Arménio Horácio Alves Carlos nasceu a 24 de junho de 1955. Foi eletricista na Carris, onde deu os primeiros passos no sindicalismo. Tornou-se dirigente do Sindicato dos Transportes Urbanos de Lisboa, juntou-se à União de Sindicatos de Lisboa em 1987, que também liderou em 1996. Integrou o comité central do PCP, partido do qual é membro desde 1977, e representou-o na Assembleia da República durante três meses, em 1993. Em 1996 passou a integrar o conselho nacional e a comissão executiva da CGTP, de que se tornou líder em janeiro de 2012, cargo que abandona este fim de semana.
Está na CGTP desde 1996, no conselho nacional e na comissão executiva, até se tornar líder, em 2012. Que balanço faz destes anos à frente da central sindical?
Faço um balanço extremamente positivo, não só pelo enriquecimento do ponto de vista pessoal que tive, mas também pelos contributos que pude dar ao coletivo. Um grande coletivo, para se afirmar, é indissociável do contributo individual, da participação, da motivação da militância de todos os militantes sindicais e, isso, creio que é o elemento distintivo desta CGTP. A disponibilidade dos seus quadros, dos seus dirigentes e dos seus delegados sindicais – aqueles que, por vezes, não são mediatizados, mas estão lá, no local necessário, para apoiar os trabalhadores no local de trabalho. E é esta unidade, esta coesão, esta solidariedade em torno do projeto que é nosso e que este ano comemora 50 anos que torna esta central a maior organização social de Portugal, e é também uma central sindical que projeta o futuro e com certeza se vai reforçar nos próximos anos.
É também aquela que cria maior receio por parte dos patrões?
É inevitável, porque não há em Portugal nenhuma confederação sindical ou uma organização sindical com o peso, com a proposta de luta e com a intervenção da CGTP, quer nos locais de trabalho, quer no plano institucional. E fazemos isso não é por estarmos sempre do contra, fazemos porque as políticas que são desenvolvidas no plano laboral e social têm sido nefastas para os trabalhadores. Não tivemos problemas em valorizar a reposição de rendimentos e de direitos; agora, o que não aceitamos é que não seja reconhecido o direito da negociação da administração pública e que não sejam revogadas as normas gravosas da legislação laboral. Apesar de o Governo do Partido Socialista dizer que é de esquerda, continua a manter uma política laboral de direita. Portanto, não nos peçam que sejamos cúmplices de políticas que ponham em causa os princípios e, simultaneamente, as condições de vida dos trabalhadores. E não o estamos a fazer por acaso, como também não é por acaso que não podemos deixar de referenciar que, ainda recentemente, a confederação europeia dos sindicatos assumiu publicamente que há seis países na União Europeia que continuam com os salários abaixo daquilo que existiam antes da crise. Portugal, lamentavelmente, é um deles: estamos neste momento com quatro pontos abaixo dos planos de salários que tínhamos antes de se iniciar a crise. Fala-se de reposição de rendimentos e de direitos, que existiu, mas foi de forma muito insuficiente. Temos a contratação coletiva bloqueada, temos salários que não são atualizados, temos carreiras que não progridem, quer na administração pública quer no setor privado, e também temos problemas com os horários de trabalho, com a precariedade, e são estas as questões que têm de ser discutidas. Aliás, comentei com os meus camaradas que no Orçamento do Estado se passou uma semana a discutir sobre o IVA da eletricidade para depois se concluir o quê? Que não era aprovada rigorosamente proposta nenhuma mas, entretanto, enquanto se discutia o IVA da eletricidade não se discutiu os salários dos trabalhadores da administração pública, não se discutiu o investimento, não se discutiu a melhoria dos serviços públicos, não se discutiu aquilo que hoje é o excedente orçamental e que podia ser distribuído de outra maneira que não é. Pensamos que a área do trabalho tem de ter uma outra relevância na sociedade e uma outra importância na discussão aos mais variados níveis.
Há sempre distrações na discussão do OE. Este ano foi o IVA da luz, no ano passado foi o IVA das touradas…
Temos de situar aquilo que são as questões fundamentais com o que o país se confronta e que não evoluirá se porventura não as ultrapassar. A área do trabalho continua a ser o parente pobre da sociedade portuguesa no que respeita às políticas governamentais, e não pode continuar a ser. Ou se valorizam os trabalhadores e, a partir daí, reconhece-se o papel que têm para o desenvolvimento do país, para o aumento da produtividade, mas também, sobretudo, para aquilo que tem a ver com o desenvolvimento da própria sociedade, ou então corremos o risco de continuar a assistir não só à saída de trabalhadores, quer licenciados quer altamente qualificados, para o estrangeiro como também à desmotivação de outros que procurarão encontrar soluções de emprego melhores do que aquelas que oferecem. Por exemplo, na administração pública há neste momento concursos públicos para várias atividades profissionais, mas não aparecem candidatos. Porquê? Não há pessoas para trabalhar? Há, só que os salários que pagam, de 635 ou de 683 euros, são tão baixos que, naturalmente, essas pessoas vão à procura de outras soluções. O mesmo se diz em relação a profissões altamente qualificadas: médicos, enfermeiros, professores e não só que, se não virem correspondidos os seus préstimos profissionais, tenderão numa próxima oportunidade a sair dos serviços públicos para irem para empresas privadas. Quando o Governo diz que é necessário melhorar os serviços públicos, dizemos sim, mas acrescentamos que não há serviços públicos sem bons profissionais e sem o reconhecimento do seu papel para o desenvolvimento dos serviços públicos.
