Óscares. Os monstros e parasitas sagrados de Bong Joon-ho

Óscares. Os monstros e parasitas sagrados de Bong Joon-ho


Fez-se história na 92.ª cerimónia dos Óscares. Parasitas e Bong Joon-ho foram o primeiro filme e o primeiro realizador sul-coreano a vencer a estatueta mais apetecida.


“Sou uma pessoa muito estranha”, disse após a cerimónia, com ajuda de uma tradutora, Bong Joon-ho, realizador de Parasitas, filme que arrecadou o Óscar de melhor filme, realizador, guião original e melhor filme internacional. “O processo para fazer este filme foi o de sempre, mas conseguimos estes resultados incríveis. Ainda parece surreal, sinto que algo me vai acertar na cabeça e vou acordar deste sonho”. “It is really fucking crazy”, rematou Bong, mas desta vez sem a intervenção da tradutora.

Bong Joon-ho e Parasitas fizeram história. Não apenas foi a primeira vez que um cineasta e um filme da Coreia do Sul estiveram nomeados para o galardão de melhor filme como foram os primeiros a vencê-lo. Parasitas tornou-se assim, o primeiro filme internacional a ser considerado o melhor filme do ano.

O realizador de Okja, Snowpiercer, The Host e Memories of Murder é apenas o quinto realizador asiático a ser nomeado para o Óscar e foi o segundo a vencer o prémio – Ang Lee foi o outro vencedor. Hiroshi Teshigahara, Akira Kurosawa e M. Night Shyamalan também foram nomeados para este prémio.

Superar a barreira das legendas Depois de arrecadar a Palma de Ouro em Cannes e de o realizador lançar farpas às audiências anglo-saxónicas – “Ao ultrapassarem a barreira de 2,5 centímetros de legendas, vocês serão apresentados a muitos outros filmes magníficos”, disse Joon-ho na cerimónia dos Globos de Ouro, após vencer o prémio de melhor filme estrangeiro –, Parasitas entrou na cerimónia como um dos underdogs. O épico da Primeira Guerra Mundial, 1917, de Sam Mendes era considerado o favorito. No entanto, Mendes apenas levou para casa três prémios: melhores efeitos especiais, cinematografia e mistura de som.

O filme sul-coreano debruça-se sobre uma família com dificuldades financeiras que começa a parasitar os Park, uma família rica. O pai de família torna-se condutor, a mãe empregada de casa e os dois filhos tutores privados. Este filme é o culminar da carreira Bong Joon Ho que, ao longo da sua filmografia, ficou reconhecido pela forma como subverte estilos, ao misturar comédia, drama e terror numa embalagem inclassificável, e a utilização de metáforas “monstruosas” para transmitir os seus temas de estratificação social ou de crise ambiental.

Num artigo do site Film School Rejects Brad Gullickson lança o argumento de que em todos os filmes de Bong existe um monstro. Às vezes ele é bastante óbvio: na comédia negra The Host, uma criatura gigante mata centenas de inocentes; contudo, o verdadeiro vilão do filme são os “invasores” norte-americanos. Foram eles que poluíram o lago que originou o monstro e, mais tarde, invadiram o país de forma violenta, e sem ter em consideração as vidas dos sul-coreanos, para o matar (uma metáfora óbvia da Guerra da Coreia de 1950-53).

“Ao contrário de The Host, ou até o Snowpiercer, onde existe um motor que faz a narrativa avançar, que nestes casos é um monstro, no Parasitas não é necessário ver um monstro no ecrã”, explicou Bong em entrevista a Gullickson. “É daí que vem o verdadeiro medo. A família rica não é o vilão desta história. Mas o filme segue em direção a uma calamidade. Questionamo-nos porque é que isto acontece sem a presença de um monstro e é isso que nos faz sentir mais assustados e frustrados, não conseguimos ver a causa com os nossos próprios olhos”.

Prémios Previsíveis Apesar do inesperado sucesso dos parasitas sul-coreanos, o resto da cerimónia decorreu sem grandes surpresas. Depois de Heath Ledger em 2009 com O Cavaleiro das Trevas, agora foi a vez de Joaquin Phoenix receber um Óscar pela sua interpretação de Joker. No seu discurso, o ator, que já tinha sido nomeado em The Master, Walk the Line e Gladiador, fez questão de fazer apelos aos direitos dos animais e à solidariedade entre seres humanos. Phoenix falou ainda sobre os seus erros no passado: “Por vezes fui cruel e difícil de trabalhar e estou grato por me terem dado uma segunda oportunidade”, e concluiu com uma citação do seu falecido irmão River Phoenix. “Quando o meu irmão tinha 17 anos, escreveu uma letra que dizia: ‘corre para o teu refúgio com amor e a paz vai-te seguir’”. Apesar de estar nomeado em 11 categorias diferentes, Joker apenas ganhou dois Óscares, o de melhor ator principal e de melhor banda sonora original, entregue à islandesa Hildur Guonadóttir, responsável também pela banda sonora de Arrival, Sicário e da série Chernobyl, tornando-se assim a primeira mulher a vencer nesta categoria.

Apesar de já ter um Óscar em casa (quando 12 Anos Escravo venceu melhor filme do ano, era um dos produtores), Brad Pitt venceu pela primeira vez este galardão enquanto ator (secundário), pelo papel de Cliff Booth em Era Uma Vez em… Hollywood de Quentin Tarantino. O filme arrecadou ainda a estatueta na categoria de melhor produção de design. Brad Pitt, que já tinha sido galardoado com um Globo de Ouro e um BAFTA, fez questão de mencionar Donald Trump no seu discurso: “Disseram-me que só tenho 45 segundos aqui. São 45 segundos a mais do que o Senado deu a John Bolton esta semana”, referenciando o antigo conselheiro de segurança nacional do Presidente dos EUA, que não chegou a ser chamado para testemunhar no processo de impeachment. “Talvez o Quentin [Tarantino] faça um filme sobre isso, onde, no final, os adultos façam o correto”, rematou.

Renée Zellweger venceu o seu segundo Óscar pela interpretação da atriz e cantora Judy Garland, no filme Judy, uma das maiores estrelas da “Era de Ouro” de Hollywood que protagonizou O Feiticeiro de Oz no papel de Dorothy. No seu discurso, Zellweger fez questão de recordar a atriz que interpretou. “Apesar da Judy Garland não ter recebido esta honra no seu tempo, estou certa que este prémio é uma extensão do seu legado”. Pelo caminho ficaram Charlize Theron, Cynthia Erivo, Saoirse Ronan e Scarlett Johansson.

Depois de um ano com grandes atuações em Mulherzinhas e Marriage Story (filme que lhe valeu a nomeação), Laura Dern, no dia do seu aniversário, foi a vencedora do prémio de melhor atriz secundária. Dern, que já tinha sido nomeada pelas suas interpretações em Wild e Rambling Rose, fez questão de agradecer aos seus pais. “Alguns dizem, ‘nunca conheças os teus heróis’, mas eu acho que se formos mesmo abençoados, eles são os nossos pais”, referindo-se aos seus progenitores, Diane Ladd e Bruce Dern, duas lendas do cinema.

Noutras categorias, Toy Story 4, apesar de ter sido uma desilusão nas bilheteiras e entre os críticos, venceu o prémio de melhor filme de animação e Uma Fábrica Americana, documentário produzido pela produtora de Barack e Michelle Obama, foi considerado o melhor documentário do ano.