Entre 2017 e 2019 houve 10 casos de racismo em eventos desportivos

Entre 2017 e 2019 houve 10 casos de racismo em eventos desportivos


“Exibição de cruz suástica nazi por um espetador num jogo de futebol”, “Expressões proferidas por um jogador num jogo de futebol, dirigidas a dois jogadores da equipa visitante, insultuosas e ofensivas em razão da cor da pele”, são apenas duas das queixas apresentadas. 


No domingo, o futebol português acordou para uma realidade que há muito se arrasta: o racismo e a falta de respeito. E o racismo não escolhe clubes, só cores de pele. Não foi um episódio sem precedentes, mas os insultos durante o jogo Vitória de Guimarães-FC do Porto levaram o avançado dos dragões Marega a fazer o que nenhum outro jogador tinha feito até agora em Portugal: abandonar o campo. E Marega fez perceber, naquele instante, que em causa não estava o futebol, mas sim o comportamento de uma sociedade.

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Depois dos cânticos racistas e de os adeptos do clube vimaranense imitarem macacos sempre que Marega tocava na bola, estes mesmos adeptos não foram logo identificados. O episódio tomou proporções internacionais e a PSP fez saber que estava a tratar de procurar os responsáveis através das câmaras de videovigilância instaladas no Estádio D. Afonso Henriques. “O comportamento dos adeptos que dirigiram palavras e gestos racistas e xenófobos ao jogador Marega configura um crime previsto e punido no Código Penal”, disse a PSP em comunicado, acrescentando que “está a fazer as diligências necessárias para identificar os suspeitos que cometeram as infrações criminais e contraordenacionais, levando-os perante as entidades judiciais e administrativas competentes”.

Além dos esforços para identificar os adeptos que proferiram os insultos racistas, também a Procuradoria-Geral da República avançou que foi aberto um inquérito para analisar o caso, estando agora a investigação entregue ao Departamento de Investigação e Ação Penal de Guimarães.

Segundo a lei da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos – alterada no ano passado –, quem cometer algum tipo de crime pode ser impedido de entrar em recintos desportivos: “Não praticar atos violentos ou que incitem à violência, ao racismo, à xenofobia, à intolerância nos espetáculos desportivos, a qualquer forma de discriminação, ou que traduzam manifestações de ideologia política, incluindo a entoação de cânticos”, lê-se no documento publicado em Diário da República.

Depois de entregues os relatórios do árbitro da partida e do delegado da liga, o conselho de disciplina da Federação Portuguesa de Futebol decidiu que vai abrir um processo disciplinar ao caso. No relatório do árbitro Luís Godinho são descritos os insultos no momento em que Marega quis abandonar o campo. A ação disciplinar vai seguir para a comissão de instrutores da Liga Portuguesa de Futebol Profissional com os respetivos relatórios e também com o relatório das autoridades.

Depois de uma publicação no Instagram, Marega deu as primeiras declarações à rádio francesa RMC. O avançado, que jogou no Vitória SC na época 2014/2015, disse estar “dececionado e chocado” e considerou os insultos dos adeptos vimaranenses “uma grande humilhação”. “A partir do momento em que os sons de macaco passaram a ecoar pelo estádio, tornou-se inconcebível ficar em campo”, referiu Marega. E falou dos colegas de equipa: “Acho que não compreenderam a minha reação, ficaram chocados com a minha vontade de sair”. Além dos comentários racistas, Marega confessou que o que mais o chocou foi o facto de aquele episódio ter acontecido em Guimarães. “Sempre pensei que este clube tinha bons princípios”.

 

Desporto vs. violência

Segundo os dados disponíveis na página da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), em 19 processos com decisão condenatória publicada, dez episódios de racismo aconteceram em eventos desportivos. Estes dez processos foram instaurados pelo Instituto Português do Desporto e Juventude e pela Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto. “Exibição de cruz suástica nazi por um espetador num jogo de futebol”, “expressões proferidas por um espetador durante um jogo de futebol, dirigidas a dois jogadores da equipa visitante, insultuosas e ofensivas em razão da cor da pele” – estes são alguns dos episódios reportados entre 2017 e 2019. As coimas não vão além dos 1500 euros e três dos processos resultaram apenas em advertência.

Esta segunda-feira, a PSP informou também que “detetou e deteve um adepto do SC Braga por incumprimento de uma medida cautelar de interdição de entrada no recinto desportivo, aplicada pela Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto, por esta tentativa de entrada constituir a prática de crime de desobediência”. Aliás, segundo João Paulo Rebelo, secretário de Estado da Juventude e do Desporto, existem mais de 100 adeptos impedidos de entrar em recintos desportivos. Desacatos dentro e fora dos estádios, arremesso de cadeiras, de petardos para os relvados, ou insultos são alguns dos motivos que levam as autoridades a proibir adeptos de entrarem em recintos desportivos.

 

Dos relvados para a política

A esfera política juntou-se à condenação, mas as opiniões só não foram unânimes para o lado do deputado único do Chega. No Facebook, André Ventura escreveu: “País de hipocrisia em que tudo é racismo e tudo merece imediatamente uma chuva de lamentos e de análises histórico-megalómanas”. Para André Ventura, o problema dos portugueses não é o racismo, mas sim “a hipocrisia”. “É a síndrome Joacine que começa a invadir as mentalidades”, acrescentou.

Do lado do BE, Catarina Martins defendeu a atitude de Marega e fez questão de sublinhar que “racismo não é opinião, é crime”. O PCP foi mais longe e pediu uma reunião com a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, com o secretário de Estado do Desporto e da Juventude e com o ministro da Administração Interna. Em declarações aos jornalista, a deputada do PCP Alma Rivera referiu que o partido quer avaliar a situação, “não só disciplinarmente, mas também a nível da prevenção”.

“O caminho do racismo (…) é um caminho dramático em termos de cultura, civilização e paz social”