Acha que o Governo prefere acenar com o Simplex para falar nas melhorias dos serviços públicos?
Se, porventura, o Simplex fosse aplicado em várias áreas laborais, muitos dos problemas que temos já estavam ultrapassados. Por exemplo, o PREVPAP, o programa que supostamente em quatro anos resolveria o problema da precariedade na administração pública: em 2020 continua por resolver. Temos milhares de trabalhadores que ainda não viram a sua situação regularizada. Temos milhares de processos que não foram mudados, concursos que ainda não foram abertos. Isto representa um prejuízo para os trabalhadores porque cria um clima de instabilidade, de insegurança, mas não só. É também um prejuízo para os próprios serviços públicos porque uma das melhores formas de prestar um bom serviço público é dar estabilidade, segurança e, sobretudo, um salário adequado para que as pessoas vivam com dignidade e sintam que o seu papel é reconhecido. É muito importante elevar a autoestima dos trabalhadores. Não reconhecer isso e continuar a fazer discursos generalistas sem depois corresponderem às questões práticas leva a que haja descontentamento e indignação.
Mas não sente que o setor privado olha com desdém para o público?
Ao contrário do que se disse durante muitos anos – e repetimos até à exaustão que não é verdade, mas a mentira dita repetidamente acaba por se tornar uma verdade -, houve mais greves ao longo dos últimos anos no setor privado do que na administração pública. Além disso, a velha máxima de dividir para reinar é sempre utilizada em momentos cruciais, e essa ideia de que os trabalhadores da administração pública são privilegiados é falsa. E é usada para tentar justificar a redução de direitos que, pouco tempo depois, acaba por se refletir também em novas reduções de direitos para os trabalhadores do setor privado. Os trabalhadores do setor privado são explorados, mas os trabalhadores da administração pública também o são. Em dez anos não houve qualquer atualização salarial, tal como aconteceu com o setor privado, além de outras questões que podíamos acrescentar. A questão de fundo não está na ideia de que uns são protegidos relativamente a outros, a questão de fundo é que todos estão mal e todos precisam de melhorar. E isso só passa por uma saída, que é a da unidade e coesão. E quando uns estão em luta, os outros devem ser solidários, e vice-versa. Os trabalhadores da administração pública, quando estão em luta, na esmagadora maioria dos casos estão a fazê-la não só para defender os seus direitos, mas também procurando com essa luta que haja uma melhoria dos serviços públicos a prestar às populações. Recordo que no período da troika, com a redução de pessoal, com a redução de rendimentos e com o encerramento de serviços, se não fosse a responsabilidade social dos trabalhadores da administração pública, muitos dos serviços públicos pura e simplesmente teriam colapsado. Não reconhecer isto por parte do Governo é continuar a secundarizar o papel da administração pública.
E em relação ao setor privado…
É fundamental que o quadro da distribuição da riqueza seja feito de outra maneira. O que continuamos a verificar é que há acentuação das desigualdades e continua a haver empobrecimento laboral, porque 10,8% dos trabalhadores já vivem abaixo do limiar da pobreza. Continua a haver uma precariedade exponencial. Cerca de 30% dos trabalhadores que estão no setor privado têm vínculos precários, e um trabalhador com um vínculo precário relativamente a um trabalhador com um salário de efetivo recebe, em média, menos 30% por mês. São estas questões que nos levam a dizer que não é pela divisão que lá vamos, é pela união e com a ideia de que todos precisamos de concentrar as atenções naquilo que é o essencial: o país precisa de ser mais justo socialmente e isso implica o aumento dos salários, porque o aumento dos salários não é só bom para os trabalhadores, é também bom para as famílias, aumenta-se o seu poder de compra, e com isso vão consumir mais e as empresas vão vender mais, vão produzir mais e vão fazer mais negócio. O emprego vai agradecer porque aumenta a procura, tem de se encontrar oferta, cria-se emprego, diminui-se o desemprego, a economia vai crescer e a própria Segurança Social vai reforçar a sua capacidade financeira para pagar melhores pensões aos nossos pais e também transmitir uma mensagem de confiança para aqueles que estão no ativo, que amanhã também poderão ter reformas dignas.
Efeito de bola de neve…
E se dúvidas existirem, basta recuar seis ou sete anos para ver o que se passou no período da troika: reduziram o rendimento aos trabalhadores, reduziram os seus salários, aumentaram os impostos, reduziram direitos, reduziram pensões aos reformados, deixaram centenas de milhares de desempregados sem proteção social, e qual foi o resultado do ponto de vista das empresas? Mais encerramentos, mais desemprego, e tivemos uma economia que entrou em recessão. Isso é que são políticas de fundo para fazer uma economia nova? Isso foi a política do desastre. Essa foi testada, falhou; se esta agora está tão no início e, de forma tão tímida, já trouxe algumas melhorias, então há que potenciar e dar esta visão de combate ao modelo de baixos salários e de trabalho precário.
