O recentemente empossado colégio de comissários, cujo programa de trabalho para 2020 será apresentado hoje no Parlamento Europeu, em Bruxelas, assumiu-se como tendo uma estratégia geopolítica e fez do pacto ecológico verde (Green Deal) a linha de referência dessa estratégia.
A visão de sustentabilidade e transição justa associada a essa estratégia é muito forte. Ela pode e deve funcionar como uma referência quer para fechar um ambicioso acordo de financiamento plurianual 2021/2027, quer para servir de guia ao desenvolvimento dos acordos e das parcerias internacionais e ao posicionamento da União nos conflitos globais que marcam o nosso tempo. Ter uma visão é muito importante, mas aquilo que garantirá credibilidade ou não a essa visão ou narrativa serão os recursos que a ela serão afetados e a forma como serão distribuídos.
De falta de ambição no discurso não podemos acusar a Comissão Europeia (CE). Para além de assumir metas ambiciosas no combate às alterações climáticas, no fornecimento de energia limpa, segura e acessível, no apoio à indústria para uma aposta mais forte na reciclagem e na economia circular, na melhoria dos processos de construção e renovação de edifícios, na neutralidade carbónica, na promoção da biodiversidade, da mobilidade inteligente e de práticas de alimentação mais saudáveis e sustentáveis, a CE propõe-se mobilizar 1 trilião de euros “verdes” até 2030 para concretizar o Green Deal.
O “dinheiro fresco” alocado à estratégia é, numa primeira análise, de duvidosa frescura. O programa viverá essencialmente da alavancagem, através dos mecanismos de garantias e bonificações do programa InvestEU, dos 25% do orçamento europeu que deverão ser canalizados para os objetivos do Green Deal, acrescidos de contribuições nacionais e recursos próprios da União, em particular no mecanismo de transição justa.
Por exemplo, os 100 a 125 milhões aplicados no mecanismo de transição justa agregarão um fundo de transição de 7,5 milhões que, em função das incorporações nacionais e de fundos estruturais complementares, pode disponibilizar entre 30 e 50 milhões, uma afetação específica do InvestEU de 45 milhões e empréstimos públicos e privados garantidos e bonificados pelo Banco Europeu de Investimento de 25 a 30 milhões.
Para dar força e credibilidade à Estratégia Europeia, a quantidade do investimento importa, mas a sua qualidade é determinante. O Green Deal só mobilizará os europeus e será globalmente inspirador se promover a descarbonização e a transformação da economia e da sociedade de uma forma convergente, com dimensão social e reduzindo as desigualdades.
Sem coesão não há sustentabilidade nem euros que por magia se transformam em euros “verdes”. Por isso, o Green Deal só poderá ser devidamente avaliado quando for conhecido o Programa Plurianual de Financiamento, que constitui a sua base e o seu suporte. Só com essa informação poderemos concluir que o trilião de euros a mobilizar são mesmo euros “verdes”, transformadores no plano social e económico e geradores de desenvolvimento, convergência e coesão, dando consistência a uma descarbonização justa e sustentável. Eurodeputado