O tempo tem vindo a adquirir outro valor e dimensão. Recordo as férias infindáveis do verão, os tempos de escola que nunca mais terminavam, os invernos que teimavam em não dar lugar à primavera, os dez anos que não chegavam – já nem falo dos 18 anos, que demoraram uma eternidade a chegar –, os dias longos que se somavam a semanas ainda mais longas… Olhando para trás, ainda me lembro como sentia a passagem do tempo, como se cada minuto e hora se cravejassem na minha pele e eu aguardasse pacientemente que o tempo fosse passando, como se desfilasse suavemente à minha frente, antes de virar cada página da minha vida.
Fui perdendo esse tempo. O tempo que hoje tenho nem sequer o consigo agarrar, numa tentativa de estancar o seu avanço, para recuperar o fôlego e voltar ao seu ritmo. O ritmo do tempo alterou-se. Dizer que acelerou seria um absurdo para Einstein, mas outros, como Kant, poderiam explicar esta perceção do tempo que está em mutação, a partir da minha subjetividade.
Com o avanço da idade e a aproximação natural do fim do nosso caminho e da nossa existência, compreende-se que o tempo ganhe uma nova preponderância nas nossas decisões e vivências, pelo conhecimento e experiência que vamos acumulando, que nos permitem reposicionar perante a finitude, tendo em conta a linha temporal.
O que não é tão compreensível é que as gerações mais novas, principalmente aquela que ainda não completou 18 anos, percecione o tempo de uma forma fugaz e revele incapacidade para valorizar a sua dimensão na própria existência quotidiana.
Para estes jovens adolescentes, o tempo também anda a passar muito depressa. De um momento para o outro, estão a iniciar o ano letivo e logo estão nos últimos testes de avaliação; as férias grandes deixaram de o ser, e na última semana de agosto lamentam-se que as férias foram muito curtas; ficam satisfeitos com a chegada do Natal, porque ainda ontem começaram as aulas e nem deram conta que já se passaram três meses – nesta idade, a unidade de tempo é em função do período escolar.
Já não é uma questão intergeracional, mas sim uma preocupação transversal a todas as idades, elevando-se a uma idiossincrasia destes novos indivíduos que nos tornámos.
Criámos uma cultura que nos desvia de nós próprios, colocando-nos permanentemente em modo de resposta ao estímulo externo, seja de que natureza for, bloqueando em simultâneo o nosso interior. O ruído exterior e as inúmeras solicitações diárias impedem-nos, por opção própria, de estarmos em contacto com o nosso equilíbrio interno. A contemplação e o silêncio deixaram de fazer parte do nosso quotidiano, momentos estes que geravam uma vida interior alternativa e cimentavam a nossa estrutura existencial com serenidade e consciência. Saber parar é permitirmo-nos aceder à nossa sabedoria interior e, distanciados do ruído, refletir sobre as decisões que temos de tomar, ou simplesmente orientar os dias com a antecedência necessária, em vez de simplesmente passarmos por eles.
O desafio dos dias de hoje é saber estar sem fazer nada por breves períodos. Parece simples, mas esta ilusão de simplicidade está gravada no nosso subconsciente porque já fomos capazes de o fazer. Abruptamente, abdicámos deste pequeno grande exercício que nos contrabalança a favor do que nos rodeia. Como se não bastasse termos alterado a nossa rota, formatámos os mais novos da mesma forma, que vivem ansiosos com o tempo ou a ausência dele porque não tiveram quem os ensinasse a não fazer nada.
Sempre que não preenchemos o nosso tempo, surge a opção de “desligar” o nosso sistema, aumentar a criatividade, sermos, consequentemente, mais produtivos nas nossas tarefas e, mais importante, prevenir crises de stresse, quadros depressivos ou esgotamentos. Os benefícios estão diretamente correlacionados.
A cronopatia é uma doença da sociedade em que vivemos – com dificuldades evidentes em gerir o seu tempo, a favor da sua saúde e bem-estar – que veio para ficar, a não ser que tenhamos consciência de que somos cronopatas crónicos e que temos de nos tratar.
Escreve quinzenalmente