O Filme do Bruno Aleixo. Isto não é um episódio grande, seu burro

O Filme do Bruno Aleixo. Isto não é um episódio grande, seu burro


O ewok conimbricense mais famoso do mundo chega esta semana ao cinema. Conversámos com os seus criadores sobre um pouco de tudo.


O ewok protagonista de um talk show, voz de rubricas radiofónicas como Aleixopédia, Aleixo.fm ou Aleixo Amigo, chega ao grande ecrã para figurar na sua primeira longa-metragem, cuja trama surge depois de uma produtora pedir a Bruno uma ideia para realizar um filme biográfico e de os personagens recorrentes discutirem as diversas possibilidades de como o traduzir para o grande ecrã. João Moreira (voz de Aleixo, Renato Alexandre e Homem do Bussaco, entre outras) e Pedro Santo (voz de Busto), criadores deste universo, assumem o cargo de realizadores de O Filme do Bruno Aleixo, que chega às salas na próxima quinta-feira.

 

Como surgiu a ideia para fazer este filme?

João Moreira (JM): A ideia surgiu diretamente da produtora, O Som e a Fúria. Não tínhamos nenhuma ideia nem propusemos nada, foi o contrário. Caso nos venhas a perguntar se estava nos nossos planos fazer um filme: sim, no abstrato. Mas não tínhamos nada em concreto, tivemos que começar do zero.

Pedro Santo (PS): E era um abstrato muito longínquo, era uma coisa quase de conversa que não leva a lado nenhum.

JM: Até tínhamos dúvidas de que as próprias personagens aguentassem e funcionassem mais de uma hora [num filme]. Por isso nunca foi algo que procurássemos ativamente, até ao momento em que, de facto, surgiu uma proposta séria. Não foi um caso em que disseram só para fazermos um guião, uma coisa que acontecia muitas vezes: escrevíamos guiões para séries, para campanhas de publicidade e depois nunca avançava.

PS: O nosso trabalho estava feito, era submetido a uma entidade, mas depois não avançava. Pela nossa experiência, o que nos aconteceu [com a O Som e a Fúria] não é muito comum. Fazerem uma proposta formalizada com um guião pago logo, avançasse ou não. Mas como a proposta foi tão convincente e a O Som e a Fúria  era bastante conceituada, na altura tinham lançado o Tabu, e o Miguel Gomes estava a fazer o As Mil e Uma Noites, decidimos então arriscar, se bem que era um risco controlado.

PS: Arriscado porque não sabíamos se a personagem e o universo iam funcionar em filme.

JM: Estava a falar do risco financeiro, em estar a trabalhar para nada, algo que aconteceu muitas vezes. Havia canais de televisão que nos diziam: ‘Querem fazer uma série? Mandem aí três ou quatro guiões e depois escolhemos um’.

PS: Talvez no cinema seja diferente e sejam mais sérios. Também não estou a ver ninguém a escrever três ou quatro guiões para ficarem na gaveta.

JM: Se calhar até há. Mas, como no nosso caso estávamos mais focados em trabalhar para a televisão e o online, não tínhamos nenhuma ideia na gaveta.

A forma como a proposta surgiu é um pouco refletida no filme.

JM: Tivemos umas versões draft que fomos desenvolvendo ao longo dos tempos, mas entretanto fomos fazendo outras séries com esta produtora, como o Aleixo Psi, a Copa Aleixo 2014, e este projeto foi ficando em águas de bacalhau. Não achávamos que o guião estivesse bem e demos-lhe uma volta, este foi o resultado final.

Quais é que foram as ideias que ficaram de fora?

JM: Algumas estão dentro do próprio filme, simplesmente alterámos um bocadinho.

Isto acaba por ser um pouco um filme dentro de um filme.

