Saem uns Óscares verdes para  a mesa do fundo

Saem uns Óscares verdes para a mesa do fundo


A Academia diz que quer fazer parte da mudança e, na senda da luta contra as alterações climáticas, vai servir maioritariamente comida vegan no Baile do Governador, ‘imitando’ assim a cerimónia dos Globos de Ouro.


Peixe salteado em manteiga, frango servido com feijão verde e batatas e, para terminar, bolos e gelado de baunilha. Um menu digno mas sem grande glamour, que hoje imaginamos mais num simples jantar de família. Embora com alguns arrebiques, foram estes os pratos servidos em 1929 no jantar de gala da primeiríssima cerimónia dos Óscares, recordava a revista Bon Appétit num artigo publicado há quatro anos. Entre 1929 e 2020, as refeições servidas tanto no almoço que antecede a cerimónia como no chamado Baile do Governador, o icónico jantar que sucede os prémios, têm sofrido alterações que, de certa forma, refletem os hábitos à mesa (norte-americana) dos tempos. Chegados a este ano, a mensagem é clara: é hora de ter atenção ao que se põe no prato, visto que o que comemos tem um impacto na saúde do planeta.

Ontem, os convidados contaram com um almoço completamente vegan e, à noite, o menu pensado para 1500 pessoas obedecia ao critério de ter 70% dos pratos completamente baseados em plantas. Os convidados sabiam ao que iam, uma vez que a decisão tinha sido anunciada há uma semana. Em comunicado, a organização lembrou que a Academia “era uma associação de contadores de histórias de todo o mundo” e que, assim sendo, tinha o compromisso de apoiar o planeta. “Nos últimos sete anos, a cerimónia teve uma pegada de zero carbono e continuaremos a expandir o nosso plano de sustentabilidade com o objetivo final de nos tornarmos neutros”, afirmavam, garantindo assim que este é mais um passo desse objetivo.

Apesar de algumas críticas – na revista Esquire, por exemplo, foi publicado um artigo de opinião em que se criticava o facto de esta decisão alienar as pessoas que não seguem uma dieta vegan – os aplausos não tardaram. E vieram, literalmente, da primeira fila. Leonardo Di Caprio, um dos nomeados, é um dos mais conhecidos militantes da causa ambiental (tema que puxou, aliás, para o seu discurso de vencedor do Óscar de Melhor Ator em 2016 pelo seu papel em O Renascido, de Iñárritu). Nesta matéria, esteve acompanhado por um fortíssimo wing man: Joaquin Phoenix, o favorito ao Óscar pelo seu papel em Joker [à hora de fecho desta edição a cerimónia ainda não tinha começado] e que é também um militante ativo da luta pelo planeta. A desflorestação da Amazónia ou os incêndios na Austrália fazem parte do tópico de problemas recentemente elencados pelo ator que é há muitos anos vegan. Foi, aliás, após o seu apelo que, à última hora, a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, responsável pela atribuição dos Globos de Ouro, escolheu um menu vegan para o jantar. Da carta inicial constava um prato com robalo do Chile, que acabou por ser substituído por outra confeção com cogumelos-ostra, escreveu a Variety, que deu ainda conta de que a opção era também uma homenagem ao ator. Phoenix acabou por levar para casa o galardão. No seu discurso, agradeceu o cuidado e, mais tarde, emitiu um comunicado sobre a opção da organização. “Ao reconhecer o impacto da pecuária na degradação do nosso planeta, [a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood) mostrou uma enorme liderança, tomando a ousada medida de reduzir os seus danos. Obrigado aos chefs brilhantes e a todos os que trabalham duramente para lutar contra os perigos ambientais que enfrentamos, ao apoiarem a celebração vegan dos 77.º Globos de Ouro”, notou.

Quase tudo verde Mas, afinal, o que se comeu então ontem nos Óscares? No Twitter, George Pennacchio, um repórter da ABC, tinha já publicado na semana passada o menu de almoço dos nomeados, cujo repasto contou com queijo vegan ou húmus, para começar. A entrada fez-se de “coração de alface, beterrabas assadas, endívias, citrinos de inverno e micro ervas”, tudo regado com “vinagrete cítrico de chalotas”. No prato principal houve “cogumelos maitake assados, arroz negro proibido, abóbora de inverno, couve flor e caril vermelho” e entre as sobremesas avistou-se uma “pavlova de kumquat” (um fruto com travo cítrico) ou macarons de coco.

Já no Baile do Governador a lista de iguarias estendia-se por incontáveis itens. Desde que este momento passou de um jantar formal para um momento estilo buffet que o número de pratos aumentou significativamente – e a festa de ontem não era exceção. Só que, entre essa miríade de pratos, 70% eram exclusivamente veganos, enquanto nos restantes 30 se encaixaram as opções vegetarianas, de carne e de peixe. E foi neste lote que o chef austríaco Wolfgang Puck que, pela 26.ª vez, foi responsável pelo catering do evento, incluiu alguns clássicos da festa, como as lagostas do Maine, as ostras, as batatas assadas com caviar (as preferidas de Brad Pitt, garante), os mini hambúrgueres de carne de vaca Wagyu ou as já famosas sanduíches de salmão fumado em forma de estatueta. “Trabalhamos com todos os produtos, porque, embora as pessoas gostem de comida vegan, a maioria come carne e peixe”, disse Puck na semana passada, citado pela AFP.

O chef de 70 anos, formado na escola de culinária francesa, contou que não é vegetariano mas que tal facto não o impede de gostar e de valorizar este tipo de comida. “É divertido para nós também. Queremos que todos fiquem felizes e, finalmente, podemos fazer comida vegetariana que realmente seja saborosa, sem tirar do cardápio a carne ou o peixe”, disse, não se mostrando desagradado com as novas diretrizes. O dono de dezenas de restaurantes espalhados desde Beverly Hills a Singapura já tem nos seus espaços menus de degustação deste género, por isso não ficou atrapalhado com esta exigência quase de última hora da Academia, afirmou. Juntamente com o seu batalhão de cozinheiros, levou para um banquete inédito tagines e cuscuz de legumes ou criações como a tempura de batata doce servida com aioli de hortelã e coentros. Nunca a moda dos verdes voou tão alto – nem soou tão bem.