A cada quatro anos, o mundo político e mediático entra em êxtase com este momento. Exércitos de membros de base são formados para convencer eleitores um a um, jornalistas de todo o mundo perseguem os candidatos norte a sul e este a oeste, rios de dinheiro são gastos em propaganda política, e milhões colam-se aos ecrãs para seguir as sondagens ao milímetro. Como sempre desde a década de 1970, é no pequeno estado do Iowa que é dado o pontapé de partida das primárias, iniciadas esta segunda-feira.
O seu tamanho não é equivalente ao seu poder simbólico e influência no resto da corrida, não representasse o Iowa apenas 1% dos mais de 4 mil delegados a serem disputados. Mas é aqui que são dados os primeiros sinais e as primeiras perceções sobre quem é – e quem não é – um concorrente sério para ganhar o troféu da nomeação de candidato presidencial.
A mais de 270 dias do dia D (eleições presidenciais), uma vitória no Iowa ou um resultado que exceda as expetativas pode alavancar um candidato para o resto da corrida. Ou o seu contrário: eliminar concorrentes, reagrupando-os à volta de outro nome.
O tiro de partida é dado numa altura em que decorre o processo de destituição do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. E o número de candidatos democratas que lutam para enfrentar o polémico chefe da Casa Branca no final do ano é um dos maiores de sempre, com 11 concorrentes (não estão todos na infografia). Já foram 20.
Em boa verdade, o Iowa não tem primárias mas sim um caucus, como acontece em alguns estados. Qual é a diferença?
Primárias e caucuses A definição de primárias é muito simples. Os eleitores votam numa urna secreta na sua escolha para candidato, como em qualquer eleição geral. A soma desses votos, consequentemente, determina o número de delegados a distribuir por candidato de acordo com o seu resultado, e no caso dos democratas, essa distribuição é feita proporcionalmente. Mas com um senão: se um concorrente não receber, pelo menos, 15% dos votos, não tem direito a nenhum delegado.
Há outra coisa importante a notar. Dependendo dos estados, as primárias podem ser abertas ou fechadas. Ou seja, no primeiro caso, qualquer cidadão registado nesse estado pode ir votar no seu concorrente favorito. No segundo, tem que se ser membro do partido para se ter o direito a votar.
Portanto, o caucus é mais difícil de se entender, não se assemelhando de todo a uma eleição geral e com regras diferentes consoante os estados. Até foi alvo de críticas nas últimas primárias (Hillary Clinton ganhou o estado por uns meros 0,3% contra Bernie Sanders) por ser considerado um sistema arcaico, de difícil contagem dos votos.
Um caucus é semelhante a uma reunião partidária local, podendo ocorrer em ginásios, bibliotecas municipais, igrejas ou em escolas. Expliquemos o caso do Iowa, onde existem mais de 1600 lugares onde a votação decorre, de norte a sul do estado.
Imaginemos um ginásio. É escolhido o capitão de cada campanha e este ficará num lugar designado com a placa do concorrente x. Assim, na primeira votação, os participantes congregam-se à volta do candidato que representa a sua primeira escolha.
É feita a primeira contagem pelo presidente do caucus e voluntários. Os grupos com o apoio de pelo menos 15% do caucus são considerados “viáveis” e podem ganhar delegados. O grupo apoiante de um candidato que não atingiu esse patamar recebe o estatuto de “não viável”.
Finalizada essa primeira contagem e anunciados os resultados, os representantes de cada grupo (ou de cada concorrente) tentam persuadir quem votou nos candidatos “não viáveis” na primeira ronda.
A partir daqui há vários cenários. Dois grupos “não viáveis”, por exemplo, podem juntar forças ao escolher um desses candidatos e criar um grupo “viável”. Ou então simplesmente moverem-se para os grupos “viáveis”, individualmente ou em bloco. É realizada a contagem final, anunciados os resultados e alocados o número de delegados consoante a contagem.
Democratas Como Trump será sem qualquer sombra de dúvida o candidato presidencial republicano (as primárias republicanas até foram canceladas em alguns estados), focámo-nos apenas no Partido Democrata.
O senador do Vermont Bernie Sanders deu um salto nas sondagens (nacionais e do Iowa) nas últimas semanas. Juntamente com o proclamado socialista democrático, os candidatos com maior força são: o ex-vice-Presidente Joe Biden; a senadora do Massachussets Elizabeth Warren; o antigo presidente da Câmara de South Bend Peter Buttigieg; e a senadora do Minnesota Amy Klobuchar.
Há ainda o bilionário Michael Bloomberg, um dos homens mais ricos do mundo e dono da estação Bloomberg que anunciou a sua candidatura em dezembro. O antigo mayor de Nova Iorque pode ter uma palavra a dizer, segundo sondagens nacionais. Nem que seja por já ter esbanjado uma fortuna do seu próprio dinheiro no primeiro mês de campanha em propaganda: 188 milhões de dólares, um número sem precedentes.
Há dois campos políticos entre os favoritos, por isso também está em jogo uma batalha de ideias, de visões para o futuro do partido e do país. E, claro, qual o melhor nome para derrotar Trump em novembro. O campo progressista é representado por Sanders e Warren. Os moderados são: Klobuchar, Buttigieg e Joe Biden. A divisão deu-se no seio do partido aquando as primárias de 2016, onde Sanders enfrentou Hillary Clinton.
Os moderados democratas veem Donald Trump como uma aberração temporária do sistema e almejam um retorno à normalidade. Talvez a melhor ilustração deste campo resida em Joe Biden, pois tem repetido esta ideia imensas vezes: “Temos que recuperar a alma desta nação”.
Do outro lado, o campo progressista vê a eleição do atual chefe da Casa Branca como o produto de um sistema político e económico podre que deve ser substituído. Sanders apresenta-se como o mais radical dentro deste quadrante político. Considera-se socialista, em contraste com Warren que se afirma capitalista. As suas propostas abrangem a criação de um sistema de saúde completamente público, a eliminação (pelo menos em parte) da dívida estudantil, a maiores impostos sobre os mais ricos.
Os dólares angariados por campanha são um grande fator a ter em conta na capacidade dos candidatos se permanecerem na corrida e também na busca da vitória. E quem reina nessa estatística é o senador do Vermont, que foi o candidato que recebeu mais doações individuais até agora, segundo os registos da Comissão Eleitoral Federal: cerca de 1,4 milhões em 2019. Seguem-se Elizabeth Warren (892 mil); Buttigieg (741 mil); Joe Biden (451 mil); Andrew Yang (397 mil) e Amy Klobuchar (227 mil).