Marquês. Um primo foi ouvido várias horas para explicar muitos milhões

Marquês. Um primo foi ouvido várias horas para explicar muitos milhões


Primo de José Sócrates pediu para ir pela primeira vez depor pessoalmente na operação Marquês. Durante horas respondeu às questões do juiz e negou ter sido testa-de-ferro.


Foram horas de interrogatório. O primeiro em que José Pinto de Sousa, primo de José Sócrates, depôs pessoalmente começou às 14h e só acabou à noite. Até aqui, o homem que o Ministério Público suspeita ter sido testa-de-ferro (a par de Santos Silva) do ex-primeiro-ministro, só tinha prestado declarações por escrito, tanto na operação Marquês, como nos outros processos – como é o caso do Monte Branco, onde também é arguido.

Ontem à entrada do tribunal Central de Instrução Criminal José Pinto de Sousa nada disse aos jornalistas a não ser pedir que o deixassem passar. Já lá dentro, terá respondido ao juiz Ivo Rosa sobre várias questões colocadas, nomeadamente sobre as contas offshore por si tituladas na Suíça e pelas quais passaram os milhões que o MP acredita serem de José Sócrates. Segundo a tese da investigação, José Pinto de Sousa foi o primeiro testa-de-ferro de Sócrates, lugar que depois passou a ser ocupado pelo amigo de infância Carlos Santos Silva.

Durante a sessão de ontem, o primo de José Sócrates terá negado que tenha servido para lavar alegadas luvas que Sócrates teria recebido. Tendo inclusivamente referido que os levantamentos feitos não foram para entregar ao primo Sócrates. Ou seja, tentou demonstrar ao juiz que não colocou milhões na esfera do ex-primeiro-ministro através do esquema indicado pela acusação.

Recorde-se que o arguido foi acusado pela prática de dois crimes de branqueamento de capitais – um relativo a seis milhões de euros e outro de dois milhões de euros que terão sido entregues em numerário.

Durante a fase de investigação, dirigida pelo juiz Carlos Alexandre, o arguido respondeu sempre por escrito, através de cartas rogatórias. Mas nesta fase de instrução, liderada pelo juiz Ivo Rosa, foi José Pinto de Sousa que pediu para vir depor.

José Pinto de Sousa é dono do apartamento da Ericeira onde atualmente vive o ex-primeiro-ministro.

 

As palavras do procurador e as críticas da defesa

Na entrada para tribunal, perto das 14h, o procurador Rosário Teixeira, responsável pela investigação do caso Marquês, salientou que esta seria “a primeira vez que pessoalmente” José Paulo Pinto de Sousa seria ouvido. Não respondendo sobre o porquê de tal não ter acontecido antes – “terá de perguntar ao senhor, pelos vistos não foi ouvido nos outros processos” –, Rosário Teixeira deixou claro qual a sua expectativa para a diligência: “Já explicaram a matéria toda, há prova documental sobre esta matéria, vamos ouvir uma versão, mas não é decisiva. Não espero ouvir nada de novo”.

Também à entrada do tribunal a defesa de José Sócrates falou para lançar críticas aos jornalistas, fazendo referência a uma imprensa mais especializada em “tiro ao alvo”.

O causídico disse mesmo que há jornalistas que “aproveitam este momento para lançar acusações sem fundamento contra José Sócrates e contra os arguidos”. Sobre o facto de as notícias se basearem apenas na acusação, disse que esta é uma “tese que os jornalistas não se esforçam para confirmar”.

 

O que diz a acusação do MP sobre o primo de Sócrates

Segundo a acusação do Ministério Público, foi José Paulo Pinto de Sousa quem recebeu de Ricardo Salgado seis milhões de euros de contrapartidas propostas a José Sócrates para travar em 2007 a OPA da Sonae à PT, e que canalizou o dinheiro para fazer face às despesas de toda a família do ex-primeiro-ministro.

Esse dinheiro fora transferido para a Gunter Finance, uma das offshores de José Paulo, criadas por gestores do UBS que mais tarde cairiam nas malhas da investigação do processo Monte Branco – que desmantelou a maior rede de fuga ao fisco e branqueamento de capitais que operou em Portugal.

E as únicas notas que realmente parecem ter existido foram as que terão chegado às mãos de Maria Adelaide, mãe de José Sócrates, através do circuito montado por essa rede suíça, que utilizava o cambista Francisco Canas (que ficou conhecido como ‘Zé das Medalhas’), com loja aberta na Rua do Ouro. Era aí que os clientes de Canas se deslocavam. Os mais cuidadosos mandavam alguém de confiança e, no caso da Gunter, o dinheiro era levantado por Aurélio Alves, um funcionário de uma empresa da família Pinto de Sousa e homem de confiança de José Paulo. *Com Felícia Cabrita