PS: Sim, no primeiro filme o nosso objetivo era ter estéticas distintas: a premissa era a de que o Aleixo tinha vendido o seu talk show a vários países, ele era o produtor executivo e cada um tinha a sua versão com a sua linguagem específica. No Brasil, o talk show era feito com atores brasileiros muito conhecidos que tínhamos escolhido, entretanto um deles já morreu. No Japão era tipo manga. Depois, ao obter muito sucesso, o Aleixo acabava por ser vítima de uma chantagem. Há partes do filme de acção que também estavam nesse, mas de resto não me lembro de mais nada.

JM: Se calhar estamos aqui a revelar mais do que devíamos, Santo. Mas a ideia de ter várias linguagens dentro do próprio filme estava refletido desde o início. Queríamos fazer a versão do talk show em vários países, mas neste caso fizemos ao contrário, pusemo-los a imaginar várias versões diferentes das histórias.

Foi essa a forma que encontraram para que o filme fosse mais do que apenas um episódio grande?

JM: Foi, porque em vez de teres uma história esqueleto, tens um esqueleto que é uma conversa. E é daí que surgem as histórias, resultados desse brainstorming. Portanto, o grande esqueleto é a troca de ideias.

PS: E assim é perfeitamente válido ter os atores a fazer de personagens.

JM: Aí acabas por justificar usar atores portugueses enquanto a outra versão obrigava a usar atores de várias nacionalidades, o que era mais complexo.

Quando estava a ver o filme e vi as personagens em torno de uma mesa de café a discutir as ideias para o filme foi assim que vos imaginei no processo de criação deste filme. Como foi o processo?

JM: No nosso caso foi cada um em sua casa atrás do computador.

PS: Noite adentro.

JM:making of do filme seria isso, o senhor [Santo] atrás do seu computador e eu atrás do meu.

PS: Nunca fazemos aquilo de ‘vamos encontrar-nos ai para ter ideias’. Se estiver em Coimbra ou em Lisboa para gravarmos os programas de rádio, juntamo-nos antes num café e eu conto-lhe as ideias que vou tendo.

JM: Às vezes tenho uma ideia para contar ao Santo, mas prefiro guardar para lhe contar ao vivo, porque estar a escrever é uma seca do caraças. Ainda por cima o Santo não gosta que lhe envie mensagens de voz.

PS: Eu gosto, mas não respondo. Ouço só em casa, ou na rua.

JM: Agora estar a escrever e a explicar a ideia por escrito é chato. A única coisa boa é que depois ela fica lá guardada e se eu me esquecer posso ir lá procurá-la.

Ainda moram em Coimbra?

PS: Moro há 20 anos em Lisboa

JM: E eu estou em Coimbra há cinco.

O João tem fama de não ser muito fã da capital. Gosta de vir a Lisboa?

JM: Não, é bom variar um bocado, tem lados bons e maus.

Como foi trabalhar neste novo formato? Acharam muito diferente do trabalho que tinham feito até então?

JM: É muito diferente dos outros formatos que já tínhamos feito. Tirando a parte do guião, que já tínhamos falado, que teve de ser adaptado, a maior novidade foi gerir uma equipa muito grande. O mais semelhante que tínhamos feito foi quando trabalhámos no Aleixo Psi, mas éramos uma equipa de quatro pessoas.

PS: Para mim a maior surpresa foi a fase de pré-produção. Só no tempo que gastamos em reuniões de produção tínhamos feito uma série de TV. São muito espaçadas, mas tem que ser assim. No terreno, quando começámos a ver o planeamento das cenas e nos disseram que no primeiro dia íamos filmar só duas, fiquei a pensar ‘então mas não fazemos logo umas cinco?’. Mas de facto é assim, envolve toda uma logística que não estávamos habituados, como lidar com as luzes, por exemplo.

JM: Quando estamos a gravar um diálogo, para nós é fácil. Filmamos uma pessoa e depois pomos um boneco, só precisamos de uma fotografia. Neste caso não, temos que filmar duas pessoas, iluminar cada cena de uma maneira especifica.

PS: É exaustivo, trabalhamos seis dias por semana, e está tudo muito organizado, algo que nós sozinhos nunca iríamos conseguir fazer.

