A justiça no palco da política


Deixar o ónus de encontrar respostas insatisfatórias à Justiça, nada resolve e apenas sobre-expõe os magistrados, erodindo-lhes a imagem de isenção e o prestígio público essencial ao exercício das suas funções.


“Trials of Justice, Law and Decline of Politics”, nesta obra surpreendente, pelo menos para nós europeus continentais, Jonathan Sumption sustenta uma crítica cerrada à utilização do sistema de Justiça para resolver problemas que os políticos não querem, não podem, ou não sabem resolver.

O autor do livro é um juiz Inglês que exerceu no Justice Supreme Court, de 2012 a 2018, mas que é também um historiador reputado e especializado na época medieval, o que, seguramente, lhe dá uma visão mais integrada da vida política do seu país.

No fundamental, a obra põe em questão o papel que a Justiça e os magistrados se atribuem a si próprios, quando solicitados a dar respostas, por via da interpretação da lei, a questões que, no fundo, segundo o autor, caberiam preferencialmente na competência do poder político.

Diferentemente de muitos autores continentais, e até porque inserido numa tradição de constituição não formal – não escrita –, o autor questiona as virtualidades da lei escrita para lidar com situações que, em rigor, nunca foram nelas previstas e que, por isso, exigem uma nova ponderação e decisão democrática por parte dos representantes do povo.

Como o autor refere, “(…) a lei não constitui um mundo próprio. Ela integra um muito mais vasto sistema de tomada de decisões públicas.”

É, com efeito, a partir desta premissa que o autor vai, depois, analisando o atual papel dos juízes e da Justiça em geral, num mundo complexo, mais informado – quando não deliberadamente desinformado – e, sobretudo, mais exigente do ponto de vista da participação democrática.

A sua visão das coisas – já o dissemos – resulta de uma tradição nacional que o próprio autor reconhece ser única e dificilmente exportável.

Essa constatação, contudo, leva-nos – como ele fez – a interrogarmo-nos, também, sobre a possibilidade de incorporar, de modo amplo, soluções legais que não se insiram numa dada cultura nacional.

A título de exemplo, o autor cita os casos da reclamação independentista da Escócia e da Catalunha e a forma, mais ou menos maleável, mais ou menos rígida – do ponto de vista político e legal – como eles, respetivamente, foram, ou podem ainda vir a ser solucionados, no Reino Unido e na Espanha.

Contesta ele, aqui, a solução judiciária que em Espanha se adotou para um problema que só politicamente poderá ter solução.

Ora, é este empolamento da utilização – deveria dizer aproveitamento politicamente desresponsabilizante ­- da Justiça para responder a questões que só o povo e os seus representantes no parlamento devem resolver que o autor contesta.

De algum modo, todos nós e especialmente os juristas temos experiência deste tipo de situações e das suas consequências nefastas para a cidadania e a Justiça.

Por vezes, deixam-se problemas a ferver em banho-maria, que se agravam e suscitam-se, depois, decisões judiciais ou interpretações jurídicas que, no seu afã de encontrar para eles uma impossível solução, nada esclarecem, e, não raro, até confundem.

O que autor clama é por uma assunção clara das responsabilidades políticas, que tanto deve partir do rigor das leis aprovadas, como desenvolver-se, quando necessário, a partir dos problemas nelas encontrados, através das correções exigíveis.

Deixar o ónus de encontrar respostas insatisfatórias à Justiça, nada resolve e apenas sobre-expõe os magistrados, erodindo-lhes a imagem de isenção e o prestígio público essencial ao exercício das suas funções: e disso, eles, por vezes, nem consciência têm dado a sua óbvia inexperiência política.

Concorde-se, ou não, com Jonathan Sumption, este livro deveria, por isso, merecer a atenção de magistrados e políticos.

No final, o autor adverte-nos de que “(…) democracias avançadas não são derrubadas. Não existirão tanques nas ruas, nem catástrofes repentinas, nem ditadores descarados, ou multidões ululantes. Em vez disso, as suas instituições serão impercetivelmente esvaziadas de qualquer coisa que as tornou algum dia democráticas”.

Boa e oportuna lição.


