A pressão para um referendo subiu de tom, com o antigo Presidente da República Cavaco Silva a defender que é o “mínimo que a Assembleia da República deve fazer” – isto é, propor uma consulta popular.
Em entrevista à Rádio Renascença, Cavaco Silva foi mais longe no voto contra a eutanásia: “Considero a legalização da eutanásia a decisão mais grave para o futuro da nossa sociedade que a Assembleia da República pode tomar. É abrir uma porta a abusos na questão da vida ou da morte de consequências assustadoras”, declarou o antecessor de Marcelo Rebelo de Sousa, mantendo a posição assumida em 2018, quando a proposta não passou no Parlamento por cinco votos.
Já Passos Coelho, ex-primeiro-ministro, voltou a quebrar o silêncio para falar sobre o tema. Em 2018 escreveu um artigo de opinião no Observador onde se manifestou contra a despenalização da eutanásia e assumiu não ser “um particular defensor da realização de referendos sobre este tipo de assuntos”. Ao i, respondeu ontem: “A minha posição sobre a despenalização da eutanásia não sofreu qualquer alteração. Embora compreenda muito bem os motivos daqueles que hoje defendem a realização do referendo – dado que os partidos se preparam no Parlamento para tomar uma decisão que, apesar de legítima, importa numa gravidade que reclamaria outra ponderação e prudência”.
Estas posições surgem na véspera de uma reunião da bancada do PSD onde o tema será avaliado. Os sociais-democratas (tal como o PS) darão liberdade de voto aos deputados na votação dos cinco projetos de lei em apreço no próximo dia 20 (de PS, BE, PAN, PEV e Iniciativa Liberal).
Para quem defende um referendo será também uma corrida contra o tempo, sobretudo para aqueles que querem travar a eutanásia por esta via. A recolha de assinaturas para a iniciativa popular de cidadãos a pedir a consulta popular já tem mais de 10 mil subscritores. Mas são precisos 60 mil. E o relógio está a contar porque, no Parlamento, há uma maioria a favor da despenalização da eutanásia. Os defensores da despenalização acreditam que já se fez um longo debate na anterior legislatura, ouviram-se especialistas e académicos e a discussão foi feita.
No PSD há quem defenda a “reabertura” da discussão na sociedade civil, como a deputada Sandra Pereira.
De realçar que Rui Rio é favorável à eutanásia e defende, em qualquer circunstância, a liberdade de voto nesta matéria.
Na direção da bancada do PSD há nuances na posição assumida. Carlos Peixoto, vice-presidente da bancada, admitiu à Rádio Renascença a possibilidade de o PSD vir a apresentar a proposta de referendo. Mas só se a direção e os deputados estiverem de acordo. Já Adão Silva, primeiro vice da bancada, lembrou que, primeiro, o partido terá de se pronunciar sobre os projetos em debate no dia 20.
Pelo caminho surgem mais vozes do PSD a defender o referendo. É o caso de Mota Amaral, antigo presidente do Parlamento: “Sou a favor de um referendo”, limitou-se a dizer o antigo deputado ao i, sem se alongar em argumentos.
No PS, em 2018, dois deputados votaram contra a eutanásia: Miranda Calha e Ascenso Simões. Na atual legislatura só ficou Ascenso Simões, que assegurou ao i não ter mudado de opinião e que votará contra. Também são esperados os votos contra do secretário-geral adjunto, José Luís Carneiro, e de Pedro Cegonho. Mas os socialistas querem votar a proposta no dia 20, sem adiamentos.
Antecâmara do debate
Ontem, no Parlamento, assistiu-se a uma antecâmara do debate da próxima semana. Os defensores da eutanásia Pedro Bacelar de Vasconcelos (PS) e José Manuel Pureza (BE) optaram por usar a expressão morte assistida em vez de eutanásia. Bacelar de Vasconcelos considerou que o que está em causa é uma medida para “proteger e reforçar a liberdade e a dignidade humana” e Pureza colocou a questão na necessidade de se dar “resposta positiva às pessoas que conscientemente não querem ter um fim de vida mergulhado em agonia”. André Silva, do PAN, criticou o CDS, que levou o tema a debate.
A deputada centrista Ana Rita Bessa assumiu a estratégia do CDS, lembrando que a “pressão não é sensata” nesta matéria. E lamentou que o processo de aprovação ocupe apenas 157 minutos no próximo dia 20, sendo só 18 destinados a quem não defende a eutanásia.
Num momento ímpar de posições alinhadas, António Filipe, do PCP, acrescentou: “Um Estado que não garante os cuidados paliativos às pessoas (…) é o mesmo Estado que vai garantir as condições legais para que as pessoas possam pedir ao Estado que as ajude a morrer?” O PCP votará contra as propostas no dia 20, tal como fez em 2018.
O PSD ficou em silêncio neste debate, enquanto o Chega (que tal como o CDS apoia o referendo) defendeu que “cabe aos portugueses, e não apenas a um grupo de deputados, ter a última palavra” neste tema.
Entretanto, em Espanha, o Congresso abriu a porta à legalização da eutanásia. O processo deve estar concluído em junho.