Somos testemunhas do nosso tempo, das dinâmicas, das entropias e de reiterados “sei muito bem onde queres chegar”, num joguinho frágil de gato escondido com o rabo de fora. Ninguém rende como o Benfica, nas notícias, nas efervescências das lideranças em perda, nos recintos desportivos e em tudo o que implica presença institucional ou desportiva do clube e dos seus adeptos. Não sei quantos milhões são, mas pesam nas dinâmicas da sociedade, da conquista de audiências aos exasperantes espasmos de jornalistas e comentadores, em que espécimes como Octávio Lopes são um retrato pujante de uma frustração que turva qualquer objetividade. Espasmam e espumam, mas são alimentados pelo pulsar noticioso de quem abocanham.
Agora que o campeonato de futebol se equilibrou, é expetável que o desespero do bota-abaixo ao Sport Lisboa e Benfica possa esmorecer, sob pena de influir na compra de jornais, nas audiências e nas presenças dos únicos adeptos que asseguram casas cheias, ao ponto de ter num treino aberto mais espetadores de que várias sequências de espetadores em boa parte dos estádios.
Como testemunhas do tempo presente, abonamos que há muita gente a brincar com coisas sérias e com uma instituição nuclear do desporto e da sociedade portuguesa, o Sport Lisboa e Benfica.
Brincam quando, jogo após jogo, permitem a destilaria de ódio presente em cânticos insultuosos de claques em jogos em que o Benfica nem sequer é parte.
Brincam na nomeação de amostras de árbitros, eivados de tiques e de dualidade de critérios, que aparentam procurar em cada fim de semana um momento de afirmação de personalidade que contraste com as frustrações quotidianas.
Brincam quando permitem todas as barbaridades ditas e feitas antes, durante e depois dos jogos, mas não aceitam a mínima crítica ou proposta perante a sucessão de erros, a ineficiência do VAR e o imobilismo de quem deve atuar perante a degradação do fenómeno desportivo.
O problema em torno do futebol português não é o ambiente, é a realidade.
A realidade de ter árbitros condicionados, cujas queixas ou alegadas queixas por invasão do centro de estágio nunca chegaram a bom porto.
A realidade de ter estratégias mediáticas para branquear a violação de direitos fundamentais cometida por piratas informáticos, que atuariam em substituição do sistema judicial do Estado de direito democrático, em que os fins ou alegados fins justificariam todos os meios.
A realidade de termos nos clubes, como na sociedade, pessoas com falta de caráter que não conseguem perspetivar um jogo como uma oportunidade de lazer ou vivem sobressaltadas na expetativa dos erros, para capitalizar o ego e sublinhar a incontornável condição: tudo era bom até ao momento em que deixaram de ser parte da construção.
É preciso dar combate a essa gente, que inventa, mente e manipula. Durante uma semana, depois do Porto-Benfica, deliraram com o lance do penálti em que Soares coloca a mão nas costas de Ferro, aquando do salto, e, de costas, a bola bate-lhe no braço. Segmentaram a parte da bola na mão e, quais Estalines, eliminaram a realidade da mão nas costas para mostrar apenas o final a árbitros internacionais e até comparar com o penálti de Ronaldo em que a bola foi à mão do jogador do Milão, mas ninguém o empurrou pelas costas.
É preciso continuar a fazer o trabalho de casa, reconfigurado pelas lesões e pelos erros próprios, mas precisamos de dar combate a essa gente. Aos da federação e da liga que não respeitam a instituição. Aos árbitros que não se dão ao respeito pelas diatribes das prestações. Aos média que, para alimentar o tempo de antena e responder às necessidades de escrever todos os dias, não hesitam em acicatar, inventar e deturpar. Aos adversários do jogo baixo, com causa e efeito, com comprovados padrões e com elevado nível de desespero pela conquista.
Esta semana pós-perda de pontos traz-nos um mimo do passado com evidentes projeções no presente, por exemplo, nos cânticos intercambiados e entoados pelas massas de adeptos. Pinto da Costa será testemunha abonatória de Bruno de Carvalho no processo da invasão da academia de Alcochete. Porventura não haverá momento mais sintomático da convergência estratégica dos últimos anos do que o abono do presidente do Futebol Clube do Porto a um presidente do Sporting Club de Portugal que teve no seu mandato uma violenta invasão dos balneários da sua academia, pelo ambiente gerado. É da praxe processual escolherem-se especialistas e abonos para desmontar ou alicerçar os impulsos e as personalidades em presença. Não sei se será o caso, mas o passo seguinte, tal a anuência, é ser arrolado como testemunha abonatória de Rui Pinto.
Imagine-se o brado e o pranto mediático se, para uma situação similar, o abonatório fosse o presidente do SLB.
É preciso dar combate, sem medos e sem oscilações de humores. Pelo Benfica. Com memória e ambição.
NOTAS FINAIS
INSTRUÇÃO. Conheço o David Santos do tempo do Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, a minha terra. Acaba de ser demitido de subdiretor da Direção-Geral do Património Cultural para entrar uma nova equipa, certamente sintonizada com os humores da ministra da Cultura. Para quem não olhe a meios para atingir os fins será normal não ter memória do trabalho que concorre para a afirmação dos projetos políticos, mas dramático mesmo é quem devia avivar a ideia nestas ocasiões continuar encolhida, a somar derrotas.
ACUSAÇÃO. Apesar de vivermos em mobilidade, os modelos de organização são de compartimentação, o que faz com que seja difícil que as respostas acompanhem a realidade. É claro que se deverão manter patamares mínimos de proximidade e de acessibilidade dos cidadãos aos serviços, mas se as pessoas, incluindo os criminosos, estão em mobilidade, por que razão a segurança deve ter uma lógica estanque, estática e compartimentada? Desde 2012 terão fechado 14 esquadras na cidade de Lisboa. António Costa autarca sempre foi cáustico contra o que António Costa primeiro-ministro estará a ponderar através da Administração Interna, que esclarece que para a “reorganização do dispositivo das esquadras da PSP em Lisboa mantêm-se válidos os critérios referidos em 2011”. O problema não é fecharem esquadras, é não haver os recursos humanos e materiais para haver uma sustentada presença no território que seja dissuasora do crime, tranquilizadora dos residentes e eficaz na resposta.
CONDENAÇÃO. A histeria que sobressalta a sociedade portuguesa quando se pretende debater alguma questão mais séria é confrangedora. Perde-se a lógica, escolhem-se protagonistas que só incendeiam e debitam-se chavões e preconceitos. Sobre a eutanásia, até surge uma personalidade, que já liderou os cuidados continuados em Portugal, que, durante a troika, manteve vários equipamentos a marinar, a defender agora a necessidade de a resposta ser ampliada. Tivesse dado no público o contributo que estará a dar agora no privado.
Escreve à segunda-feira