A justiça no palco da política


Deixar o ónus de encontrar respostas insatisfatórias à Justiça, nada resolve e apenas sobre-expõe os magistrados, erodindo-lhes a imagem de isenção e o prestígio público essencial ao exercício das suas funções.


“Trials of Justice, Law and Decline of Politics”, nesta obra surpreendente, pelo menos para nós europeus continentais, Jonathan Sumption sustenta uma crítica cerrada à utilização do sistema de Justiça para resolver problemas que os políticos não querem, não podem, ou não sabem resolver.

O autor do livro é um juiz Inglês que exerceu no Justice Supreme Court, de 2012 a 2018, mas que é também um historiador reputado e especializado na época medieval, o que, seguramente, lhe dá uma visão mais integrada da vida política do seu país.

No fundamental, a obra põe em questão o papel que a Justiça e os magistrados se atribuem a si próprios, quando solicitados a dar respostas, por via da interpretação da lei, a questões que, no fundo, segundo o autor, caberiam preferencialmente na competência do poder político.

Diferentemente de muitos autores continentais, e até porque inserido numa tradição de constituição não formal – não escrita –, o autor questiona as virtualidades da lei escrita para lidar com situações que, em rigor, nunca foram nelas previstas e que, por isso, exigem uma nova ponderação e decisão democrática por parte dos representantes do povo.

Como o autor refere, “(…) a lei não constitui um mundo próprio. Ela integra um muito mais vasto sistema de tomada de decisões públicas.”

É, com efeito, a partir desta premissa que o autor vai, depois, analisando o atual papel dos juízes e da Justiça em geral, num mundo complexo, mais informado – quando não deliberadamente desinformado – e, sobretudo, mais exigente do ponto de vista da participação democrática.

A sua visão das coisas – já o dissemos – resulta de uma tradição nacional que o próprio autor reconhece ser única e dificilmente exportável.

Essa constatação, contudo, leva-nos – como ele fez – a interrogarmo-nos, também, sobre a possibilidade de incorporar, de modo amplo, soluções legais que não se insiram numa dada cultura nacional.

A título de exemplo, o autor cita os casos da reclamação independentista da Escócia e da Catalunha e a forma, mais ou menos maleável, mais ou menos rígida – do ponto de vista político e legal – como eles, respetivamente, foram, ou podem ainda vir a ser solucionados, no Reino Unido e na Espanha.

Contesta ele, aqui, a solução judiciária que em Espanha se adotou para um problema que só politicamente poderá ter solução.

Ora, é este empolamento da utilização – deveria dizer aproveitamento politicamente desresponsabilizante ­- da Justiça para responder a questões que só o povo e os seus representantes no parlamento devem resolver que o autor contesta.

De algum modo, todos nós e especialmente os juristas temos experiência deste tipo de situações e das suas consequências nefastas para a cidadania e a Justiça.

Por vezes, deixam-se problemas a ferver em banho-maria, que se agravam e suscitam-se, depois, decisões judiciais ou interpretações jurídicas que, no seu afã de encontrar para eles uma impossível solução, nada esclarecem, e, não raro, até confundem.

O que autor clama é por uma assunção clara das responsabilidades políticas, que tanto deve partir do rigor das leis aprovadas, como desenvolver-se, quando necessário, a partir dos problemas nelas encontrados, através das correções exigíveis.

Deixar o ónus de encontrar respostas insatisfatórias à Justiça, nada resolve e apenas sobre-expõe os magistrados, erodindo-lhes a imagem de isenção e o prestígio público essencial ao exercício das suas funções: e disso, eles, por vezes, nem consciência têm dado a sua óbvia inexperiência política.

Concorde-se, ou não, com Jonathan Sumption, este livro deveria, por isso, merecer a atenção de magistrados e políticos.

No final, o autor adverte-nos de que “(…) democracias avançadas não são derrubadas. Não existirão tanques nas ruas, nem catástrofes repentinas, nem ditadores descarados, ou multidões ululantes. Em vez disso, as suas instituições serão impercetivelmente esvaziadas de qualquer coisa que as tornou algum dia democráticas”.

Boa e oportuna lição.