Um terramoto abalou o topo do campeonato português na passada sexta-feira. De um momento para o outro, uma vaga encarnada invadiu Porto e Lisboa e atirou o Benfica para o conforto de sete pontos de vantagem sobre o segundo classificado na hora de fechar a primeira volta. A conferência de imprensa de Bruno Lage após a vitória dos seus rapazes em Alvalade (0-2, golos de Rafa), onde parecia florescer a esperança azul, tornou-se monótona como o movimento da mula à roda e à roda, puxando os alcatruzes da nora. Todos quiseram arrancar da boca do treinador uma frase assumindo que o campeonato está definitivamente resolvido. Raiou o grotesco ver Lage encolher os ombros e lamentar-se: “Já é a quarta vez que respondo a isso. O ano passado estávamos a sete pontos do FC Porto e fomos campeões. Também pode acontecer agora. Estarmos com a vantagem que temos neste momento só nos pode servir para ficarmos atentos e continuarmos a pensar num jogo de cada vez, como até aqui”.
O receio pelo campear da euforia parece ser tanto nas hostes benfiquistas que o próprio presidente, Luís Filipe Vieira, se sentiu na obrigação de declarar publicamente: “Só pensamos em nós! Os resultados dos outros não nos interessam. Falta meio campeonato, há ainda tudo para fazer”.
O Jorge Palma que me perdoe o assalto que lhe fiz ao Dá-me Lume, mas a verdade é que o passo inseguro do dragão faz o paraíso brilhar nos olhos da águia. A vitória do Braga de Rúben Amorim nas Antas, resultado que não acontecia há 15 anos e serviu para sacudir o mofo das lembranças, foi um golpe terrível para um grupo que, após a vitória em Alvalade, pareceu enfunar o peito, acreditando certamente que esta jornada iria servir para encurtar distâncias. O problema é que Sérgio Conceição estica a corda todas as semanas, numa exigência superlativa que parece obrigar os seus jogadores a fazerem à pressa o que poderiam realizar com paciência. Mais uma vez, a vertigem foi má conselheira e a derrota (1-2) embrulhou-se numa maneira excitada de jogar que até tirou o discernimento a Alex Telles e a Soares no momento dos penáltis. Bem pôde dizer Conceição quando empatou no Estádio Nacional com aquele clube anteriormente conhecido como Belenenses que tinha a certeza de ir ser campeão. Bem pôde afirmar desta vez: “Isto ainda não acabou!” Ninguém será capaz de o desmentir. De facto, não acabou, mas a perder pontos ao ritmo que tem perdido, vendo o Benfica somar a sua 14.a vitória consecutiva, o discurso de encorajamento começa a ficar desligado da realidade. Se os seus jogadores vivem na urgência de querer resolver tudo o mais rapidamente possível, essa iminência tem pasto para crescer a partir de agora. Com a cartada da Taça da Liga para jogar nesta quarta-feira.
Insuficiente O Palma também poderia dizer de Rúben Amorim que chegou com três vinténs e o ar de que não tinha muito mais a perder. Envolto na polémica das suas qualificações, ou falta delas, para exercer o cargo de treinador do Braga, tem marcado a agenda do campeonato, com estrelinha, como confessou no final do jogo das Antas, ou sem ela: vitória no Estádio Nacional por 7-1, vitória caseira em cima da hora frente ao Tondela por 2-1, vitória tonitruante sobre o FC Porto. Subitamente, o quarto lugar e o Sporting estão à distância de apenas dois pontos. Terça-feira, decide na Pedreira, com os leões, a passagem à final da Taça da Liga. A vida sorri. Algo que não tem feito, decididamente, a Silas.
Bem afirma o treinador sportinguista que não houve grande diferença entre a sua equipa e o FC Porto e o Benfica nestes jogos recentes. Ora bem, como dizia o grande Guimarães Rosa, pãos e pães é uma questão de opiniães. E Jorge Silas tem direito à sua, como todos nós. Mas, por cima da opinião, ficam os factos. E os factos são duros e impositivos: por muito que, durante várias fases das partidas, o Sporting equilibrasse forças com os seus adversários do topo da tabela, acabou por ser derrotado. E isso não pode servir de consolo para quem faz parte de uma organização de tamanha grandeza. A diferença de qualidade é inapagável. A capacidade de resolver os problemas que se vão colocando é por demais evidente. Vieram à superfície os erros cometidos pelo leão que águia e dragão não cometeram e, com eles, selaram-se os resultados. Não, ao passo inseguro, tão inseguro, do leão já não corresponde o paraíso no olhar de ninguém. Em Alvalade, as tochas ardem num inferno.