Em Lisboa, as salas de espera dos consultórios estão mais apinhadas do que no resto do país. Poderá não ser fácil marcar uma consulta para o médico pretendido e às vezes é preciso alargar a hora de almoço. Mas basta conhecer os horários do metro para poder conciliar com os transportes rodoviários, optar por chamar um táxi ou recorrer aos serviços de transporte privado.
A mesma consulta que na capital uma pessoa guarda para a hora de almoço ou para o final da jornada de trabalho, no interior do país custa um dia inteiro de viagens e de tempo de espera. Em muitas vilas e aldeias do interior as pessoas que precisam de deslocar-se aos centros urbanos através de autocarros não perdem tempo em escolher horários. Sabem que há apenas uma viagem para ir – por norma, bem cedo – e outra para voltar – por norma, bem tarde.
A desertificação do interior do país pode até ser justificação para a escassez de meios de transporte. Mas há municípios que tentam dar a volta à situação para que esta condicionante não seja motivo para que os habitantes queiram mudar-se para uma cidade onde não precisem de um dia inteiro para ir ao médico.
No distrito de Coimbra, o município de Góis paga aos habitantes das freguesias e localidades mais afastadas a deslocação entre a sua casa e o Centro de Saúde da vila. E não se trata de caso único de transportes gratuitos na zona Centro, já que muitas escolas proporcionam autocarros para os alunos a custo zero.
Ao i, o sociólogo e historiador Manuel Villaverde Cabral considera que, apesar de serem “esforços muito interessantes e bem-intencionados”, estes incentivos não bastam para captar população para o interior do país, ou mesmo para zonas simplesmente fora de Lisboa e Porto. O combate à desertificação, através destes incentivos municipais, é dificultado, segundo o historiador, pela diversidade de realidades em Portugal, que é “um país pequeno em comparação com Espanha ou com a Europa em geral, que tem países de dimensão média”. “Essas diferenças existem em todos os países mas, no caso português, são diferenças acentuadas num espaço relativamente limitado. Não há nada em comum, aparentemente, entre o Minho e o Alentejo. Podiam ser dois países diferentes, só não o são por motivos histórico-políticos”.
O facto de Portugal ter um nível tão alto de diversidade fez com que o país fosse organizado segundo uma abordagem top-down, ou seja, de norte para sul. “As modalidades de organização territorial são as mesmas que vêm do Norte para o Sul. Aplica-se no sul as modalidades do norte – o que funciona melhor ou pior”, explica. Assim, segundo o historiador, são utilizados os mesmos critérios para “situações, regiões, até línguas e dialetos ou tradições muito diferentes”.
Manuel Villaverde Cabral explica que o sucesso destes incentivos não passa pela sua criação, mas sim pela dimensão em que são aplicados. Assim, ao invés de serem pensados a nível municipal deveriam ser pensados a nível distrital, que “é a formalização dentro da qual vivemos” e que é, aliás, “copiada de França”.
Neste sentido, o sociólogo aponta ainda França como um exemplo a seguir na forma como distribui os incentivos – tanto para fixar habitantes como para fazer subir os índices de natalidade – outro dos grandes problemas que Portugal enfrenta. Na vila de Tabuaço, no distrito de Viseu, os pais recebem 1000€ pelo nascimento do primeiro filho. Se decidirem aumentar a família, 1500€. A partir do terceiro, a família recebe 2000€ por cada nascimento.
Manuel Villaverde Cabral defende que também as formas de incentivo à natalidade que o Governo francês tem vindo a adotar deveriam ser copiadas por Portugal. Apesar de não desprezar estes prémios de boas-vindas aos recém-nascidos, seria, na sua perspetiva, mais importante seria a gratuidade das creches e pré-escolas, que constituiria também “um incentivo monetário”, tendo em conta que “uma creche ou pré-escolar é mais caro do que um curso de Medicina”.
Odinheiro não é tudo No momento de tomar uma decisão motivada por estes incentivos, não é só para a conta bancária que se deve olhar – pelo menos, a longo prazo. Na esfera íntima, esta tomada de decisão tem mais peso que qualquer transferência bancária. Segundo a psicóloga Margarida Pedroso de Lima, doutorada em Psicologia do Desenvolvimento, o dinheiro – em que se traduz a maior parte destes incentivos – não é suficiente para fixar as pessoas nos locais. Acima de tudo, explica, “depende da forma de estar que cada um tem na vida” e o com o bem-estar, que “em psicologia é muito mais dependente da personalidade do que do dinheiro. “Um escultor que viva numa aldeia pode fazer as esculturas e vender em Lisboa, mas não faz sentido porque o meio artístico não está na aldeia”, exemplifica.
Admite no entanto que os incentivos monetários possam ter mais eficácia em certos grupos, em particular aqueles que migram ou se deslocam em busca de atingir um patamar de sobrevivência. Já os jovens, no seu entender, “têm menos a perder”, e nas famílias com filhos “é preciso considerar a mudança de escola”.
No fundo, a questão dos incentivos tem tendência a resultar, a longo prazo, nos casos de sobrevivência ou nos casos em que se atinja o bem-estar, sendo importante que a pessoa se pergunte por que razão está a mudar.
“Competição surda” entre instituições Embora reconheça que os incentivos revelam “sensibilidade e preocupação” por parte dos municípios, Elísio Estanque encara estas medidas como “soluções de recurso”, arranjadas “na ausência de projetos mais integrados e mais sustentáveis por parte do Estado e das instituições”. Mais do que uma solução para a escassez de habitantes no interior do país, estes incentivos são, para o sociólogo, medidas “que podem fazer parte da solução”. A criação destas medidas seria ainda mais interessante, no entanto, caso “resultasse numa sensibilização do próprio Estado”.
Ao i, Elísio Estanque explica que “uma medida apenas isolada do resto não resolve as coisas, mas várias medidas podem ter o seu contributo. Eu penso que estes auxílios, incentivos, são pequenos empurrões”, que se revolvem, na sua perspetiva, com medidas mais estruturais, mais empreendedorismo coletivo e mais envolvimento das comunidades locais.
Neste sentido, a participação de uma ligação mais forte entre as autarquias e as universidades tem um papel fundamental. No entanto, a conjugação de esforços entre as universidades, “que têm um papel importante na formação de quadros superiores, importantes para a economia e sociedade” e as autarquias “muitas vezes é difícil”.
Elísio Estanque defende que existe uma “competição surda” entre instituições que “ganhariam muito mais se se aproximassem umas das outras, conjugassem e estabelecessem um programa estratégico” que fosse ao encontro deste problema.
A pouca articulação da relação entre estas duas instituições torna-se flagrante quando as autarquias têm possibilidades de servir de elo de ligação entre os estudantes e o mercado de trabalho. “Determinados recursos de que as autarquias dispõem, nomeadamente em articulação com os agentes económicos de uma cidade – os investidores que querem estabelecer negócios em determinadas cidades – precisam do ‘know how’ e do conhecimento cientifico”, explica Elísio Estanque. E as universidades são “privilegiadas neste tipo de recursos”. As autarquias ficam, na sua opinião, muitas vezes aquém daquilo que poderiam fazer para articular “negócios e os recursos existentes nas universidades”.
Garantindo que, em alguns sítios, esses esforços de articulação existem, explica que “não vêm ao de cima e não são suficientemente difundidos”.