Nas margens do Ebro, o segundo maior rio da Península Ibérica depois do Tejo, as habitações começaram a concentrar-se numa zona que, mais tarde, ficaria conhecida pela qualidade do seu vinho: La Rioja – isso, ainda no tempo das invasões romanas. O nome de Miranda, a que mira, aparece pela primeira vez num conjunto de documentos, o Codex Vigilanus, uma compilação ilustrada sobre a Hispânia, da Antiguidade até ao séc. x. Hoje, Miranda de Ebro é uma cidade com cerca de 40 mil habitantes da província de Burgos, particularmente orgulhosa da sua equipa de futebol, o Club Deportivo Mirandés, que amanhã, dia 13, irá até San Sebastian, no País Basco, defrontar a Real Sociedade na primeira mão da meia-final da Taça do Rei.
Dos quatro semifinalistas, o Mirandés é o único que não milita na i Divisão – os restantes são Granada e Athletic Bilbao –, mas o seu percurso até aqui é digno de encómios: Coruxo (5-4, após grandes penalidades); Murcia (3-2, após grandes penalidades); Celta de Vigo (2-1, após prolongamento); Sevilha (3-1); Villarreal (4-2). Muitos escolhos e a sempre necessária ponta de felicidade. Mas que ninguém diga que foi a primeira vez!
2011-12 Há oito anos, os jabatos ou javalis, como são conhecidos, tinham sido capazes de um feito semelhante. Também despacharam, na altura, o Villarreal, que parece ser uma vítima preferida, com 1-1 fora e 2-0 em casa (a prova era disputada em duas mãos em toda a sua totalidade, só esta época passou a haver duas mãos apenas nas meias-finais); o Racing de Santander, na altura primodivisionário (2-0 e 1-1); e o Espanhol (2-3 e 2-1), sendo eliminados na antecâmara da final pelo Athletic Bilbao (1-2 e 2-6). Momento inesquecível para um clube que nunca na sua história atingiu a divisão principal e milita atualmente na segunda.
A sua fundação data de 3 de maio de 1927, numa época em que o futebol fervia na cidade do Ebro, com clubes como o El Deportivo Mirandés, Sporting Club Mirandés, Deportivo Sport Club e Miranda Unión Club – um fartar vilanagem, para usar uma daquelas expressões de que o povo gosta, de São Paio de Gramaços a Óis da Ribeira.
Foi um dia que os que o viveram guardaram para sempre. Um grupo de amigos reunidos em La Perejilera, um famoso local de bailes e diversões, seguiram o notário Artur Garcia del Río na assinatura do documento que dava à região um novo agrupamento desportivo. Cipriano Gordo, um dos participantes na reunião, não teve dúvidas: “Vestiremos de vermelho e negro!” Todos concordaram. Afinal, Gordo foi um dos principais financiadores da aventura. Que envolveu uma democracia financeira: puseram-se à venda 666 ações no valor de 15 pesetas cada uma. Garcia del Río ergueu a sua voz sobre o ruído feliz que se instalara na grande sala: “Siempre nos regiremos en torno a unos criterios de humildad!”
Ficaria como palavra de ordem.
Quando, na passada quarta-feira, o Estádio Municipal de Anduva rebentou pelas costuras e albergou seis mil espetadores cujos corações aceleravam a cada minuto que passava, Miranda viveu uma tarde efervescente. Matheus Aias Barrozo Rodríguez abriu o marcador aos 17 minutos e os berros fizeram eco no vale do Ebro. O encontro passou a ser tomado pela emoção. Uma emoção descontrolada. Javier Ontiveros empatou sobre a meia hora, mas Martín Merquelanz devolveu a vantagem sobre o intervalo na marcação de um penálti.
Toda a gente acreditava. Toda a gente estava disposta a puxar pelos seus até que as vozes morressem enrouquecidas nas gargantas. Santi Cazorla, esse veterano de 35 anos que passou pelos londrinos do Arsenal, largou sobre os mirandeses a água gelada de novo empate. Mas havia muito fulgor no peito dos jogadores das camisolas vermelhas-sangue seco. Dois minutos mais tarde, Ondei Onaindia, o central de Lekeitio, junto à baía da Biscaia, voou para o terceiro golo. Já ninguém queria acreditar noutro resultado que não fosse a vitória. O regresso ao ponto mais alto da existência do Mirandés. O tempo parecia ter parado. Os homens de amarelo atacavam agora em golpes sucessivos, obrigavam os da casa a defender-se com unhas e dentes. Por mais de uma vez, a baliza de Limones correu riscos. Os suspiros de alívio sucediam-se a cada bola que falhava o alvo. Dois minutos depois dos 90, Antonio Sánchez Navarro deu o golpe de misericórdia e soltou as almas. Amanhã é outra vez tempo de fazer história.