Famalicão. O banquete dos leões sob o sol fervente de Lisboa

Famalicão. O banquete dos leões sob o sol fervente de Lisboa


Dia 4 de fevereiro, no Estádio da Luz, os famalicenses voltam a disputar uma meia-final da Taça de Portugal. A segunda da sua história, 74 anos após terem perdido nas Salésias, frente ao Sporting, por uns avassaladores 11-0.


No próximo dia 4 de fevereiro, o Famalicão desloca-se ao Estádio da Luz para disputar com o Benfica a primeira mão da meia-final da Taça de Portugal. Momento bonito para uma equipa que não tem deixado de surpreender e que cruzou a linha da primeira volta do campeonato no terceiro lugar da classificação.

No dia 23 de junho de 1946, há quase 74 anos, o Famalicão também viajou até Lisboa para jogar uma meia-final da Taça – a única, aliás, da sua história até ao momento. Igualmente tempos de festa. Os famalicenses viviam os dias alegres da sua primeira subida à i Divisão. Os seus adeptos chegaram às Salésias com os corações ao alto, prontos para se divertirem, gozarem o sol de um verão novo, e levarem para casa recordações agradáveis. Não esperavam assistir ao furacão verde de um Sporting terrível.

A linha avançada dos leões era assustadora, convenhamos. Não estavam em campo os Cinco Violinos mas, ainda assim, sobrava categoria. Peyroteo e Albano tinham a companhia de Sidónio, Marques e Armando Ferreira. Daí para trás, os tremendos Barrosa e Juvenal. E Cardoso, Manuel Marques e Veríssimo na frente do enorme Azevedo.

Os minhotos tinham um guarda-redes com nome épico: Sansão. Um nome assim devia levar ponto de exclamação. Pobre Sansão: o céu caiu-lhe em cima da cabeça. Szabo, o húngaro, era treinador e jogador. Tellechea, o argentino, tinha uma técnica finíssima. Armando e Cerqueira, Ferrão e Adelino, Mendes, Sampaio, Pires e Gita fechavam o onze. Um sol soberbo banhava Lisboa e Tejo e tudo.

O início da partida foi de equilíbrio. Atacava mais o Sporting, como era de sua obrigação. Havia desconfiança. O Famalicão não chegara ali por mero acaso. Tivera um percurso de esforço premiado com vitórias importantes: 3-2 ao Olhanense; 4-2 ao Elvas – ambos grupos de primeira. Mas, enfim, os leões haviam devorado os seus dois anteriores opositores de forma voraz: 6-3 à Académica; 5-1 ao Vitória de Guimarães.

A partir dos 15 minutos já se instalavam no meio-campo contrário. Iam, a pouco e pouco, minando a resistência dos adversários. Adivinhava-se o golo.

Surgiu sobre a meia hora (27 m) por Barrosa, de penálti.

Já ninguém imaginava outra conclusão que não a vitória dos da capital.

Pouco depois, Veríssimo chuta com violência à trave, Sidónio faz a recarga, Sansão embrulha-se com a bola e cai com ela para dentro da baliza. Ouvem-se umas risadas. O lance era caricato, mas não para galhofa. Sansão fica estendido. Magoado não apenas no orgulho, mas também num ombro, incapaz de movimentar o braço direito.

 

Decisivo

O momento é decisivo. Sansão não suporta as dores e é obrigado a abandonar o relvado das Salésias. Adelino larga o seu posto de meio-campo e assume a coragem de defender a baliza. O golpe, no entanto, é fatal.

Sidónio faz o 3-0 uns segundos antes de o árbitro, Domingos Miranda, do Porto, apitar para o intervalo.

O que se segue é um massacre.

Sansão consegue regressar ao jogo. Está visivelmente diminuído. O que lhe sobra em empenho falta-lhe em agilidade, comprometidos que estão muitos dos seus movimentos. Sujeita-se à desgraça.

Peyroteo faz 4-0. 

Não dá mais para o keeper de Famalicão. O seu esgar de dor comove o público. Retira-se em definitivo sob aplausos vibrantes.

O leão não tem contemplações e, vendo bem, não tem de ter. O futebol é mesmo assim, jogo ingrato, por vezes, mas sem lugar à piedade. A lealdade em relação aos adeptos e até mesmo aos adversários, a despeito de enfraquecidos, obriga ao máximo do esforço.

Vagas ofensivas empurram o Famalicão para junto da sua grande área. A equipa de Szabo, que grita encorajando os companheiros, entrincheira-se como consegue, mas não consegue muito.

A derrota é tão evidente como brutal.

Peyroteo faz o 5-0 com um remate poderoso que deixa Adelino pregado ao solo.

As pessoas, nas bancadas, perguntam umas às outras quantos golos marcará o Sporting. Tudo se resume a uma questão de os ir contando.

Armando Ferreira marca o 6-0.

Lutam como podem os famalicenses. Ninguém os poderá acusar de falta de valentia, de se deixarem desanimar pela goleada terrível.

Mas ainda terão muito que sofrer. Szabo aleija-se. Nem para figura de corpo presente serve.

São agora nove contra onze.

Sidónio faz 7-0. Armando Ferreira faz 8-0.

Que tormento. Que martírio!

Os leões já não têm fome. Limitam-se, agora, a trocar a bola sem ânsias, o avolumar do resultado faz-se com naturalidade mas sem pressa.

Tellechea e Adelino são as vítimas seguintes. O Famalicão fica reduzido a sete jogadores em campo. A festa programada da meia-final da Taça tornou-se um tormento. Não há nada mais para fazer do que esperar que o tempo passe, que os 90 minutos se esgotem de vez.

Sidónio, Barrosa, de penálti, e Manuel Marques fecham o resultado em 11-0.

Na final do Jamor, o Sporting irá bater o Atlético por 4-2. Vinte e seis golos em quatro jogos. Impressionante.

O Famalicão voltará a uma meia-final 74 anos depois. Ou seja, agora.