1. O poder tem mel. Bloco e PCP abstiveram-se na votação na generalidade do Orçamento do Estado. Foi sem surpresa que ambas as forças foram domesticadas por António Costa, em troca de umas migalhas dispensadas e de uns trocos para os seus interesses específicos em termos de centros de poder. É preciso dizer também que, com estes acordos, o Bloco e o PCP conquistam lugares no aparelho do Estado de forma discreta, mantendo-se, em contrapartida, como as duas grandes muletas do Governo. Individualmente, os comunistas irão receber certamente algumas atenções nos fundos para as autarquias. Quanto ao que dizem ter obtido para os cidadãos, são coisas que beneficiam os mesmos. Trata-se, concretamente, daqueles que já não pagam impostos, que pouco descontaram (muitas vezes por não quererem) e que, nalguns casos, vivem de subsídios. Já a classe média e média baixa é penalizada. Empobrece alegremente ao som da orquestra do maestro Costa, que toca enquanto avançamos para a inevitável colisão com a realidade. Qualquer dia, mais vale receber pensões mínimas e o máximo de subsídios acumuláveis, além de casa dada pelo Estado e trabalhar no escuro, do que poupar, pagar impostos e descontar para a Segurança Social. O mais provável é, depois do consulado de Costa, as benesses agora dadas a alguns serem rapidamente revertidas ou sobrecarregar ainda mais os que ganham cerca de mil euros limpos. Em síntese, o PS fez o que quis e sobrou-lhe tempo, ficando apenas com direito à classificação de partidos de oposição o PSD, o CDS, o Chega e o Iniciativa Liberal. Os outros são parte da geringonça, que está para durar e que voltará a consolidar-se no OE de 2021, desfazendo-se provavelmente em 2022, a menos que a política pura ou a economia a destrua antes.
2. Não há dia em que não se saiba de mais uma situação grave na área da saúde, onde falta tudo, exatamente como na da Segurança Social. A ministra Marta Temido tem contribuído fortemente para essas falhas graves, por manifesta incompetência e sectarismo político. Na segunda-feira, a criatura chegou ao ponto de se manifestar contra os vales que o Estado emite para que os doentes possam ser operados em instituições privadas quando não há capacidade pública. Foi na Comissão de Saúde, onde se discutia o Orçamento do Estado. É espantosa tanta fobia ideológica, que nem é partilhada por partidos como o Bloco e o PCP. Vasco Gonçalves haveria de adorar esta Marta.
3. Agora que se discute o Orçamento do Estado na especialidade, uma boa proposta para os cidadãos seria a Segurança Social ser obrigada a fazer as contas às reformas com mais justiça. Por exemplo: um cidadão que pedisse a reforma ou a aposentação deveria receber em função da melhor remuneração entre o dia do pedido e o dia do despacho ou até do início de pagamento. Exemplificando: alguém pede em janeiro uma reforma para março. Mas ela só é paga a partir de junho ou até mais tarde, o que é um escândalo. Ora, se o requerente estiver a trabalhar, contrai em maio o direito a mais um ano de descontos. Nessa circunstância, deveria ter esse benefício. Uma medida dessas seria também um desincentivo à lentidão nos despachos da Segurança Social. E mais ainda se a celeridade em despachar com rigor e eficácia fosse critério para progressão na carreira desses servidores do Estado. A ministra Mafalda Mendes Godinho teria aqui uma oportunidade de se distinguir da incompetência de Vieira da Silva. Mas é difícil, e percebe-se porquê. Recentemente foi ao Parlamento e apareceu ladeada de tantos assessores que davam para formar uma equipa de futebol. E claro que o selecionador e treinador foi o antecessor, Vieira da Silva.
4. Portugal está cada vez mais longe do papel de ponte entre a Europa e África, que também foi determinante para a sua entrada no espaço da então CEE e hoje União Europeia. Recentemente soube-se que a próxima cimeira UE-África será feita durante a presidência alemã, e não na portuguesa, durante o primeiro semestre de 2021. Trata-se de uma humilhação nacional. Nesta altura, Portugal é pouco relevante no contexto global africano, excetuando-se apenas os países de língua portuguesa, os quais, todavia, se vão distanciando cada vez mais, por exemplo na área da cooperação. Por mais que tenhamos bons diplomatas, há áreas em que tudo ou quase depende objetivamente do Governo no seu todo e de uma articulação intersetorial que, objetivamente, não existe nesta altura e que não preocupa nem António Costa nem Mário Centeno.
5. O Livre quer livrar-se de Joacine, mas não vai conseguir. Uma coisa é tirá-la dos órgãos dirigentes do partido, outra é levá-la a sair do Parlamento, onde a representação é individual e só sai quem quer, passando normalmente a independente. Muita gente não percebe, mas é assim que as coisas estão estabelecidas. Retirar a confiança é o máximo a que se pode chegar, mas tirar a Joacine a sua cadeira de sonho é coisa altamente improvável. Afinal, onde é que ela arranjava tanto protagonismo, mesmo que negativo?
Escreve à quarta-feira