Blasted.  “Há fãs que não nos seguem, revoltados”

Blasted. “Há fãs que não nos seguem, revoltados”


Os renascidos Blasted vão marcar presença no Festival da Canção. O i conversou com os seus membros sobre a nova vida da banda.


As máscaras e as influências pouco ortodoxas do som dos Blasted Mechanism marcaram uma geração. Agora, com a participação no Festival da Canção, estão a tentar entrar na vida de uma outra, mais nova. Com um nome diferente, Blasted, mas a identidade irreverente e misteriosa de sempre. O i esteve à conversa com Pedro Valdjiu, Riic Wolf e Pedro Lousada “Guitshu” sobre a sua nova música, Rebellion, que este sábado apresentam na primeira meia-final, e sobre esta nova fase da banda.

O que aconteceu entre o final dos Blasted Mechanism e o início dos Blasted?

Pedro Valdjiu (PV): Isto é um ritual de passagem. Enquanto sociedade, temos poucos, por isso decidimos criar este na nossa vida. Deixámos cair uma parte do nome porque precisávamos de nos conectar com uma fase diferente da banda, com um som e criativos diferentes. Começámos a trabalhar com o Riic Wolf na voz, com novos produtores, os fatos mudaram e saíram daquele universo mais extraterrestre e tribal para se conectarem mais com o ser humano. Todas estas forças novas ajudaram-nos a transitar e levaram aquilo a que precisávamos de dar uma chincalhada.

A parte do nome que caiu foi Mechanism, mais associada ao futurismo e a um lado mais robótico. Foi também por essa vontade de se sentirem mais humanos que a deixaram cair? 

PV: Quando o nosso nome nasceu éramos metaleiros, tínhamos 17 anos e estávamos numas garagens em Oeiras à procura de um nome, e foi assim uma coisa meio influenciada por essa fase. Bandas como Rage Against the Machine, Machine Head… havia uns nomes que queríamos homenagear. Éramos um grupo de putos a fazer brainstorming. Há imensas pessoas que pensam que nasceu de um ritual na Amazónia, mas não. Na realidade, foi ali numa garagem em Oeiras.

Pedro Lousada (PL): Queríamos marcar esta nova fase. Muita gente acha que isto é uma banda nova e que devíamos trocar de nome. Até pode fazer sentido para quem não esteja aqui, mas para nós, que estamos perto da pessoa que começou isto, não faz sentido trocar de nome.

O Valdjiu é o único membro original da banda neste momento?

PV: Sim.

Como é que o miúdo de 17 anos que criou os Blasted iria olhar para a banda neste momento?

PV: Olho para o projeto e sinto que estamos em alta. Tudo o que fiz para trás foi incrível, fez parte do meu crescimento. Ainda ontem estive com o Karkov [vocalista original], já não estava com ele há 12 anos, e agora estou aqui com dois vocalistas dos Blasted. Sou um privilegiado: ao longo dos anos estive rodeado de quem quis estar comigo e consegui com isso criar um grupo que deu a volta ao mundo, que já fez de tudo e mais alguma coisa em 25 anos e ainda aqui está hoje. Passámos por uma fase em que estávamos num loop fechado em nós mesmos e entrámos numa espiral involutiva. Pensámos: “Para sermos autênticos e para evoluirmos, vamos ter de fazer alguma coisa”. Quebrámos as nossas estruturas internas e abrimos as portas a pessoas mais novas. Se o Valdjiu de 17 anos olhasse para os Blasted atualmente, iria sentir que estava novamente a viver um sonho. Voltei a sentir autenticidade e é isso que é importante.

Como é trabalhar com uma equipa com tanta gente de fora da banda?

PV: Já o devia ter feito há mais tempo. [risos] Foi um momento importante para nós, sempre acreditámos em ser autossustentáveis. Tivemos a nossa própria editora, agência, estúdio… mas chega uma altura em que [temos de mudar]. Um exemplo de um sistema autossustentável é uma floresta mas, sem chuva, ela morre. É sempre preciso um input [externo], seja ele o clima, ou um input criativo de pessoas que ainda não conhecemos. Somos uma floresta renovada.

Há pouco falou do Karkov. Como é agora trabalhar com outros vocalistas, como é a vossa dinâmica?

PL: Foi um processo natural, na realidade. A banda renovou-se e estamos a passar por um momento semelhante a quando entrei, em 2008: tínhamos concertos para marcar, reportório antigo para cumprir e tivemos um mês para nos prepararmos.