JM: Tinhamos que conciliar os diferentes projectos dos atores envolvidos. Havia atores que foram gravar cenas à Anadia e no mesmo dia estavam a fazer peças aqui [em Lisboa].

Depois desta primeira experiência no cinema gostavam de fazer mais projectos deste tipo?

JM: Eu gostei. Uma coisa que não valorizamos muito, mas que tem que ser valorizado, e isso deve ser o grande problema das sequelas, foi que este guião respirou durante muito tempo.

PS: Olhe que não foi assim tanto tempo.

JM: Começámos a trabalhar nele desde 2013.

PS: Mas esse guião era bastante diferente.

JM: Opá, está bem, mas fizemos este guião porque percebemos que o outro não estava bem. Conseguimos ter tempo para olhar para o guião passado um ano ou dois e perceber: "Se calhar não está assim tão bom". Merdas escritas à pressa nunca dão bom resultado, é preciso tempo. Claro que obviamente com o tempo as pessoas vão percebendo as manhas, o que resulta e não resulta, mas se tivesse feito o filme logo não tinha corrido tão bem.

PS: Não temos termo de comparação, mas, pelo que fui percebendo, os pequenos stresses que aconteceram não se comparam com o que acontece tendencialmente nas rodagens.

JM: Também as gravações foram curtas, foram duas semanas.

PS: A equipa era porreira e foi bem escolhida.

JM: Quando são equipas grandes, com o pessoal a dormir mal, passado muito tempo começam a bufar.

PS: Outra coisa boa foi termos estado todos lá, exceto os atores que tinham outras responsabilidades.

JM: Estávamos a dez minutos de qualquer set de filmagem, em Lisboa era impossível.

PS: A equipa foi muito porreira. Mesmo sendo a nossa primeira vez a dirigir um filme, o diretor de fotografia [Manuel Braga] estava sempre disposto a ouvir os nossos semi-delírios. Portanto correu tudo bem.

Os atores eram fãs do Bruno Aleixo?

JM: Havia alguns que não conheciam, como o Adriano Luz ou o José Neto. O José Lagarto não fazia ideia do que estava a fazer.

PS: O Rogério Samora conhecia um bocado. Havia alguns que misturavam um bocado com outra coisas.

JM: O [Gonçalo] Waddington conhecia.

PS: Era muito estranho ver as cenas a serem filmadas. Conhecemos muito bem o guião e apercebermo-nos que aquelas pessoas não sabiam bem o que era aquilo.

JM: O guião está mais ou menos claro na nossa cabeça. Há um episódio, que é um dos meus preferidos, que se passa numa república e no guião está escrito: "Ribeiro cumprimenta toda a gente durante dois minutos". É preciso imaginar aquilo para perceber que vai funcionar. Para quem não esteja na mesma frequência que nós, não vai perceber esta parvoíce nem o que está a acontecer. É normal isto acontecer em alguns tipos de comédia, quem não estiver na mesma frequência ou que não conheça o nosso tipo de linguagem, não está a perceber porque é que as coisas acontecem e pensam: "Onde é que está a graça nesta situação?".

Essa foi uma boa maneira de fazer levar os silêncios da série para o filme.

JM: Sim.

E já ponderam adotar outros projecos fora do universo Aleixo?

JM: Estamos há 12 anos com isto e a verdade é que nunca tivemos grandes projetos fora deste universo. Fomos fazendo umas coisitas, mas também nunca surgiu nada de especial. Não é uma coisa que desgostasse de fazer, mas para já nunca surgiu oportunidade. Vamos fazendo outros projectos e encomendas, mas não são coisas que não nos preenchem. Sem demérito nenhum.

Como foi gravar em Coimbra, a vossa terra natal?

PS: A minha terra natal é Leiria.

JM: Gravámos muito pouca coisa em Coimbra, gravámos quase tudo em Anadia, que não é terra natal, mas é a terra dos meus pais. Aliás, a nossa terra é onde estão os nossos mortos, é o que costumo dizer.

