Síria. Assad reina sobre as ruínas de Alepo e avança sobre Idlib

Síria. Assad reina sobre as ruínas de Alepo e avança sobre Idlib


A guerra civil está na reta final, mas a ofensiva contra Idlib é uma catástrofe iminente. Entretanto, Alepo tenta voltar ao normal.


O exército sírio, controlado pelo regime de Bashar al-Assad, anunciou esta segunda-feira avanços significativos nas áreas rurais a oeste de Alepo – a cidade fica fora do alcance do fogo da oposição pela primeira vez há anos. Alepo, em tempos a cidade mais populosa do país, com mais de dois milhões de habitantes, foi disputada desde 2012, quando ficou dividida entre os rebeldes e as forças do regime – praticamente arrasaram a cidade para a recuperar. Agora, com o controlo sobre Alepo reforçado e a estratégica autoestrada M5 nas mãos – liga a capital, Damasco, às principais cidades sírias –, Assad continua a sua ofensiva na província de Idlib, último grande bastião da oposição, onde mais de 900 mil pessoas ficaram desalojadas desde dezembro, segundo a ONU.

Com apoio de bombardeamentos aéreos russos, tropas de Assad conquistaram cerca de 30 aldeias e pequenas vilas nos arredores de Alepo, este domingo, confirmou o Observatório Sírio de Direitos Humanos. “Tomaram uma área onde durante oito anos não conseguiram conquistar uma única aldeia”, notou Rami Abdulrahman, diretor da ONG. Segundo o observatório, o exército sírio “avançou rapidamente no norte e oeste da província de Alepo, depois de os insurgentes recuarem”, para criar um “cinturão de segurança” à volta de Alepo, que foi tomada pelo Governo em 2016, mas continuou sujeita a rockets e fogo de morteiro dos rebeldes. Estima-se que o regime de Assad, junto com os seus aliados – Rússia, Irão e a milícia xiita libanesa Hezbollah –, já controle cerca de 70% do território sírio.

Catástrofe humanitária Se, em 2012, o regime parecia prestes a ruir, no rescaldo da Primavera Árabe, agora, Assad está no final da sua longa maratona para reconquistar o país. No entanto, na reta final, a ofensiva na província de Idlib tem tudo para se transformar numa das piores catástrofes humanitárias da guerra civil, avisou a ONU.

Com poucos mantimentos, enfrentando nevões e temperaturas negativas, quase quatro milhões de civis – muitos deles mulheres e crianças que fugiram de outras províncias – estão encurralados na região, entre a ofensiva de Assad, que bombardeou hospitais e escolas, o fecho da fronteira turca e os grupos rebeldes que controlam Idlib, como o Hayat Tahrir al-Sham (HST), antiga filial da Al-Qaeda.

“O frio está nos nossos ossos, já não conseguimos aquecer-nos”, contou ao Guardian Manar al-Deiry, uma professora de Hama que se refugiou numa tenda na montanha, com dois filhos, de nove e sete anos. Têm um fogão improvisado, mas receiam usá-lo – várias famílias sufocaram nas tendas com o fumo.

Ainda assim, a professora acrescentou: “Vejo que a nossa situação é muito melhor que as pessoas que estão a viver debaixo de árvores, sem nada para as impedir de congelarem”. Cada vez mais famílias chegam aos campos de refugiados na fronteira da Turquia, que já estão à beira da rutura – 143 mil pessoas foram desalojadas em Idlib só no último fim de semana. “É como viver num cemitério”, lamentou Deiry.

Reconstrução Enquanto o desastre se desenrola em Idlib, começa a falar-se na reconstrução de Alepo, que costumava ser o centro industrial e financeiro do país. É uma das mais antigas cidades continuamente habitadas do mundo: mesmo durante o cerco de Assad, quando Alepo foi atravessada pela linha da frente e sistematicamente bombardeada, centenas de milhares de pessoas sobreviveram no meio dos escombros.

Outros fugiram, regressando pouco a pouco – muitos encontram destruídos os seus negócios e residências. “Não há maneira de conseguirmos reconstruí-la, mal lidamos com as despesas diárias”, explicou à Reuters o taxista Mustafa Karim, apontando para uma pilha de destroços que costumava ser a sua casa.

Contudo, por agora, os sons da reconstrução substituíram o das bombas em Alepo, em particular na Cidade Velha, património mundial da UNESCO, onde combateram rebeldes e soldados de Assad. Já foi anunciado o restauro do antigo bazar de Alepo, construído no séc. xiv, que antes da guerra fazia as delícias dos turistas. “Herdei esta loja do meu avó e do meu pai e espero que os meus netos trabalhem aqui”, disse à Associated Press Saleh Abu Dan, talhante no bazar.