Principalmente quando se fala do problema de falta de produtividade…
Essa é uma questão central para nós: às vezes, da parte patronal, procura-se dar a visão de que os salários não podem aumentar porque a produtividade é baixa, ficando a ideia que a responsabilidade é do trabalhador. O trabalhador tem uma parte da responsabilidade na produtividade, mas não depende só dele, porque a produtividade está diretamente associada à organização e gestão da empresa, à planificação, à modernização tecnológica e ao perfil de acréscimo de valor. Se as empresas não apostam nesta parte, é evidente que, depois, não podem responsabilizar o trabalhador por não ter mais produtividade. Vou dar-lhe um exemplo. Um trabalhador que tem um determinado tipo de competências vai trabalhar um mês para uma empresa que está modernizada tecnologicamente e produz x; vai trabalhar outro mês para uma empresa do mesmo ramo mas menos apetrechada tecnologicamente, e produz menos. De quem é a culpa? Não é do trabalhador. A questão da produtividade tem de ter uma relação direta com a visão estratégica de investimento das empresas na própria modernização. O que temos, infelizmente, em Portugal é esta ideia de que a responsabilidade da produtividade é apenas dos trabalhadores. Mas, mesmo assim, a produtividade subiu. O Governo apresentou-nos há umas semanas, no âmbito de discussão na concertação social, um documento a dizer que, nos últimos 20 anos, em Portugal, a produtividade aumentou 17% e os salários reais subiram 5%. Então para onde foram os 12% de diferença? Para os trabalhadores não foram, foram para as empresas. E por isso é que verificamos que, mesmo num quadro de aumento do produto interno bruto, as desigualdades são monumentais. E quando olhamos para isto não podemos deixar de destacar problemas que estão nas causas destas diferenças, destas desigualdades, e que têm uma relação direta com a área do trabalho, da legislação do trabalho. A contratação coletiva está bloqueada há anos porque este Governo teima em manter uma norma da caducidade que favorece os patrões para ameaçar e chantagear os sindicatos com a extinção das convenções coletivas de trabalho se porventura não aceitarem as regras deles. Se está numa mesa de negociação e tem uma associação patronal que lhe diz “ou você aceita estas medidas que ficam abaixo daquilo que está estabelecido na lei geral como mínimos ou então não temos acordo”, o que se faz? Os sindicatos existem para quê? Não existem para negociar e acertar medidas abaixo daquilo que a lei geral estabelece como mínimos. Existem para procurar elevar os direitos dos trabalhadores. Quando somos confrontados com situações destas, dizemos que não pode ser, que não contem connosco, e, aí, a conflitualidade aumenta.
Por isso é normal a CGTP abandonar a mesa de negociações na concertação social…
É natural não subscrever acordos porque a questão de fundo não está na assinatura do acordo, a questão de fundo está nos conteúdos dos acordos. Se recuar aos últimos oito anos, foi assinado um acordo em 2012 e foi uma desgraça, e teve as consequências que teve. Houve um acordo, que foi a transposição do memorando da troika para a legislação de trabalho, em que se manteve o pior que o outro tinha, e depois apostou na facilitação de despedimentos, na redução das indemnizações, na caducidade das contratações coletivas, na precariedade das relações de trabalho e no travão à atualização do salário mínimo nacional que resultava de um acordo que a CGTP assinou que devia entrar em 2011 e não entrou. Os trabalhadores aceitavam que fôssemos assinar documentos desta natureza? Ou, como recentemente aconteceu, em julho, quando foi publicada a lei da revisão da legislação de trabalho que promove a precariedade em vez de a combater, quando introduz um período experimental para os jovens à procura de primeiro emprego de seis meses quando os outros têm três? Isso é inconstitucional e por isso é que pedimos aos partidos que remetessem essa matéria para o Tribunal Constitucional. É claro que as empresas receberam essa alteração com agrado porque, ao fim de seis meses, não são obrigadas a colocar esse jovem no quadro dos efetivos, não tem de justificar a sua dispensa nem têm de pagar a indemnização. Depois dizem que a CGTP não assina acordos – a CGTP assina muitos contratos no âmbito da contratação coletiva a nível setorial. Assinamos vários contratos na concertação social – aliás, assinámos quatro e nenhum deles foi cumprido. Não fomos nós que pusemos em causa a assinatura ou a nossa honra do compromisso. Foram os outros que, assumindo um compromisso, não o honraram em relação ao salário mínimo nacional, à formação profissional, à saúde e segurança no trabalho e à segurança social.
Nas reuniões de concertação social, o tema mais complicado é o salário mínimo nacional?
Os temas mais complexos são a legislação de trabalho e a necessidade de rever estas normas gravosas. O que pergunto é se há alguma razão para que, hoje, na economia portuguesa e no funcionamento das empresas, as coisas se mantenham assim. Não há nenhuma. Há falência de empresas? As empresas nunca faliram por aumentarem salários ou por praticarem salários elevados. Faliram sempre por má gestão ou por dificuldades de integração no mercado ou por dificuldades de vendas. E se agora há menos falências, há menos problemas, então por que razão não se pode distribuir essa riqueza?