PS: A minha terra é Leiria.

JM: Os seus mortos estão ai enterrados?

PS: Eu não tenho muitos mortos. "Os meus mortos", que conversa de velho…

JM: Os meus estão todos no mesmo cemitério.

PS: Mas você pode dizer isso antes de ter 70 anos?

JM: Então… está o meu pai, o meu tio, três avós, quer dizer… os meus mortos estão todos lá.

PS: E você também vai para lá?

JM: Eu gostava, mas a capela já está cheia.

PS: Você vai é para uma vala comum algures no Leste Europeu.

JM: Às vezes imagino que os enterrados eram embrulhados num pano tipo Jesus. Jesus foi embrulhado num pano.

Já ponderou ser cremado?

JM: Não quero. Não quero ser cremado, quero ser embalsamado.

PS: Mas foi sobretudo bom gravar nessa zona porque se come bem e acho que é essencial no final de um dia de trabalho.

JM: O Santo estava cético em relação à Bairrada, porque as pessoas acham que só se come leitão.

PS: O que normalmente acontece é que as terras se especializam em determinados pratos e depois desleixam-se no resto.

JM: O problema é que, como o leitão é comida de festa, as pessoas habituam-se a ser muito bom, portanto as outras comidas também têm de ser relativamente boas para não haver um contraste muito grande. Não podes estragar uma comida de festa que é genial e depois o resto é porcaria.

Para além de leitão, o que é que comeram mais?

JM: Íamos comendo muita coisa.

PS: Chanfana…

JM: Rojões, frango de churrasco bom…

PS: Não comemos muito peixe, verdade seja dita.

Anadia também não é terra de peixe.                        

PS: O mar não é longe.

JM: Tens a praia de Mira lá perto e a Tocha, portanto tens peixe relativamente fresco. Acabas é por ter mais peixe de pobre, que a minha avó comia, como bacalhau. De vez em quando se houvesse sardinhas e carapaus comia-se sardinhas e carapaus e só, não havia acompanhamento.

PS: Também comemos espetada terra e mar, que aparentemente é uma especialidade de lá. Nunca vi aquilo em mais lado nenhum.

JM: Mas há em muitos sítios. É uma espetada que tem umas gambas e umas lulas com uns pedaços de carne.

Imagino que não gostes de vir a Lisboa por causa da comida.

JM: Não só, mas também.

PS: Comida até gosta, porque quando o Moreira está cá tendemos a ir a restaurantes étnicos, coisa que não há muito lá.

JM: Agora há um indiano em Coimbra a que gosto de ir. Antigamente, sempre que vinha cá, tinha de ir ao indiano ou ao chinês, mas continuo a ir. Agora há um vietnamita aqui ao lado [do cinema São Jorge], temos que ir lá experimentar.

PS: Não temos que ir, mas podemos ir.

JM: Entre hoje e amanhã temos que ir ao vietnamita.                  

Voltando ao filme, como foi representar no vosso próprio filme?

JM: Muitas vezes podia ser uma pessoa qualquer, aliás, às vezes até era o que estava escrito no guião: "um gajo qualquer".

PS: Um drogado do teatro de cabelo comprido. Foi uma experiência tranquila mas, quer dizer, eu não chamaria a isso representar, são papéis pequenos.

JM: Eu já tinha aparecido no Aleixo PSI, era o Igor. Um amigo meu faltou às gravações porque foi em digressão com a companhia de teatro dele e eu acabei por representar o papel. Foi um papel muito estranho porque sou eu a falar com o Bruno Aleixo. Sou eu a falar comigo próprio.

PS: Eu também entro no filme, mas a parte que eu faço é uma figuração.

JM: Mesmo o meu papel não é muito grande.

