China tenta controlar novo vírus mas o receio já é global

China tenta controlar novo vírus mas o receio já é global


Organização Mundial da Saúde decide hoje se declara o novo coronavírus uma emergência internacional. Pequim deu instruções para transparência e Wuhan cancelou celebrações do Ano Novo chinês. 


O nível de preocupação em torno do novo vírus identificado na China disparou com o número de casos confirmados a subir para mais de 300, e as autoridades chinesas avançaram ontem com medidas de força para tentar conter o surto de pneumonia atípica que já fez seis mortes no país. O Partido Comunista da China deu instruções para total transparência e o Presidente Xi Jinping pediu “esforços determinados” para travar a doença, mas o receio já é global depois de Tailândia, Japão, Coreia de Sul, Taiwan e, por último, os Estados Unidos terem confirmado os primeiros casos importados, de doentes que viajaram de Wuhan, a cidade no epicentro da crise de saúde pública e onde se pensa que a maioria das pessoas terão sido infetadas por animais. A evidência de contágio entre humanos, com 15 casos de profissionais de saúde que contraíram o vírus de doentes, faz aumentar o alerta, mas ontem, ao final do dia, o modo de transmissão e a contagiosidade eram ainda incertos.

Esta quarta-feira, a Organização Mundial da Saúde (OMS), que convocou uma reunião de emergência, deverá decidir se existem fundamentos para declarar uma emergência de saúde pública de importância internacional, como aconteceu com a gripe A em 2009 – que viria a ser a primeira pandemia do século – ou, mais recentemente, com as crises do ébola em África e do zika na América do Sul. Se tal vier a acontecer, a OMS poderá fazer recomendações aos países, nomeadamente aconselhar a restrição ou não de viagens e comércio. A declaração pode também facilitar angariação de verbas em caso de ser necessária ajuda humanitária.

 

O fantasma do passado

Se os próximos passos a nível internacional vão depender em grande parte da decisão da OMS, na China estão a ser incrementados os esforços para controlar a doença e também para passar a mensagem de que não estão a repetir-se erros do passado. Há 17 anos, o país foi acusado de encobrir a dimensão da epidemia do coronavírus SARS, da mesma família deste novo vírus, que viria a alastrar a 37 países, causando cerca de 800 mortes.

Só depois de um médico do Partido Comunista da China denunciar a situação à imprensa é que o país assumiu que havia mais casos do que os que estavam a ser reportados. Jiang Yanyong esteve 45 dias detido e tornou-se persona non grata, denunciando nos anos seguintes o massacre de Tiananmen. No ano passado foi noticiado que estava incontactável. Nos últimos dias, uma das vozes a assumir publicamente a preocupação de que se estará a repetir o mesmo tipo de encobrimento foi Peter Cordingley. Em 2003 era porta-voz da Organização Mundial da Saúde para a Ásia e na segunda-feira escreveu nas redes sociais que o Governo chinês está a mentir e que tem assistido ao mesmo “comportamento imprudente” de há 17 anos. “Obviamente, esta doença está a ser causada pela transmissão entre humanos. E isso assusta um Governo que sobrevive apenas por nunca dizer ao seu povo o que está a acontecer”, acusou.

Em 2003, o comité central do Partido Comunista da China prometeu punir dirigentes que acusou de terem falsificado estatísticas. Ontem, a comissão central de política e assuntos jurídicos do partido deixou um aviso duro na sua plataforma nas redes sociais: “Qualquer pessoa que colocar a face dos políticos antes dos interesses das pessoas vai ser um pecador para o partido”, citou o South Morning Post. “Quem atrasar ou ocultar deliberadamente a notificação de casos para seu interesse próprio será pregado no pilar da vergonha para a eternidade”.