Viu-se recentemente o descontentamento dos trabalhadores dos supermercados…
Passe a comparação, aquilo é a nova visão de sistema bancário em Portugal. Aquilo é sempre certo. Os bancos funcionam sob determinadas regras, os supermercados, no quadro do consumo, funcionam sob outras. São uma caixa de fazer dinheiro. Têm lucros fabulosos. Basta olhar para a Sonae, para a Jerónimo Martins, para o Lidl, para o Minipreço, e depois têm ali os trabalhadores prisioneiros. Não respeitam os horários de trabalho nem a contratação coletiva, violam os princípios legais do ponto de vista de organização do tempo de trabalho. É isto que é preciso resolver. Há trabalhadores que nunca conheceram outro vínculo de trabalho sem ser o precário e já estão nas empresas há dez ou 15 anos. Isso é ilegal. Anteriormente, o limite do contrato a prazo era de três anos, agora baixou para dois anos, mas isso não resolve o problema. Dissemos ao Governo que só vai resolver o problema se usar alguns mecanismos, por exemplo o Simplex, que neste momento já dispõe, do ponto de vista informático, dos serviços da Segurança Social no que diz respeito às carreiras contributivas. Basta apurar esse registo, fazer meia dúzia de levantamentos à sorte a partir do sistema, e o que vai concluir? Em muitos casos, as empresas têm os trabalhadores até aos três anos, 15 dias antes despedem-nos, uma semana ou 15 dias depois voltam a contratá-los. Isso é fácil de detetar: se for para a mesma empresa e para o mesmo serviço, está detetada a fraude. Se está detetada a fraude é necessário que esse trabalhador passe para o quadro de efetivos e, com ele, todos os seus colegas na mesma situação, e a empresa ser punida. Além disso, é preciso divulgar publicamente que a empresa A, B ou C foi punida. Pode ter a certeza que bastava essa medida ser implementada em cinco ou seis casos para imediatamente se reduzirem significativamente os níveis de precariedade.
Sugeriu isso ao Governo?
Várias vezes. Sabe o que me disseram? Estão de acordo. Então porque não é implementada? Não é preciso pensar, é executar. A CGTP não se limita a constatar ou a criticar, também dizemos como se podem resolver os problemas. Por exemplo, a ACT não tem meios, mas também já dissemos ao Governo que é muito fácil de resolver. É programar no tempo a abertura de concursos todos os anos, partindo do pressuposto de que a ACT sabe quantos profissionais tem, quais as suas idades, qual a saída, em média, de inspetores para a reforma, qual a saída, em média, de inspetores no quadro de mobilidade interna dos serviços públicos e qual o rácio que a OIT (Organização Internacional de Trabalho) define para um inspetor para x milhares de trabalhadores. Se tiver este quadro pode programar todos os anos a abertura de um concurso com x pessoas porque, depois, isto é um bocado burocrático. Se fizerem isso, daqui a cinco ou seis anos, a ACT tem não só os quadros completos como toda a situação regularizada e com uma perspetiva de intervenção.
Não é só resolver quando falha…
Eles dão-nos razão mas não o fazem? Isto não acresce ao Orçamento do Estado porque não entram todos de uma vez. É planificar no tempo. O Orçamento do Estado para este ano contemplava x inspetores, para o próximo ano x inspetores, e assim sucessivamente. Sabe porque é que isto não foi feito? Porque não há vontade política. E quando não há vontade política para pôr a inspeção a funcionar para proteger o elo mais frágil na relação de trabalho, que são os trabalhadores, então está-se a dar um sinal às entidades patronais infratoras de impunidade e que podem continuar a violar as regras.
Esta falta de vontade política é só deste Governo?
Não, mas o que não se percebe é que este Governo, que diz que quer valorizar o trabalho e, sobretudo, as relações de trabalho, quer assumir e afirmar a lei e a contratação coletiva, confrontado com estas situações, admite que temos razão, mas depois não resolve. O que resulta daqui? O que resulta é que o concurso que o Governo abriu há cerca de cinco anos só agora vai dar origem à entrada de 88 inspetores. Quando estes entrarem, provavelmente serão menos do que aqueles que saíram durante este período. E como se pode resolver o problema assim? Não se resolve porque a ACT não é uma entidade neutra. Nenhum patrão vai à ACT queixar-se dos trabalhadores; agora, os trabalhadores, os sindicatos vão queixar-se à ACT para atuar, para corrigir determinado tipo de ilegalidades. Se a ACT não intervém atempadamente, o que resulta daqui?
E as coimas, às vezes, até são irrisórias…
E não só. Temos aqui uma situação caricata. Se formos numa autoestrada e excedermos o limite de velocidade, a Brigada de Trânsito manda-nos parar e não faz pedagogia. Não avisa, cobra. Então, por que razão é que as empresas confrontadas com a coima que é apresentada pela ACT não pagam? Primeiro protestam e, depois, logo se vê se pagam. Há uma situação perversa, e depois dizem que a CGTP está sempre a criticar. São anormalidades que se verificam e que não se deviam verificar em 2020. Um local de trabalho não é um local vedado. Vou dar-lhe outro exemplo: a liberdade sindical. Uma das questões com que mais nos debatemos para afirmar a necessidade de assegurar a liberdade de efetivação da liberdade sindical é o facto de, hoje, alguns dos nossos sindicatos estarem impedidos de entrar em muitas empresas do setor privado. Tive na semana passada uma reunião de concertação social dedicada ao diálogo social. Estava o Governo, as confederações patronais e as estruturas sindicais para negociar a contratação coletiva, mas como é que dizem que há diálogo social e negociação quando a parte sindical não pode entrar nas empresas? Como é que se negoceia? Se os trabalhadores não têm organização sindical porque não a deixam entrar, com isso não se podem sindicalizar e, mesmo que se sindicalizem, muitos deles têm medo de dar a cara. E se não se sindicalizam não podem eleger delegados sindicais, e se não elegem não podem fazer plenários e, face a isso, não podem ou têm dificuldade em apresentar reivindicações. Então quem os representa? E quem garante que esses trabalhadores podem assegurar os seus direitos individuais e coletivos?