PS: Sim, é só olhar quase. Mas por exemplo o [Fernando] Alvim nessa parte também tem só que olhar e falar e é muito mau ator. Mas como é o Alvim… Não está ali como ator. É mais uma razão para ele estar ali. Se repares o Bussaco e o Aleixo escolhem atores que eles conhecem porque são mais vividos, e o Renato, que nem os conhece muito bem, quando é a vez de escolher atores, escolhe o Alvim, alguém que e é DJ como ele.

As escolhas de atores são perfeitas, eles encaixam que nem luvas. Como é que decidiram o cast?

PS: Foram quase todos de cabeça.

JM: A maior parte foi primeira escolha e estavam logo contemplados no guião. Foram aqueles que achámos que encaixavam bem. Claro que sabemos que tínhamos acesso a eles por causa da ligação à O Som e a Fúria, mas dentro do leque deles eram perfeitos para o papel.

Sentem que este é o pico de fama do Bruno Aleixo?

JM: Até ver, é.

PS: Talvez seja, vai ter mupis, vai ter publicidade nos autocarros. Além disso, foi com este trabalho que fomos até ao Brasil. O produto já tinha ido, mas nós fomos apresentá-lo pela primeira vez.

Porque é que sentem que isso aconteceu agora?

PS: Demorou, e ainda bem que demorou, se isto tivesse acontecido quando teve o  seu primeiro hype…

JM: Nós tivemos o nosso primeiro hype, mas depois desaparecemos um bocado.

PS: A internet também mudou o panorama, o Aleixo quando aparece e explode é um produto de net. As coisas antes tinham uma organidade diferente, agora há muito mais conteúdo, é difícil destacares-te. Quando surgimos foi um período muito específico e correu bem. Nós também tivemos uns períodos parados onde não fazíamos nem rádio nem TV. Agora estamos na rádio há três anos seguidos, mas mesmo assim encontro malta que diz "então vocês nunca mais fizeram nada"… Mesmo na net às vezes recebemos mensagens a pedir para fazermos mais coisas. Não sei, devem ser pessoas que não ouvem a Antena 3, ou por aquilo dar de manhã, o público é muito disperso. Há malta que conhece a obra toda, há outra que só conhece bocados, depois descobre coisas e acha que são novas.

JM: Ainda por cima temos os nossos conteúdos desorganizados.

PS: Nós não temos um site com tudo.

JM:Aleixo PSI só está no site da SIC, não está no YouTube, há pessoas que nem sabem que existe.

PS: Mas ainda bem que foi este tempo todo, não acontece muito um produto de TV passar a ter um filme. Quer dizer, o Tele Rural teve…

Os Morangos com Açúcar.

JM:Uma Aventura também teve.

PS:Uma Aventura teve um filme?

JM: Sim, mas aquilo é um episódio grande. Isso também aconteceu com o Mission: Impossible [1988/90]. Não aquele a preto e branco, o segundo.

PS: Que tinha o Jackie Chiles do Seinfeld, o advogado.

JM: Eu lembro-me de uma vez ter alugado uma cassete para ver o filme e aquilo era só um episódio grande.

PS: Se calhar até eram dois episódios juntos.

JM: Deve ter sido um direto para vídeo.

PS: Mas, objetivamente, foi bom o tempo que isto demorou. Quando nos perguntam quanto tempo é que isto demorou, na realidade começámos a pensar nisto em 2013, por isso estivemos sete anos a trabalhar neste filme. Se contarmos como trabalho todo o tempo que estivemos a amadurecer e a deixar as ideias respirar acabou por demorar esse tempo todo. Às vezes diz-se que o Scorsese filmou um filme que já estava a preparar há 40 anos, depois vais ver o filme a pensar que esteve 40 anos a preparar e para quem esteve 40 anos a fazer isto não está assim tão bom.

Estão nisto há mais de dez anos. Ainda se riem com o vosso trabalho?

JM: Eu rio dos guiões que o Santo me manda e espero que ele se ria dos meus às vezes.

PS: O que costuma acontecer é que dou por mim a rir de partes que antes não me ria.

JM: De que é que se ri agora?