Riic Wolf (RW): Trabalhámos até ao limite. Este processo começa com o Johan Eckman, um vocalista sueco. Conheci-os [aos Blasted] no estúdio quando eles ainda estavam a trabalhar com ele, que entretanto decidiu sair. O processo de entrada na banda foi bastante rápido, havia muita pressão, mas acho que a pressão criou um diamante bastante interessante. Começámos os ensaios três meses antes de irmos ao Nos Alive [em 2018] e eles queriam tocar só reportório novo. Fiquei espantado porque até estava entusiasmado por tocar algumas músicas mais antigas, mas eles disseram que íamos fazer tudo de novo. Tentei dar o melhor de mim, respeitando sempre o passado e o nome de Blasted Mechanism. Acho que com este novo som conseguimos manter esse espírito: respeitar o passado, mas entrando a pés juntos no futuro.

PL: Houve logo uma química e pensámos que ele seria perfeito para a nossa banda.

Chegam agora ao Festival da Canção. Quais são as expetativas?

PV: Ganhar. A Eurovisão, claro. Quando concorremos a algo, a expetativa é ganhar, senão estaríamos a mentir redondamente. Nós queremos ganhar, tornar-nos reis do mundo e do submundo e depois ainda conquistar outras coisas. [risos]

RW: Para além de ganhar, queremos passar uma mensagem positiva e que pode influenciar a nova geração.

PL: Havia uma vontade de fazer um statement e a Rebellion, mais do que uma música para ganhar o festival, é uma statement song sobre o estado atual do mundo. Nós temos o privilégio de tocar com alguém que faz o walk the talk. Estas histórias são boas para o Joaquin Phoenix usar no discurso dos Óscares e depois meter-se no seu Tesla de 200 mil euros. Quando o Valdjiu fala nisto, às vezes soa a maluquice, mas ele vive isto, e quando vamos para cima de um palco tocar uma música como a Rebellion, isso ganha mais força. Ele criou uma quinta e uma escola com a mulher. Há aqui este bolo que não chega às pessoas e, às vezes, soa a meio alucinado.

PV: Este tema nasce em tributo aos movimentos ambientalistas de 2018. No ano passado mostrou-se muito o problema, que criou ansiedade em muita gente. As pessoas acham que perante estes problemas, como as alterações climáticas, não podem fazer nada, mas depois temos uma miúda de 16 anos que está a dizer o contrário. Como ela, há imensos ativistas pelo mundo fora a fazerem coisas incríveis. Esta música é um tributo a essa rebelião, que tem de começar internamente. Temos de querer fazer parte da solução, não do problema. Aproveitámos o Festival da Canção, um festival mainstream, para fazer passar esta mensagem de uma forma artística e criativa.

Já tem alguma ideia preparada para a atuação na meia-final de sábado?

RW: Sim, os fatos que temos nas fotos [promocionais] são os que vamos usar em palco. Agora, em termos de stage design não temos muito a dizer no que eles vão fazer. Explicámos que tínhamos uma visão pós-apocalíptica, estilo Mad Max, que tem tudo a ver com o tema da música, mas não sabemos como vai estar no dia.

PV: Eles também limitam a presença de membros em palco: tinha pensado levar uns dez jovens à minha direita e outros dez à minha esquerda, mas o palco é pequeno e eles têm de acalmar os artistas. [risos] 

Isso não pode comprometer a vossa performance?

PV: Não. de forma alguma, nós vamos ganhar. [risos]

RW: É inevitável soar diferente, no refrão usamos backing vocals e, no festival, apenas é permitido usar uma voz. Vamos ter apenas a ajuda de uma miúda da produção.

PV: Somos uma banda com uma maturidade de 25 anos, sabemos estar naquele palco. Acho que vai ser mais a energia que vamos dar naquela atuação que vai fazer com que nos destaquemos. Esta é uma oportunidade para os nossos fãs – que nos vêm dizer, tristes, que devíamos ser gigantes lá fora – se chegarem à frente e fazerem parte da internacionalização da banda que, para uma banda portuguesa, é extremamente difícil. Os Homens da Luta e o Conan Osíris abriram caminho para nós – este último, um bocado mais estético e musicalmente mais diferente e arrojado, que era uma coisa que nunca contaríamos ver no Festival da Canção. Eles abriram a porta a estes novos bárbaros.

Onde acham que esta música se situa na vossa discografia?

PV: Eu acho que esta música é o início de uma fase. Estamos em estúdio a fazer um tema novo. Para mim, é o futuro.
É este o futuro dos Blasted?

PV: Nós não temos fórmulas. Há muitos fãs que hoje em dia não nos seguem, revoltados, porque acham que devíamos fazer o mesmo que em 1996. Isso seria conservar uma banda e não querer que evoluíssemos. Não temos fórmulas. Rebellion não é a fórmula Blasted, vamos ver o que vem a seguir.

PL: É normal as pessoas quererem cristalizar as bandas, mas a verdade é que quem diz que devíamos voltar a 1996 também já não está em 1996. Podem querer lá voltar, mas o tempo não anda para trás. Eu também gostava de ver os Doors, mas o Jim Morrison morreu e pronto.