Mas é assim tão comum as empresas impedirem a entrada dos sindicatos?
São milhares. O Governo sabe disso e prometeu resolver este problema em breve, espero que seja resolvido urgentemente. O facto de condicionarem a liberdade sindical no interior de uma empresa ou o facto de impedirem o sindicato de entrar no interior de uma empresa é uma forma de amputar a democracia na sua conceção mais global, porque a democracia não se resume apenas ao momento de votar. Há toda uma outra componente que a sustenta, que a faz viver e revigorar, que é a democracia participativa. A participação das pessoas faz-se na sociedade, mas também tem de se fazer nas empresas. As empresas não podem ser um espaço vedado à negociação e à participação.
Chegou a dizer que o Governo “começou razoavelmente bem, estagnou e depois regrediu”…
Começou bem porque percebeu que a luta dos trabalhadores foi importante para travar a política de redução de direitos e rendimentos do Governo PSD/CDS. Mas, a partir do momento em que o PS perdeu a maioria absoluta, ficou fragilizado na Assembleia da República, e a solução que encontrou foi associar-se ao PCP e ao Bloco, e aí iniciou um processo que teve como primeira finalidade o início da devolução de alguns rendimentos e direitos. É claro que valorizamos isso porque estávamos no sentido do progresso. Mas todos os processos, para terem sucesso, têm de ser evolutivos. Aquilo que hoje conseguimos, daqui a um ano, já é pouco, e queremos um pouco mais, e assim sucessivamente. Ao fim de um ano houve uma evolução; no segundo ano, essa evolução não teve continuidade, estagnou; e depois regrediu porque a legislação do trabalho, em vez de ser alterada para corrigir as deformações e as medidas gravosas, quando o Governo lhe mexeu, em junho, em vez de rever essas normas gravosas, não só as manteve como as agravou. Isto, depois de ter mandado fazer um livro verde para fazer a avaliação da legislação do trabalho e das implicações das medidas da troika, do anterior Governo. O livro constatou que tinha havido uma degradação acentuada das condições de vida e do trabalho dos trabalhadores, muito decorrente da legislação que tínhamos, e qual foi a conclusão? O Governo deixou aquilo que estava mal e acrescentou mais algumas medidas que vão de mal a pior. Em três reuniões de concertação social, foi de mal a pior. Começaram por dizer que iam aumentar os salários – aliás, o primeiro-ministro, na tomada de posse, começou a falar de uma proposta de acordo de rendimentos, mas na primeira reunião de concertação já não era só de rendimentos, era uma proposta de acordo de competitividade e rendimentos. Isto era a porta aberta para financiar os patrões, o que veio a confirmar-se na terceira reunião. Uma parte significativa das propostas patronais já foram introduzidas e aprovadas no Orçamento do Estado. Conhece algum processo de negociação em que, antes de chegar ao final do processo e do acordo, já estejam consagradas no Orçamento medidas que só favorecem uma das partes? Estamos a negociar salários para o setor privado e o Governo diz que não se esqueceu dos trabalhadores. E o que propõe? Apresentou uma série de medidas no OE e que também foram aprovadas que não têm nada a ver com o trabalho. É o caso das reformas, abonos de família, deduções de IRS. Isto é misturar tudo. E, primeiro, ainda tinha referenciais da inflação e da produtividade: 2,7% para este ano, 2,9% para 2021 e 2022 e 3,2% para 2023. Agora não, remeteram a discussão para os setores na generalidade.
Neste momento, em cima da mesa tem aumentos da função pública. A proposta salarial foi revista, mas está muito longe dos 90 euros pedidos…
Então um trabalhador que tem 635 euros de salário mínimo vai ter um aumento de sete euros? E um trabalhador que receba 683 euros vai ter um aumento que não chega a sete euros? Isto é alguma proposta? O Governo diz que fez um esforço monumental ao juntar aos 70 milhões que tinham programado para os aumentos de 0,3% 17 milhões de euros e é isto que é um esforço monumental? Depois vamos ver ao lado, as outras rubricas, e vimos 600 milhões para o Novo Banco, e é um esforço normal. Depois vamos ver as PPP e há 1,5 mil milhões de euros que, juntando ao Novo Banco, dá 2,1 mil milhões de euros. Isto não faz sentido e é por isso que dizemos que este Governo não pode dizer que é de esquerda quando faz uma política laboral de direita e não pode dizer que os sindicatos não têm de assumir o seu papel de mobilizar os trabalhadores para lutarem e exigirem respostas aos seus problemas. Se isto não for feito, o Governo não só secundariza o papel dos sindicatos na negociação como está a contribuir para fomentar o descontentamento e a deslocação desse descontentamento para o desespero, que por sua vez é manipulado pelo populismo e, simultaneamente, pelo encosto a posições de extrema-direita que não nos levam a lado nenhum. Isso tem de ser percebido e não nos venham dizer que somos nós que queremos tudo e mais alguma coisa, porque não é verdade.
