O que esperar desta epidemia na China?
Temos um termo de comparação com o vírus SARS, também vindo da China, que na altura afetou 37 países, durou oito meses e matou quase 800 pessoas. Na altura houve um problema inicial, que neste caso parece não ter havido, que foi as autoridades chinesas terem escondido a situação. Sempre que aparece um vírus novo estamos a falar de um novo micro-organismo e de uma doença nova mas, do ponto de vista médico, hoje estamos mais amparados pela experiência do SARS e, depois, do MERS, que apareceu no Médio Oriente. Estamos mais bem preparados.
Quais foram as lições?
Percebeu-se que tinha de haver uma liderança forte, que foi a OMS. Em segundo lugar, percebeu-se que é necessária cooperação. Foi quando os países passaram a colaborar que a crise se resolveu. Em terceiro lugar, percebeu-se que uma situação destas não se resolve sem meios económicos, materiais e humanos, que foram cedidos pelos países afetados mas também pela OMS. Com o SARS descobriu-se também que era fundamental a quarentena, o isolamento. Quando um vírus é transmitido por via inalatória, como parece ser o caso, significa que facilmente dá a volta ao mundo em 24 horas.
A lei portuguesa não contempla a quarentena obrigatória. Seria necessário?
A Constituição prevê as situações em que a liberdade pode ser coartada e não inclui doenças infecciosas, apenas doença mental, mas penso que numa situação destas seria aceite por toda a gente.
Estes vírus são menos contagiosos do que os da gripe mas mais letais?
Depende. Nos últimos 100 anos tivemos quatro grandes mutações de vírus da gripe que deram origem a grandes pandemias. A primeira, a gripe espanhola, durante a Grande Guerra, foi a mais mortífera da História: no mínimo terão morrido 50 milhões de pessoas. Era de elevadíssima agressividade, ao contrário do que aconteceu 90 anos depois com o H1N1, em 2009. Ainda não sabemos a taxa de mortalidade deste novo vírus, mas no SARS foi elevadíssima: 10%. Na gripe que temos todos os anos anda em torno de 1%. No último inverno teremos tido mais de um milhão de pessoas com gripe e morreram cerca de 3 mil.
Estarmos no período da gripe no hemisfério norte tornará mais difícil o controlo da epidemia, até por serem sintomas parecidos?
Os vírus respiratórios são mais comuns no tempo frio, provavelmente porque estão mais adaptados, mas também pelo comportamento humano – estamos mais em locais fechados. Pode ser mais difícil fazer o diagnóstico, mas uma das coisas que também aprendemos com o SARS foi como diagnosticar e, a partir do genoma, é possível ter técnicas de diagnóstico PCR que permitem o resultado em cinco a seis horas. O principal fator de suspeita tem de ser se as pessoas estiveram em países com casos e a qualquer doente que chegue a um hospital português com um quadro gripal será necessário perguntar por onde andou. Neste momento é importante todos os profissionais estarem informados e haver um plano de contingência como tivemos no SARS. Na altura houve muito receio, houve dois casos suspeitos no Hospital Curry Cabral, mas nenhum se confirmou.