 

Uma cidade cercada

Apesar de um estudo do Imperial College, no Reino Unido, ter estimado que há uma semana – dado o período de incubação do vírus antes de sintomas (cinco a seis dias) e a densidade populacional – deviam existir mais de 1700 casos na província de Hubei, até ao momento, a informação transmitida pelas autoridades chinesas tem sido encarada como verdadeira pelas instâncias internacionais, com o país a justificar o aumento de casos nos últimos dias com um novo teste do vírus mais eficaz e instruções para que as diferentes autoridades locais notifiquem os casos imediatamente após duas confirmações laboratoriais. Mas a informação chega a conta-gotas, com cada província chinesa a emitir diferentes comunicados e quase sempre em mandarim.

Wuhan, a cidade no epicentro da crise, que começou há um mês com uma forma misteriosa de pneumonia, está agora num estado de “quase quarentena”, relatou ontem a correspondente do Washington Post em Pequim.

As entradas e saídas da cidade de 11 milhões de habitantes estão a ser controladas e os carros estão a ser inspecionados para verificar o transporte de animais, já que não se sabe ainda que espécie transmitiu o vírus e se a fonte continua ativa. Os primeiros casos foram todos associados a um mercado de peixe local, encerrado no primeiro dia do ano, mas a investigação epidemiológica ainda não é conclusiva. As autoridades de Wuhan cancelaram também as celebrações do Ano Novo chinês e proibiram excursões turísticas para fora da cidade e ajuntamentos. Há agora críticas ao facto de inicialmente ter havido poucas medidas preventivas no aeroporto internacional da cidade, com voos diretos para mais de 50 destinos (ver mapa), nomeadamente a monitorização térmica, que permite despistar febre, um dos sintomas de infeção respiratória.

Segundo o relato da correspondente do Washington Post, as farmácias do país têm longas filas e a população tenta proteger-se com máscaras cirúrgicas. Em Wuhan, os hospitais estão sobrelotados. O receio de que a epidemia fique fora de controlo numa época em que aumentam as viagens no país para as celebrações do Ano Novo chinês, este ano a 25 de janeiro, é uma das principais preocupações.

Ontem, Gabriel Leung, responsável pelo departamento de saúde pública na Universidade de Hong Kong, fez um apelo à população para que seja honesta com os médicos e não esconda sintomas por receio de ficar em quarentena.

 

Veja aqui a infografia.

 

Portugal aguarda decisão  da OMS para definir medidas

A Direção-Geral da Saúde reuniu ontem uma comissão de peritos para analisar a evolução do novo coronavírus identificado na China, mas não avançou para já com o anúncio de medidas preventivas a nível nacional. O i apurou que são esperadas novas orientações na reunião da Organização Mundial da Saúde marcada para esta quarta-feira. Em comunicado, a DGS adiantou que o “objetivo da reunião foi avaliar a evolução da situação e definir, de forma proativa e coordenada, eventuais medidas a tomar, de acordo com o princípio de precaução na resposta em saúde pública”.

A DGS afirma que até à data não há evidência de transmissão sustentável de pessoa a pessoa e salienta que o Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças (ECDC na sigla inglesa) considera que existe baixa probabilidade de importação de casos nos países da União Europeia. Ontem, o ECDC, que considera que é necessária mais informação sobre o modo de transmissão do vírus, passou no entanto a classificar o risco de importação para a região europeia como moderado. O ECDC nota que há três aeroportos na UE com voos diretos de Wuhan, além das ligações indiretas. “A aproximação das celebrações do Ano Novo chinês no final do mês vão aumentar o volume de viagens de/para a China e dentro da China, o que aumenta a probabilidade de chegarem à Europa possíveis casos”. As estimativas apontam para que a população chinesa faça 3 mil milhões de viagens neste período festivo, com a concentração em comboios, aviões e autocarros a ser uma das preocupações.

Os EUA confirmaram ontem o primeiro caso importado, no estado de Washington. O doente é um homem de 30 anos que esteve em Wuhan e foi hospitalizado há uma semana em Everett. Quando regressou ao país, num voo que aterrou em Seattle, não estavam ainda implementadas medidas preventivas, que abrangem para já os aeroportos de São Francisco, Los Angeles e Nova Iorque. Os viajantes de Wuhan são levados para uma ala separada para preencher um questionário e estão sujeitos ao controlo de febre.