Não há vontade política?
É mesmo uma questão de vontade política. É cada vez mais claro que vamos acabar 2019 com excedente orçamental e vamos continuar com o excedente orçamental em 2020. Mas depois olhamos para os serviços públicos e as pessoas protestam. Olhamos para os transportes públicos e as pessoas protestam. O mesmo acontece com o Serviço Nacional de Saúde, com as escolas, etc. Fala-se tanto no Simplex e nas novas tecnologias e na importância de responder melhor nos serviços públicos – então, porque é que isto acontece? Só acontece porque o Governo quer apresentar contas certas no estrangeiro à custa de políticas erradas em Portugal nestas áreas.
Com a possível saída de Mário Centeno, poderá haver mais margem para negociar?
O ministro das Finanças pode ter peso, mas aquilo que temos neste momento é uma opção do Governo em relação à política financeira. Não estou a ver que este Governo com Mário Centeno ou sem Mário Centeno vá fazer grandes alterações, exceto se tiver a humildade de reconhecer que aquilo que está a fazer precisa de ser corrigido, e era bom que o fizesse porque isso só o enobreceria. É evidente que não dizemos que está tudo mal, mas a nossa maior preocupação é que, se não se responder a estas questões, em vez de se estar a defender os serviços públicos está-se a dar pretexto àqueles que não querem serviços públicos para os quererem privatizar em áreas importantes, como a saúde e a segurança social – ou seja, áreas de negócio porque movimentam milhões de pessoas, logo movimentam verbas astronómicas que potenciam o lucro. E tudo o que lhe estou a dizer já foi dito às pessoas que representam neste momento o Governo ao mais alto nível, inclusive ao Presidente da República.
Disse que 2020 seria um ano de contestação para os trabalhadores…
A contestação é indissociável da resposta ou não às reivindicações dos trabalhadores. Isto já não depende só dos sindicatos da CGTP, depende do Governo e das confederações patronais: se querem encontrar formas de discussão, de diálogo, de negociação para se chegar a conclusões e a soluções, ou se continuam a apostar no diálogo para fora e no fecho para dentro. Se querem resolver os problemas a bem, resolveremos. Se não querem resolver os problemas a bem, então teremos de ir para a luta, não há volta a dar.
A manifestação do dia 31 de janeiro marcou o fim do sindicalismo para alguns líderes históricos, como é o seu caso e o de Ana Avoila. O sindicalismo vai ressentir-se disso?
Não vai ressentir-se porque temos no projeto da CGTP uma dinâmica própria: aqui, todos são importantes. É tão importante o secretário-geral como o delegado sindical que está no local de trabalho ,porque esse todos os dias tem a função de apoiar os trabalhadores que ali estão. O secretário-geral tem a função de ter uma intervenção que é mais mediatizada aos mais variados níveis e também junto de diversas instituições, e também nos locais de trabalho. As mudanças resultam de uma renovação e rejuvenescimento que é fundamental a qualquer organização. Não basta dizer que as organizações devem renovar-se e rejuvenescer, é preciso mostrar que é possível. Instituímos uma norma, que não é regulamentada nem estatutária, mas é um compromisso político e sindical na CGTP de há 12/14 anos que apontou para esta ideia: os dirigentes do conselho nacional que atingirem a idade legal da reforma num mandato que se segue já não devem ficar no conselho nacional e devem dar o seu lugar a outros mais novos. Isto não quer dizer que não possam continuar a desenvolver a sua atividade depois de chegarem à idade legal da reforma nos sindicatos, nas uniões ou nas federações.
E evita-se a eternização dos cargos…
Tal e qual. Esta cultura de transmissão do projeto, experiências, informação e também da incorporação do sangue na guelra dos mais jovens é muito importante porque dá consistência e continuidade. E ajuda também a evitar situações dos insubstituíveis porque, se isto não fosse feito, a discussão neste congresso ou no próximo congresso seria provavelmente em torno do “fazes muita falta” ou “tu é que tens de continuar”, e qualquer dia tínhamos uma central dirigida por camaradas com 67, 68, 69, 70 anos, e uma central sindical, por mais respeito que tenha pelos reformados, tem de ser dirigida por trabalhadores no ativo.
Se não fosse por estar a atingir o limite de idade teria voltado a candidatar-se para novo mandato?
Se essa fosse a vontade dos meus camaradas, naturalmente, estava disponível. Se me perguntar como me sinto hoje? Incomparavelmente com um nível de conhecimentos, de intervenção, de perspetiva maior do que estava quando há 12 anos vim para aqui.
Isabel Camarinha vai ter esse problema de só poder ficar quatro anos…
Em princípio.
