Passam duas semanas desde que as autoridades chinesas proibiram as entradas e saídas de Wuhan, a cidade de 11 milhões de habitantes onde começou o surto do novo coronavírus. Desde então, as ruas ficaram vazias, o trabalho passou a ser feito a partir de casa e muitas das escolas, encerradas, estão a garantir que os alunos tenham aulas online. Centenas de estrangeiros foram repatriados, entre os quais os 20 portugueses em isolamento em Lisboa. Construíram-se dois hospitais no espaço de dias e a cidade está agora a converter um ginásio e dois centros de conferências em enfermarias, dispondo milhares de camas lado a lado para tentar garantir que ninguém fica sem resposta ou a propagar o vírus na comunidade.
Além de Wuhan, mais uma dúzia de cidades chinesas estiveram nas últimas semanas sob quarentena na província de Hubei, numa área com 50 milhões de pessoas, mas a epidemia não dá ainda sinais de abrandamento. Os casos confirmados continuam a multiplicar-se – ontem eram 24 630. Ultrapassado agora o período máximo de incubação do vírus desde o isolamento das primeiras cidades (14 dias), a perspetiva é perceber se o plano para conter uma disseminação maior do vírus funcionou e se os casos não aumentam exponencialmente noutras províncias chinesas, como aconteceu em Hubei ou mesmo fora do país – o que alguns peritos puseram em causa já que, antes da quarentena, pelo menos 5 milhões de pessoas, segundo o prefeito da cidade, deixaram Wuhan, naquele que é o período do ano com mais viagens para os chineses.
Os próximos dias serão decisivos para conter a propagação da doença noutros locais. Em Macau, os casinos vão estar fechados durante duas semanas, assim como as escolas, creches e parques infantis. O anúncio motivou uma corrida aos supermercados e farmácias, mas um português residente na cidade disse ontem ao i que o ambiente de histeria deu entretanto lugar a alguma calma, ainda que a preocupação seja notória. Foi pedido à maioria das pessoas para ficarem a trabalhar em casa, o que justifica o esvaziar das prateleiras, dado que na maioria das vezes comem fora durante o dia. Nas ruas, já não se vê ninguém sem máscara. A partir desta quinta-feira, até as igrejas passam a estar fechadas e as missas vão ser transmitidas online, informou a Diocese de Macau.
Em Hong Kong, depois de o Governo ter recusado o apelo de especialistas para o encerramento de fronteiras, o Executivo anunciou que todos os visitantes provenientes da China continental serão colocados sob quarentena durante 14 dias. Macau registava até ontem dez casos confirmados, e Hong Kong 21.
“Fora de Hubei, vemos alguns casos esporádicos, pessoas que foram maioritariamente infetadas em Hubei antes da quarentena”, disse na terça-feira Sylvie Briand, especialista da Organização Mundial da Saúde (OMS). “Queremos ter a certeza de que não teremos uma segunda Hubei”.
Ontem, em conferência de imprensa, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde apontou no mesmo sentido: “Até ao momento, 99% dos casos do novo coronavírus são na China e 80% dos casos na China são na província de Hubei. O número relativamente pequeno de casos fora da China [ontem eram 191 em 24 países] dá-nos uma janela de oportunidade para evitar que este surto se torne uma crise global maior”, afirmou Tedros Adhanom Ghebreyesus. Ainda assim, a Organização Mundial da Saúde quer que os países reforcem os seus planos de preparação para conter o surto e detetar precocemente qualquer caso que possa surgir, e anunciou o lançamento de uma nova estratégia, assim como a ativação de reservas de material da organização.
Vão ser distribuídos 250 mil testes para 70 laboratórios de referência em todo o mundo para que casos suspeitos sejam logo avaliados, mas também meio milhão de máscaras, 350 mil pares de luvas e 40 mil ventiladores, que para já serão distribuídos por 24 países. O diretor da OMS pediu também publicamente um fundo de 675 milhões de dólares para financiar os trabalhos dos próximos três meses – 60 milhões de dólares destinados às operações da OMS e o restante para os países em maior risco. “A nossa mensagem para a comunidade internacional é: invistam agora ou irão pagar mais depois”, disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, sublinhando mais uma vez que a principal preocupação da OMS é com o impacto de uma epidemia desta natureza em países com sistemas de saúde menos robustos.
Em Portugal, Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, afirmou ontem que “todo o cuidado é pouco” e que é preciso “treinar e capacitar”. O país está preparado para uma “eventual escalada de infeções”, referiu Graça Freitas, acrescentando que foi dada indicação aos hospitais para que os planos de contingência sejam atualizados e reformulados. Além disso, a Direção-Geral da Saúde, em parceria com a Autoridade Nacional da Aviação Civil, vai distribuir folhetos informativos a bordo dos voos diretos da China para Portugal, com informações sobre o que deve ser feito em caso de sintomas.