PS: Sei lá, umas partes em que o Renato está só de boca aberta. Já são outras coisas. Às vezes rio-me é quando vejo comentários de pessoas a citar frases do Aleixo, ou então quando vou ler guiões antigos. Temos algum cuidado com a coerência da biografia da personagem. Por exemplo, se o Bruno uma vez disse que foi ao pinhal de Leiria buscar uma árvore de Natal vou a uma drive onde guardo os guiões e tento procurar essa referência. Às vezes encontro três, quatro guiões e dou uma olhadela e rio-me este tempo todo depois.

Deviam investir numa AleixoWiki.

JM: Já chegámos a fazer, mas aquilo dá um bocado de trabalho. Esses sites funcionam porque são pessoas que vão acrescentando bocadinhos, mas tínhamos que ser nós a pôr tudo, nunca mais lá chegávamos.

PS: Isto foi tudo muito aleatório e ao sabor do vento. Nós não temos site, o canal oficial só apareceu muito tempo depois, não temos um sitio oficial para publicar as nossas coisas.

JM: É caótico, mas é um reflexo da nossa maneira de estar.

PS: Quando criámos o boneco, nunca pensámos: "Vamos já fazer um site vamos por aqui tudo". Não, experimentámos umas coisas e aquilo foi correndo.

JM: Portanto, desorganizados desde o inicio.

PS: Antes de fazer o programa de TV e de nos apresentarem essa hipótese, também não tínhamos ponderado essa ideia.

JM: Sim, só partiu depois dessa proposta. O que é que pensávamos fazer quando criamos o boneco?

PS: Estávamos a experimentar só. Chegámos a fazer uns pilotos para a Antena 3 com o Alvim e o Markl. Rosa Mota, que era um Aleixo embrionário.

JM: Mas entre termos feito o Aleixo e a proposta da SIC Radical o que fizemos?

PS: Isso foi pouco tempo.

JM: Pouco tempo? Dois meses. Nesses dois meses o que é que achámos que ia acontecer? O que é que queríamos fazer?

PS: Pois, não sei.

Mas se calhar se não tivesse acontecido de essa forma natural não teria o mesmo charme. 

PS: Pois não sei, aconteceu assim.

JM: Um bocado naïf.

Não diria tanto, acho que o charme surge de ser tão banal e um reflexo da realidade.

PS: Sim, o charme do Aleixo é esse. Ele é um ewok, mas é suposto ser uma pessoa normal que de repente se vê a fazer programas de TV e cinema. Portanto todo aquele ritmo, nuances e dinâmicas é de uma pessoa que não domina estes meios, se calhar o charme também estará aí.

Será que é ai que as pessoas se reveem no Bruno Aleixo?

PS: Acho que há caraterísticas das personagens que eles revêem. Mas as personagens têm o seu charme, assim como o próprio programa porque, recordo, foi feito por pessoas que não são do meio. Portanto, todo aquele ritmo que tínhamos logo no início, de pausas muito grandes, faltar ao respeito ao espectador…

JM: Há uma coisa de que gostamos muito que é o Tarzan Taborda a fazer comentários de luta livre. No início dos anos 90 ele comentava a luta livre americana, mas era uma pessoa que, apesar de entender alguma coisa do desporto, tinha zero jeito para estar na televisão, e aquilo era inacreditável.

PS: Não tinha timing de TV, dizia coisas que não se podiam dizer…

JM: Dizia coisas racistas sem saber que estava a ser racista.

PS: Racismo ingénuo.

JM: Muito ingénuo. E muitas pausas.

PS: Ele fazia aquilo com o António Macedo e ele estava lá como comic relief. O Taborda nunca percebia as piadas dele. Estou sempre a contar esta história onde estava um lutador de bigode e o António Macedo dizia: "Epá este aqui tem ar de quem vai levar grande bigode". E o Tarzan Taborda dizia "pois este lutador aparenta ser muito forte".  Ele ignorava completamente as piadas. Havia uns episódios em que ele levava um garoto para comentar com ele, então tínhamos duas pessoas sem noção nenhuma de TV, que não tinham timing nenhum, e ele pressionar o garoto para falar.