A CIP alterou os estatutos para manter António Saraiva por mais um mandato…
Suponha que era a CGTP e nem precisávamos disso, porque não temos isso nos estatutos. Suponha que isto acontecia com o atual secretário-geral da CGTP: haveria uma série de pessoas a comentar “quer-se eternizar no tacho”, etc. Aqui não há tachos. Por uma questão de princípio, há três anos assumi publicamente, depois de uma reflexão pessoal, que quando terminasse este mandato por razões que são conhecidas – pelo facto de atingir a idade legal da reforma nos próximos quatro anos – iria voltar ao meu local de trabalho. Tenho 46 anos de contribuições para a Segurança Social. Comecei a trabalhar no dia 28 de janeiro de 1974 na Carris. Pelas minhas contas, tinha uma penalização de 15%, mas tinha uma bonificação de 24% – portanto, não creio que ficasse a perder. A forma mais fácil de resolver o problema seria pôr os papéis e ir para a reforma. Não foi isso que entendi. Saí do meu local de trabalho para o sindicato e, quando sair destas funções, quero regressar ao meu local de trabalho. Vim para cá como trabalhador e saio de cá como trabalhador. Vim para cá como operário-chefe da Carris, vou regressar como operário-chefe da Carris. Os meus colegas não tiveram aumentos durante dez anos, eu não tive aumentos durante dez anos, e, quando regressar, já disse à administração que vou regressar e não vou ter, porque não quero, qualquer tipo de progressão ou privilégios. Não quero rigorosamente nada, quero ser um igual aos outros que lá estão.
A data de entrada já está acertada?
Não. Mas vai ser a seguir ao congresso, uma semana ou duas.
Veio substituir um outro histórico e houve quem tivesse dúvidas nesse desafio. Foi fácil ou houve alguma resistência em substituir Carvalho da Silva?
Creio que quem pode responder são aqueles que me conhecem, a opinião pública e os trabalhadores em geral. Com toda a sinceridade, às vezes transmitem-se determinadas mensagens que são dirigidas para atingir objetivos. Como era comunista, fui imediatamente associado à linha mais ortodoxa dos comunistas. O que quer que faça? Ainda nem sequer tinha ido ao alfaiate e já me tinham feito um fato à medida, e entrei como ortodoxo. Sabe o que me dá prazer? É sair e camaradas meus de outras sensibilidades que aqui estão representados terem reconhecido o meu trabalho de rigor, seriedade, abertura e construção de posições coletivas para defender a CGTP. Isso é que me dá prazer.
Mas a nova mudança também vai ser difícil?
Por isso mesmo é que farei tudo o que estiver ao meu alcance para ajudar a camarada que me vai substituir, e que assuma rapidamente a coordenação da central para desenvolver o seu trabalho. E por isso é que também já disse que ao regressar ao meu local de trabalho não vou ser sombra de ninguém nem fazer trabalho paralelo à CGTP. Claro que quando me convidarem ou quando alguém estiver interessado em ouvir a minha opinião, direi. Mas não exercerei nenhum cargo político com responsabilidades acrescidas do ponto de vista geral. Tudo o que quero fazer para afirmar e ajudar o novo coletivo que agora vai iniciar as suas funções farei porque sei o que se passou comigo e também sei a importância de sermos nós a ter a iniciativa de preparar as coisas para aqueles quadros que nos substituem se sentirem à vontade. E, para isso, nada melhor do que estarmos bem com a nossa consciência, sermos rigorosos na forma como trabalhamos e também transmitirmos tudo aquilo que sabemos aos nossos camaradas. Nunca utilizei a informação como poder pessoal e, como sabe, a informação é poder. Toda a informação que tinha disponibilizava aos meus camaradas para que todos tivessem o mesmo nível de informação, porque é a partir daí que se eleva o nível de discussão e conclusão. É isso que me dá prazer. Não tenho nada para guardar, não tenho nada para esconder. Tudo aquilo que sei e tudo aquilo que poder fazer, farei.
Vai sentir falta da liderança?
Este é o projeto dos trabalhadores e, portanto, é qualquer coisa que faz parte da minha vida. Entrei com 30 anos para o movimento sindical, vou sair daqui com 64 anos e meio. São 35 anos nestas estruturas. Primeiro no sindicato, depois trabalhei, embora indiretamente, com a minha federação porque acompanhava o processo negocial da Carris, fui coordenador da união dos sindicatos durante vários anos, fui depois, aqui, responsável durante quatro anos (de 2008 a 2012) do departamento da ação reivindicativa, contratação coletiva, emprego e concertação e, a partir de 2012, assumi o cargo de secretário-geral até hoje. Mais de metade da minha vida foi dedicada ao movimento sindical, mas também o fiz por opção. Poderia ter tido outras opções. Fiz uma opção de vida e não estou nada arrependido. Sinto-me muito satisfeito por aquilo que fiz. Se voltasse atrás, a 1985, faria a mesma coisa.
Ficou alguma coisa por fazer?
Fica sempre muita coisa por fazer. Mas mais importante do que aquilo que fica por fazer é aquilo que acreditamos que podemos fazer ainda. Temos uma legislação de trabalho que é aquela que se conhece e, enquanto ela não for alterada, eles não vão ter descanso porque vamos continuar.
Com que Governo foi mais difícil negociar?
São diferentes. Com o Governo PSD/CDS não negociámos nada. Com este Governo houve diálogo, sem dúvida nenhuma, houve discussão de alguns temas, mas faltou eficácia. Identificámos os problemas, apresentámos soluções, dizemos como é que o Governo pode fazer, mas não resultou. O diálogo é importante, mas mais importante do que o diálogo é o resultado que decorre desse diálogo e, no que diz respeito a resultados, as coisas não têm correspondido.
