Os investidores estão a reagir negativamente ao escalar da epidemia do coronavírus. Os mercados bolsistas têm, nos últimos dias, negociado no vermelho e o sentimento dominante é negativo. A garantia é dada pelos analistas contactados pelo i.
David Silva, analista da corretora Infinox, explica este comportamento: “Os investidores estão com receio de que o vírus possa chegar a outros continentes e ter um grande impacto na segunda maior economia mundial. Este receio levou a que os investidores vendessem as suas posições e arrecadassem alguns ganhos”. Ainda assim, lembra que, na última semana, as bolsas americanas (S&P500 e Nasdaq) e o DAX registaram novos máximos históricos.
Já Ricardo Evangelista, analista sénior da ActivTrades, defende que os investidores têm perdido interesse pelos ativos de risco, como as ações ou o euro, levando à queda do seu valor, e têm-se virado para os tradicionais ativos de refúgio: ouro, títulos do Tesouro americano ou divisas como o iene. Os alertas não ficam por aqui. De acordo com o responsável, a economia chinesa irá sentir o impacto da quarentena imposta a alguns dos principais centros urbanos, que já afeta as perspetivas de crescimento económico no curto/médio prazo e poderá, dependendo da duração das restrições, abalar a economia global.
Ao mesmo tempo, o analista lembra que continua a ser difícil prever o comportamento do vírus e, como as suas características podem potencialmente gerar uma pandemia, isso poderá provocar um impacto semelhante noutros países. “Em tal cenário, a corrida aos ativos de refúgio intensificar-se-ia, com as correspondentes perdas para os ativos de risco”, salienta.
A opinião é partilhada por André Pires. “O sentimento de risco leva a um desinvestimento, em especial, em ativos de risco como ações, levando à consequente queda nos índices. Neste caso em particular, o risco em causa é o de um aumento da taxa de mortalidade. Esse receio, se se materializar numa epidemia ou mesmo uma pandemia, pode levar as pessoas a saírem menos à rua, a evitarem os transportes públicos, a faltarem ao trabalho, a fecharem lojas, etc., ao ponto de estagnar a economia”, afirma o analista da XTB.
E agora?
As incertezas são muitas. David Silva admite mesmo que neste momento não é fácil apontar uma perspetiva futura, pois será importante perceber como se irá desenrolar toda a situação da epidemia e o impacto que ela irá causar no PIB chinês e a nível mundial. O analista da Infinox lembra que, neste momento, a China já está a limitar as suas importações e exportações, as entradas e saídas do país e, face a esse cenário, algumas empresas poderão sofrer fortes impactos na produção.
“Já se questiona até que impacto poderá a epidemia ter nos resultados da Apple no primeiro trimestre de 2020, sendo esta uma das empresas que mais contribuíram para a valorização bolsista em 2019”, acrescenta.
Petróleo afetado
Para André Pires, não há dúvidas. A negociação do preço do petróleo também está a ser afetado, com o valor desta matéria-prima a cair fortemente. A explicação é simples: há o receio de um impacto da procura de petróleo, em especial por parte de meios de transporte público e aviação.
“Apesar da perturbação na economia em geral, os surtos de vírus tendem a beneficiar as farmacêuticas. Por outro lado, as ações de empresas ligadas ao turismo, ao transporte e a bens de luxo tendem a ressentir-se com o sentimento de risco”, esclarece o analista da XTB.
De acordo com as contas de Ricardo Evangelista, o barril de crude desvalorizou mais de 9% nos últimos sete dias. “Neste momento, a postura é de risk-off, com os investidores a preverem que as restrições ao movimento e utilização de transportes na China causem, desde já, uma quebra na procura, que poderá acentuar-se no caso de um aumento da propagação do vírus e manutenção, ou mesmo expansão, das restrições”, diz ao i.
O analista da ActivTrades admite, no entanto, que a partir de agora tudo vai depender da evolução dos acontecimentos. “Persistindo o grau de incerteza em relação às taxas de propagação e mortalidade associadas ao coronavírus e se as preocupações se mantiverem ou crescerem, o impacto sobre o preço do barril de petróleo será, com certeza, negativo”.
Mas nem tudo são más notícias. David Silva, apesar de admitir que continua a existir um receio quanto a uma quebra da procura do ouro negro e que o preço possa cair ainda mais nas próximas semanas, lembra que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo estará atenta aos próximos desenvolvimentos e deverá controlar a produção de petróleo para que não haja excesso de oferta face à procura e para que o preço não fique abaixo dos 50 dólares por barril.
O cenário também não é animador no que diz respeito à negociação de divisas. E tendo em conta que o dólar americano é considerado como um ativo de refúgio, este tenderá a apreciar face ao euro, que já desvalorizou quase 1% durante os últimos sete dias.
“Não surpreende que, face a uma perda de apetite pelo risco, os investidores prefiram o dólar e vendam a moeda única, levando à desvalorização desta última. A performance deste par de moedas nos próximos tempos vai, naturalmente, depender da narrativa que dominar os mercados. Se a corrente preocupação face ao vírus se mantiver, alimentando a aversão ao risco, deveremos esperar um crescente domínio do dólar”, conclui Ricardo Evangelista.