Conselho de Ética alerta que pode não haver médicos e enfermeiros disponíveis para assegurar eutanásia

Conselho de Ética alerta que pode não haver médicos e enfermeiros disponíveis para assegurar eutanásia


Pareceres do CNECV consideram que as propostas dos partidos não foram devidamente fundamentadas e que há o risco de serem mobilizados recursos “desproporcionados” com prejuízo para “reais necessidades” do SNS  


São vários os argumentos do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) para dar “parecer ético desfavorável” às propostas de despenalização de eutanásia apresentadas pelos partidos e há um conjunto de argumentos comuns para o chumbo das diferentes iniciativas. Nos pareceres conhecidos esta terça-feira, que não são vinculativos mas deixam mais uma vez clara a oposição do CNECV aos projetos ao avanço da morte medicamente assistida, os conselheiros argumentam que não houve estudos prévios para fundamentar esta opção e que não existe a garantia de que haverá médicos e enfermeiros disponíveis para assistir aos pedidos dos doentes com igualdade de acesso em todo o território nacional.

Perante isto, o CNECV considera que existe o risco de a despenalização da eutanásia levar ao aparecimento de circuitos comerciais. Os conselheiros argumentam também que se desconhecem os "encargos organizacionais e financeiros" que a despenalização da eutanásia acarretará para o SNS, alertando que poderão ser mobilizados recursos desproporcionados “tendo em vista presumíveis beneficiários, com potenciais prejuízos para a satisfação das necessidades reais do Serviço Nacional de Saúde, ao qual se reconhecem recursos financeiros limitados para as missões que lhe estão atribuídas em lei, adicionando dificuldade e controvérsia, à questão do modo de os distribuir de uma forma justa, o que constitui um princípio ético universal.”

Quem vai tomar conta do processo?

Perante um novo papel a atribuir aos profissionais de saúde, “não parece ter sido objeto de uma ponderação apropriada (…) a avaliação das condições de intervenção dos médicos, dos enfermeiros e das respetivas ordens profissionais”, lê-se nos pareceres, que tiveram apenas um voto contra entre os membros do órgão consultivo.  O CNECV argumenta que não existe nenhum estudo “que habilite o Estado a conhecer o número de médicos e também de enfermeiros que quererão intervir voluntariamente, responsabilizando-se por um conjunto de atos que, no presente, não são próprios da sua profissão”, lê-se nos documentos. E vai mais longe: “Não é eticamente aceitável criar, por via legislativa, um modelo organizacional (alguém pedir para morrer em condições clínicas que a lei contemple) sem haver a segura garantia, por parte do Estado, de que esse pedido poderá ser satisfeito, em qualquer local do território nacional, em situação de igualdade de acesso de execução e em tempo apropriado”.

Todos os projetos preveem a figura de objeção de consciência para os profissionais que recusem praticar a eutanásia, mas também esse ponto é contestado pelos conselho de ética, que considera que essa figura não se aplica quando está em causa um ato que não faz parte da “essência da profissão”. Os conselheiros advertem que o que está em causa não é só o momento da morte mas todo o processo, que depende a intervenção médica. “É bem possível (…) que se apresentem dificuldades dificilmente ultrapassáveis para encontrar médicos que assumam o papel de provedores do pedido do doente e, por causa disso, facto que será particularmente gravoso, que se organizem ‘circuitos comerciais’ aos quais os doentes poderão recorrer com a garantia prévia de que o processo terá sempre quem dele se encarregue nas suas diferentes etapas”.

Quantos beneficiarão?

É outra pergunta que o CNECV argumenta que não está respondida, criticando a falta de fundamentação das propostas dos partidos. “Num assunto tão sensível e controverso na sociedade portuguesa, cuja legalização exige uma estruturação organizativa de procedimentos, que são complexos e muito exigentes em recursos físicos e humanos por parte do próprio Estado, seria de esperar que houvesse a preocupação de fundamentá-la, recolhendo dados para sustentar a necessidade da lei, que deverá ser universal, contemplando de um modo igual todos e em condições que, a não ser assim, subvertem o propósito legislativo”, lê-se nos pareceres, acrescentando que, neste cenário, pode admitir-se que outras razões, incluindo de conveniência política, se sobrepõem a avaliações justas e ponderadas do que seria uma necessidade social. Sem estudos, escrevem os conselheiros, “é natural que se cometam erros de interpretação sobre vontades não documentadas e que, muito possivelmente, irão somente satisfazer a reivindicação de um número diminuto de pessoas”. E é neste ponto que advertem para as repercussões no SNS: “Em consequência, mobilizar-se-ão recursos desproporcionados (institucionais, organizacionais, humanos), tendo em vista presumíveis beneficiários, com potenciais prejuízos para a satisfação das necessidades reais do Serviço Nacional de Saúde, ao qual se reconhecem recursos financeiros limitados para as missões que lhe estão atribuídas em lei.”

Para o CNECV, que já em 2018 se tinha oposto à despenalização da morte assistida, “o pedido de alguém para morrer deve em primeiro lugar ser entendido como um pedido de ajuda, justificado no sofrimento e com significados complexos (medo, perda de controlo, solidão, sentimento de “fardo”, dor física insuportável) que exigem adequada compreensão, devendo ser abordados num plano humano e solidário e não ser secundarizados por uma resposta jurídica que consagre a morte a pedido.”