Volta para a Carris…
Sou sócio do meu sindicato, mas não vou estar requisitado pelo meu sindicato a desenvolver atividade sindical permanente. Vou trabalhar no meu local de trabalho como qualquer outro colega meu. Não vou para a minha empresa para fazer atividade sindical com o tempo reconhecido pela empresa. Vou para a minha empresa trabalhar e, durante o horário de trabalho, vou trabalhar, e nas horas livres e quando puder vou falando com os meus camaradas e vou ajudando o meu sindicato naquilo que seja necessário.
A Carris precisa de algum abanão em termos sindicais?
É uma empresa que precisa de continuar a renovar-se, de rejuvenescer, e acima de tudo procurar corresponder àquilo que são os sentimentos dos trabalhadores. Estamos a falar de uma empresa que, nos últimos anos, felizmente viu reconhecido o seu papel de empresa estratégica para a concretização de um objetivo muito saudável e que a CGTP sempre defendeu que é melhorar os serviços públicos e aumentar a capacidade de resposta dos serviços públicos às necessidades das populações. O facto de se ter reduzido o valor do passe social foi muito importante porque aumentou a procura. O grande desafio que tem é que as empresas de transportes públicos tenham o investimento necessário para corresponder àquilo que são as expectativas dos utentes. Esse é o grande desafio para a Carris, para o Metropolitano e outras empresas públicas.
Deu os principais passos sindicais na Carris?
Sim.
Foi natural?
Era trabalhador da Carris, fui para a direção do sindicato que representava os trabalhadores da Carris e do Metro e rapidamente fui colocado como porta-voz da comissão sindical negociadora. Estive a negociar entre 1985 e 1993.
Lembra-se dos problemas da altura? Mantêm-se?
Era a questão dos salários, da evolução das carreiras, dos horários e as condições de trabalho que hoje mais do que nunca vão ter de ter uma atenção especial do movimento sindical. Creio que assinaram um acordo recentemente, só isso é positivo, mas de certeza que há ali algumas questões que precisam de ser melhoradas e o tenho de fazer é ajudar os meus camaradas do meu sindicato.
Pensa ficar na Carris até à idade da reforma?
Não estou a pensar em ficar até à idade legal. Tenho 64 anos e meio, vou fazer 65 em junho. Estou lá uns meses e depois dependerá da forma como me sentir. Gostar de voltar vou gostar porque não tenho problemas de voltar aos lugares de onde saí. E dá-me um prazer especial ser igual a outro qualquer, dá-me tranquilidade, um bem-estar e dizer que estive aqui, tive estas responsabilidades, mas agora vou para ali.
E não estar nos holofotes…
O problema não são os holofotes, quem está nos holofotes deve saber sair e voltar à sua atividade normal. Se quisesse continuar nos holofotes dizia que queria e que estava disponível para assumir um cargo de responsabilidade política. Não quero, não tenho nenhum projeto pessoal.
Foi deputado na Assembleia da República durante 3 meses, em 1993. É uma página virada de vez?
Quando tomo uma decisão desta natureza é pensada, refletida, maduramente tratada e quando digo uma coisa faço mesmo essa coisa. Há colegas que me perguntam: vais sair daqui e voltar para o local de trabalho? Vou. A gente tem de dar o exemplo, de dar o sinal, de demonstrar que aqui ninguém está a gerir o tempo ou a gerir o poder com uma visão de interesse pessoal. Estamos aqui a cumprir uma missão, um compromisso. Termina o compromisso voltamos para a vida normal. O facto de voltar para a vida normal não significa que não tenha a vida que entenda fazer do ponto de vista de intervenção política, pública, etc.
Não gostou daqueles três meses?
Gostei, foram meses interessantes, aprendi até as táticas de discussão, as formas de abordagem de algumas discussões. Por exemplo, havia um deputado do CDS que era o Nogueira de Brito que fazia sempre um grande elogio quando aparecia um deputado a falar de outro partido, nomeadamente da esquerda, mas depois do elogio começava a desancar. Foi umas das coisas que aprendi rapidamente e sabia estar preparado.
Mas porquê só 3 meses?
Foi uma situação excecional porque o Jerónimo de Sousa era deputado, houve um congresso do PCP e foi indicado para integrar a comissão política e considerou-se que havia incompatibilidade de falta de tempo para dar a atenção devida ao Parlamento e às responsabilidades que tinha na comissão política. Disseram-me que precisavam que fosse cumprir uma tarefa durante alguns meses na Assembleia, fui mas disse que a minha função não era ficar na Assembleia porque tinha compromissos com o meu sindicato. Houve então aquele período em que fui para a Assembleia, encontrou-se depois outra solução e saí e voltei para o sindicato. Pertencia à União dos Sindicatos de Lisboa e passei imediatamente a tempo inteiro para a União porque havia um processo de renovação. Foi chegar, falar algumas vezes, aprender alguns truques, deixar algumas mensagens e regressar.
Aceitaria ser candidato do PCP para as eleições presidências?
A resposta já está dada. Não exercerei nenhuma função política ou com responsabilidades acrescidas. Esta ou outra questão está arrumada para qualquer cargo que seja: na Assembleia, seja onde for. Não estarei disponível para me candidatar, o que não quer dizer que não esteja disponível para trabalhar. É uma coisa diferente. Que fique claro que não tenho nenhum projeto pessoal, nunca me serviria da CGTP para atingir outros patamares que dessem prioridade do ponto de vista político. É a minha posição, não critico ninguém, mas fiz uma opção: servir os trabalhadores e a CGTP.