Chegaram a Lisboa às sete e meia da manhã e não foram de modas: escorropicharam um cálice de Porto cada um para fazerem, logo em seguida, frente ao nunca mais de jornalistas que os esperavam em Santa Apolónia, à porta da carruagem em que viajaram sozinhos desde Paris. Marcel Pagnol, esse faz-tudo – escritor, dramaturgo, realizador –, abria um sorriso de orelha a orelha, talvez pelos efeitos do cordial. Tinha acabado de filmar A Bela Moleira, um quadro amoroso da vida de Franz Schubert, e trouxera a esposa a Portugal antes de seguir para o Canadá.
Jacqueline Andreé Pagnol, que nascera Bouvier 28 anos antes, abafou as pretensões do marido de se debruçar, logo ali na gare, na dissertação sobre a obra que tinha em mãos, O Primeiro Amor. Os flashes dispararam furiosamente, mas na sua direção. Jacqueline tratara de se transformar no centro da atenção de repórteres e transeuntes. “Encanto, simplicidade, beleza – um rosto muito fino e longo, uma bonita testa com alguns caracóis a fingir reverências consentidas…” E depois, claro, aqueles olhos azuis, uns imensos olhos azuis, os olhos azuis que fizeram ainda mais azul o céu cálido de Lisboa.
Encantos Pagnol, o cineasta, entusiasmou-se pelo castiço da cidade. Por aqui e por ali, mulheres de xaile, ele que punha mulheres de xaile em todos os seu filmes. Ah, que panorama! Só lhe faltava a máquina a tiracolo e partir por ali fora filmar o povo, que parecia gritar por ele.
Mas vinha com uma tarefa bem mais burocrática. Iria juntar-se à Tobis, Lopes Ribeiro, José Luís e Luís Galhardo, para promoverem entendimentos comuns no universo da sétima arte. E tinha tempo à sua frente. Esperava ficar pelo menos um mês. Talvez desse para realizar um documentário, por curto que fosse: ah!, aquelas mulheres de xaile que lhe faziam recordar a Córsega, um dos locais que mais amou.
Mas mergulhou de imediato nos compromissos. Iria realizar o próximo Congresso dos Produtores Teatrais e vinha saber se poderia contar com a presença de José Hourcade, um dos que fizeram questão de ir esperá-lo à estação. Em seguida viria homenagem atrás de homenagem para a grande figura dos palcos franceses e mundiais, com a representação de uma das suas obras de maior sucesso, Fanny, com Lalande como protagonista.
Jacqueline, a senhora dos olhos de safira, queria passear, conhecer as maravilhas que lhe haviam descrito dessa Lisboa com tons de azul que pareciam espelhar os seus olhos claros. Levaram-na amavelmente em peregrinação lá do alto do Castelo de São Jorge à Torre de Belém, das árvores da Estrela às Portas de Santa Antão onde, pela noite, assistiria a um espetáculo de variedades, e a São Pedro de Alcântara, de onde espreitou uma suave tarde de fevereiro. O céu fez os seus olhos, que eram tão azuis que doíam.