Há quem diga que Pieter Robert Rensenbrink falhou a imortalidade por centímetros quando, a 30 segundos do apito derradeiro da final do Campeonato do Mundo de 1978, a bola que saiu do seu precioso pé esquerdo foi embater no poste do guarda-redes argentino Fillol. Talvez tivesse entrado duplamente para esse lugar onde repousam os que jamais são esquecidos. Afinal, também fora o seu precioso pé esquerdo a colocar a mesma bola na cabeça de Nanninga para um empate aflitivo aos 82 minutos no “Partido de los Papelitos” do Monumental Luis Nuñez. Um silêncio tomou conta de mais de 70 mil gargantas enrouquecidas. E enlouquecidas. Holanda e Argentina foram obrigadas a jogar mais 30 minutos. A Laranja Mecânica, batida na final de quatro anos antes, em Munique, pela Alemanha Ocidental, resistia mais uma vez à desdita de jogar num ambiente hostil. O ambiente mais hostil de todas as finais. O fanatismo argentino, alimentado pelo ditador Videla, empurrou Kempes e Bertoni para os golos decisivos. Rensenbrink, o rapaz tristonho de Oostzaan, lugar dos subúrbios de Amesterdão onde nasceu no dia 3 de julho de 1947, desiludiu-se. Abandonou a seleção pouco depois, após uma derrota frente à Polónia (0-2) no apuramento para o Europeu de 1980. Logo em seguida deixou também o grande clube da sua vida, o Anderlecht, e rumou ao emergente eldorado do futebol americano para jogar no Portland Timbers. Jogou pouco: somente 18 jogos. Ainda mais 12 no Toulouse, então na ii Divisão de França. E o fim.
A serpente Rob Rensenbrink morreu no dia 24 de janeiro, aos 72 anos, vítima de uma terrível doença que lhe provocou uma vertiginosa atrofia muscular. Logo ele, a quem chamaram A Serpente, o esquerdino do repentismo e da velocidade indomável, que se aproximava quase desinteressadamente dos adversários para, de súbito, surgir já nas suas costas como se os tivesse atravessado ao jeito de um fantasma irrequieto. Sonhou com o Ajax. Mas qual era o jovem futebolista holandês que não sonhava com esse Ajax que Rinus Michels levaria ao topo da Europa? O sonho de Rob seria mais uma das mágoas que carregou o resto da vida. Nunca suportou verdadeiramente que o Ajax não precisasse da sua finíssima fantasia. Havia Cruyff. Havia Piet Kaizer. Não havia espaço para Rensenbrink. No Feyenoord, também não. Havia Moulijn. havia Van Hanegen. Rensenbrink emigrou para a vizinha Bélgica. No verão de 1969 estava no Brugge.
Muitas sombras escureceram a carreira de Rob. Dificilmente as suportou. Ser o delfim de Johan Cruyff, mesmo se apenas três meses mais novo do que ele, tornou-o mais soturno. Raras são as imagens que lhe guardaram um sorriso. Ainda assim, em 1974, já depois de se ter transferido para o Anderlecht, onde jogou ao lado de Van Himst e François Van der Elst, tornou-se indispensável para a Laranja Mecânica, que encantou o mundo com o seu futebol tão berrante como a cor das suas camisolas. Foi František Fadrhonc que o devolveu à seleção holandesa, na qual não tinha lugar desde os seus tempos de juventude do DWS. Michels reclamou-o como invenção sua, num posto de que Rensenbrink não gostava particularmente, sobre o lado esquerdo, mas ao qual teve de se adaptar porque o lugar onde lhe dava verdadeiramente prazer jogar, solto como ponta-de-lança que só aparecia de quando em vez no lugar de ponta-de-lança, tinha um proprietário inamovível: Cruyff. Abençoada Holanda essa! Michels deu liberdade a Rob. O carrossel funcionava dessa forma, jogadores saindo das suas posições, os companheiros ocupando-as, por sua vez, para que, finalmente, tudo voltasse à primeira forma. A dureza do confronto face aos brasileiros diminuiu Rensenbrink para a final. Sairia ao intervalo, incapaz de se impor, substituído por René van de Kerkhoff. Mais uma tristeza para a vida do rapaz triste.
Cruyff desistiu da Laranja, Ernst Happel fez de Rensenbrink o novo Cruyff, mas ninguém conseguia ser Johan Cruyff, nem mesmo Pieter Robert. Na Argentina, em 1978, jogando com o apoio de Rep e Haan na frente, foi imenso. Marcou cinco golos, três ao Irão, os outros dois à Escócia e à Áustria, falhou por centímetros aquele que daria à Holanda o título de campeã do Mundo que parece estar-lhe proibido. Ele, que hipnotizava os defesas como uma serpente e os deixava à distância que a sua rapidez cavava num segundo, ficou preso ao minuto 90, em que o Monumental mergulhou num silêncio angustiado enquanto a bola, tantas vezes sua amiga inseparável, o traiu com o poste em gesto de amante despeitada.
Rob não perdoou à bola. Tornou-se cada vez mais distante dela. Regressou a Oostzaan. Recolheu-se a uma reforma de sossego, dedicada às plantas do seu jardim e à paciência fundamental das horas de pesca. Aos que lhe pediam entrevistas, respondia com simplicidade: “Prefiro estar calado”. Tinha muito para recordar e pouco para dizer. Houve muitos que deixaram de o lembrar. Até que numa tarde de janeiro se encontrou com a morte e voltou a ocupar páginas de jornais. Sem uma palavra.