o aventureirismo dos seus trabalhadores e dos sindicatos.
Tal tese não tem a mínima sustentabilidade nos fatos históricos.
E desde logo, como explica o autor duas coisas tão simples: (i) como foi possível uma empresa, supostamente atacada de forma fatal pelos irresponsáveis trabalhadores logo em 74/75, ter durado 30 anos após esta data, a maior parte dos quais com uma enorme pujança técnico-produtiva, e mesmo em largos períodos, com um claro sucesso comercial?; (ii) qual o absurdo motivo que levou várias multinacionais de prestígio internacional, a estarem tão interessadas na compra da SOREFAME?
Como observaremos a seguir de forma mais detalhada não foram os trabalhadores, os sindicatos, o PCP e o 25 de Abril que destruíram a SOREFAME, mas sim a conjugação de dois vetores, completamente exteriores à empresa, aos seus trabalhadores, quadros e dirigentes. As consequências da sua privatização no quadro das lógicas globais das multinacionais e, por outro lado, o corte muito profundo, em determinados períodos no investimento público, seja no setor energético, seja no setor dos transportes públicos.
Após o 25 de Abril e em sequência de um processo de grandes e estratégicos investimentos, em associação com uma profunda reorganização, a que estavam associados despedimentos de vulto, tiveram lugar greves e lutas significativas, embora muito localizadas e concentradas no tempo (correspondentes a menos de 5 % do tempo de vida da SOREFAME após o 25 de Abril).
Naturalmente que tais lutas tiveram algum impacte na empresa, mas sem nunca pôr minimamente em causa a sua capacidade produtiva, a sua produtividade e sobretudo o seu nível de qualidade.
Durante mais de duas décadas a empresa, embora com oscilações, continuou a valorizar-se em termos dos seus ativos tangíveis e intangíveis, e a continuar ganhar notoriedade nos planos nacional e internacional.
Foram os comportamentos do mercado, mas sobretudo as decisões estratégicas do poder político, e depois dos seus proprietários privados, que determinaram a vida e a morte da empresa.
Acontecimentos que estiveram na génese da decadência e extinção da SOREFAME
– Na sequência do profundo processo de nacionalizações ocorrido em 1975, a SOREFAME passou a fazer parte do então designado “universo estabilizado de participações do IPE”.
– Em 1989, a empresa de direito suíço (resultante da fusão em 1988 de uma empresa sueca e de uma empresa suíça), Asea Brown Bovery (ABB), especialista em energia e automação, adquire ao IPE 50 % da SOREFAM
– Em 1990, no quadro do desenvolvimento do designado Programa de Reestruturação da Indústria Metalomecânica, programa público e aparentemente bem intencionado, mas geneticamente inquinado, é criado o Grupo SENETE (Sistemas de energia, transportes e equipamentos), cujos acionistas eram: IPE, ABB e MAGUE, e cujo escopo era dinamizar o setor da metalomecânica pesada.
– Em 1994, a IPE, subvertendo completamente os objetivos subjacentes à criação do Grupo SENETE, vende a sua participação à ABB, que fica a partir daí como acionista dominante. A retirada do instituto público da SENETE abriu uma das portas para o ulterior enfraquecimento e destruição da empresa: uma primeira consequência é o empobrecimento da cadeia de valor da empresa, dado ter começado a trabalhar quase exclusivamente a partir da montagem de componentes oriundos de fábricas da ABB sediadas em Espanha.
– Em 1995, o Estado, no quadro da sua política de alienação de património público, via IPE, vendeu as participações deste em diversas e importantes empresas estratégicas do ramo da metalurgia, e da metalo e eletromecânicas médias e pesada à ABB, designadamente as empresas Metal Sines, MSET- Metalomecânica de Setúbal, MAGUE, SERMAGUE e SMM-Sociedade de Montagens Metalomecânicas, para além da própria SOMAGUE. Com esta alienação, entregou a quase totalidade de tão importante setor industrial ao grande capital estrangeiro, dando assim um passo importante para o seu desaparecimento. Em cerca de 10 anos, entre 85 e 95, o setor perdeu mais de 15 mil trabalhadores.
– Em 1996 a ABB funde-se com a Daimler-Benz, criando-se a partir daí o novo e poderoso grupo ADTranz-ABB Daimler-Benz Transportation, que ficou então a ser o maior produtor mundial de material circulante ferroviário.
– Com a longa paragem do programa de construção de grandes empreendimentos hidroelétricos[1] após a privatização da EDP, a SOREFAME perde o seu mercado nacional e a divisão energética começa a definhar e morre. Já antes tinha praticamente ficado sem a componente de exportação, devido ao fim dos financiamentos por parte do Banco Mundial.
– Em 1998 a ABB/AdTranz vende a SOREFAME à Daimler-Chrysler.
– Em Maio de 2001, é dado o penúltimo passo para a extinção da empresa: o grupo Ad-Tranz é adquirido pela empresa canadiana Bombardier Transportation, e a SOREFAME passa a chamar-se, como já atrás referimos, Bombardier Transportation Portugal, SA.
– Em 2004, e no quadro de uma reestruturação mundial do grupo Bombardier, a SOREFAME encerra definitivamente[2] as suas portas.
Fernando Sequeira, da Comissão de Assuntos Económicos do PCP junto do CC