JM: No final já estava chateado com o garoto porque ele não dizia nada.

PS: "Então estás contente?", "Estou". Opá, era um garoto.

JM: Mas isto não é uma refêrencia ou uma homenagem. Só anos mais tarde é que percebemos as semelhanças. Isto é o exemplo de um programa com alguém sem noção nenhuma à frente, que é exatamente aquilo que nós fazemos.

PS: Mas o ritmo, as pausas, chatear-se com a pessoa que está a apresentar, chatear-se com o telespectador, cortar as coisas a meio, ninguém faz aquilo em TV ou na rádio, nem sequer em cinema. Nós fazemos porque é coerente com aquelas personagens.

Sentem que estão a fazer um tipo de comédia que mais ninguém faz no mundo?

JM: No mundo não sei, não sei como é o humor eslovaco. Agora a verdade é que dentro da matriz que apanhamos cá, anglo-saxónico, brasileiro, português…

PS: Temos consumido algum humor brasileiro, por exemplo o Choque de Cultura que também funciona com personagens que não é suposto estarem a fazer TV e estão. Nós gostamos muito daquilo e haverá na dinâmica pontos de encontro. Mas também a verdade é que as categorias de comédia são tão largas. Humor negro, humor físico…

JM: O nosso seria humor de personagem. Os nossos assuntos às vezes são tão banais que o que tem graça é o choque entre as personagens, portanto no fundo é o principio da sitcom mas sem estar nesse formato.

PS: Mas sabemos desde o início que temos uma dinâmica muito pouco convencional, até já para aquela altura.

JM: E foi sempre propositado. Lembro-me da primeira vez que o primeiro episódio passou um amigo meu veio dizer-me: "Olha, tens que ver aquilo das pausas".

Onde é que acham que se encaixam dentro do humor nacional?

PS: Não sei, isto é uma coisa que nunca vai tentar ser massificada. Se calhar, porque não segue uma linha convencional de ritmo, algumas pessoas poderão achar estranho, e eu respeito isso. Não é que isto seja tão groundbreacking, mas as pessoas podem estranhar. Por exemplo, quando o Ricardo Araujo Pereira ou o Bruno Nogueira fazem algo mais fora, são eles a fazer. Sobretudo o Bruno Nogueira, que acho que arrisca um bocado mais; quando vêem o Ricardo Araújo Pereira já sabem que, à partida, gostando muito ou não, aquilo vai ter uma linha coerente. A nossa também é coerente, mas é uma coerência de estranheza. Tanto que diria que nem é o nosso campeonato. Ainda por cima não damos a cara, não fazemos stand up.

Mas fizeram o curso de humor do Mr. Cimba.

JM: Tentámos arranjar um formato diferente do stand-up e que não fosse só uma pessoa a dizer piadas.

PS: O próprio workshop teve uma fase em que fazíamos piadas, que era sorteado por uma maquina.

JM: E era propositadamente mau e péssimo. Se o Bruno Aleixo era para nicho, este espetáculo era mais nicho ainda.

PS: Tinhas que estar dentro do contexto do humor e desses workshops.

JM: Mas não é coisa de que tenha ficado fã e que voltasse a fazer. É fazível, mas é o palco…

PS: Há uma razão para desde o inicio sermos bonecos. Não somos atores. O Moreira é mais ator do que eu.

JM: Mas ninguém morre de amores pelo palco. E sobretudo estar lá sem rede, quando estás a fazer uma série é controlado, agora estar num palco é horrível, eu não gosto.

Depois do cinema sentem alguma pressão para o que vão fazer a seguir?

JM: Não.

PS: Eu não.

Trailer O Filme do Bruno Aleixo – Estreia 23 Janeiro from O SOM E A FÚRIA on Vimeo.