“Os cabo-verdianos preferem Bragança às outras cidades. As nossas atividades atraem” Integração. É esta a palavra-chave que habita nos pensamentos em Bragança. Os acontecimentos das últimas semanas – e a morte de Giovani Rodrigues (ver texto ao lado) – abriram uma ferida na sociedade civil, mas enquanto as autoridades anunciam a intenção de “estudar” a noite naquela localidade, a população local prefere puxar pela memória até aos momentos anteriores à madrugada de 21 de dezembro. Todos tentam separar o trigo do joio.
À conversa com quem passeia dentro e fora do campus do Instituto Politécnico de Bragança (IPB), conclui-se que a dita integração há muito se tornou um processo corriqueiro e sem pedras. Por regra, fácil e rápido. Até mesmo um ponto de honra coletivo, elaborado para quem, muitas vezes, ainda se encontra a caminho do destino.
Óscar Monteiro trabalha no Gabinete de Imagem e Apoio ao Estudante do IPB. É natural de Cabo Verde, mas brigantino de adoção. E de coração. Ao longo dos anos tornou-se uma figura incontornável em Bragança, assumindo um papel com dois sentidos, junto da comunidade civil e estudantil. As atividades que organiza, elaboradas para receber bem quem chega pela primeira vez, ultrapassaram o seu propósito, servindo agora toda a comunidade, sedenta de coisas novas e diferentes. “Não fechamos a porta a ninguém”: é com este conceito que se apresenta à cidade.
Óscar Monteiro tornou-se uma espécie de embaixador de Bragança e do IPB em Cabo Verde, assumindo o papel de elo de ligação. “Procuro simplesmente ajudar quem chega”, refere. É sempre assim que se faz: “Em Cabo Verde, já se sabe que ao chegar basta procurar o Óscar. O meu trabalho passa por facilitar a integração de quem chega à cidade, apoiando nas matrículas, na procura de alojamento ou apenas dando a conhecer a cidade e a região”. “Um processo que poderia ser complicado, mas que com o trabalho que desenvolvemos se torna fácil e rápido”, explica.
O dirigente encontra nesta dinâmica, que conta com o apoio de todas as forças vivas da cidade (incluindo câmara municipal e empresas locais), a principal razão para a comunidade cabo-verdiana de Bragança ser, atualmente, a terceira maior em Portugal, apenas superada por Lisboa e Porto. “Destronámos Aveiro, Braga e Tomar, onde todos os anos chegavam muitos cabo-verdianos. Isso aconteceu graças àquilo que Bragança oferece, ao trabalho do IPB, da comunidade e da cidade”, diz. E concretiza: “Os cabo-verdianos dão muita importância às atividades que existem aqui. As nossas atraem. Temos desporto e festas. Já se sabe, o cabo-verdiano também gosta de festas”, sublinha.
Desporto, música e dança Domingo à tarde. Os Africanos entram em campo para mais uma jornada do campeonato distrital – é este o nome pelo qual é conhecida a equipa de futebol da Associação de Estudantes Africanos de Bragança/IPB. À volta do retângulo, dezenas de adeptos reúnem-se para gritar os golos de um grupo olhado como “clube da terra”. Ao olhar o público, de todas as idades e origens, conclui-se não existir melhor exemplo de integração. Foi Óscar Monteiro quem fundou o clube, em 2012. Hoje, a equipa convive no topo do campeonato, alimentando o sonho do futebol além-fronteiras. Alex Soares, 23 anos, é oriundo do Sal e chegou ao país carregando dois sonhos: a licenciatura em Música e o futebol profissional. Foi ao tomar conhecimento dos Africanos que escolheu Bragança. “Sim, a equipa foi decisiva. Os Africanos ofereceram-me a oportunidade de conciliar estudos e futebol, e isso foi decisivo”, afirma. A equipa tem servido de plataforma a novos talentos e já há exemplos de quem partiu para projetos (mais) ambiciosos. Alex Soares é o melhor marcador da equipa e prossegue o sonho do profissionalismo: “Há sempre esse objetivo. Nos Africanos posso mostrar o meu valor e procurar uma oportunidade”.
No Verão, o festival I Love Bragança é outro exemplo do impacto desta comunidade em Bragança. Anualmente, o evento reúne milhares de pessoas para uma maratona de concertos com vários artistas de renome, como Djodje ou Dino D’Santiago. Jovens oriundos de todos os pontos do país convergem até Bragança para ouvirem e dançarem ao ritmo crioulo. A iniciativa grita bem alto o sentimento que a comunidade cabo-verdiana nutre pela cidade. E tem portas abertas a todos os que queiram divertir-se.