Algés amantiza-se com Picasso durante três meses numa exposição variada e gratuita

Algés amantiza-se com Picasso durante três meses numa exposição variada e gratuita


Picasso chega ao Palácio Anjos, em Algés, com a grandiosidade da natureza, essa que merece ser apreciada por todos, e que fica disponível gratuitamente.


Com aquele seu apetite lendário, voraz, insaciável, Picasso arrancava à vida grandes bocados, devorando-a sobre uma mesa larguíssima, e nas tantas bulhas que o muito amor lhe impunha, ficaram migalhas de toda a espécie e feitio, sinais de luta, obras menores, tentativas e erros fascinantes, estilhaços desse enfrentamento. É sempre possível, por isso, abordar as tantas mutações e reviravoltas deste talento que não se cansava de evoluir e experimentar-se de vários ângulos. A partir do dia 25 de janeiro, Algés contará com uma exposição do artista espanhol para ser visitada gratuitamente ao longo de três meses. Além de quadros, desenhos e gravuras, a mostra conta também com peças de cerâmica, e resulta de uma seleção a partir de várias coleções particulares.

Com curadoria de Helena Afonso, a exposição intitulada Picasso. Mestre Universal, estará patente no Palácio Anjos, e resulta de uma parceria entre o município de Oeiras, a c2c Creación y Gestión de Proyectos Culturales e a Fundação Fran Daurel. Abrangendo diversos movimentos e explorações, em exibição estará a primeira série gráfica de Picasso, a Suíte dos Saltimbancos, criada entre 1904 e 1906 e um exemplar da sua última produção em cerâmica, de 1971, dois anos antes da morte. A exposição conta ainda com um vasto conjunto de cerâmicas – peças únicas e seriadas –, desenhos e obra gráfica, que Picasso realizou ao longo da sua vida, bem como uma série de litografias que exemplificam “a colaboração de Picasso com os poetas mais importantes das vanguardas”, intitulada Suite Sable Mouvant.

Encarnação daquela forma de excesso com que serviam de cultivo aos deuses antigos, numa das primeiras obras escritas sobre Picasso (Picasso: Portraits et Souvenirs), o seu amigo e secretário, Jaime Sabartés, que com ele viveu muitos anos, fala na efusividade do seu génio criativo, dizendo que o artista vivia numa espécie de incêndio cerebral, e explica que as ideias e inspirações que o dominavam eram como possessões, como se fosse um vulcão em constante erupção – “uma inteligência em perpétuo estado de suscetibilidade”.

Ao contrário de outros artistas, como Henri Matisse e Marcel Duchamp, que surgem a par de Picasso como os grandes nomes que revolucionaram as artes plásticas nas primeiras décadas do século XX, Sabartés garante que o mestre que, com Georges Braque, fundou o cubismo, não era dado à premeditação. Era como se nele o “pensamento e ação fossem um par”, um incapaz de dar um passo sem que o outro se lhe colasse. Para o poeta que conheceu Picasso em 1899, num café frequentado pelos artistas em Barcelona – e que viria a ser imortalizado, em 1901, durante o período Azul, quando Picasso pintou o seu retrato a uma luz muitíssimo favorável, quase romântica (com cabelo comprido, mais belo e sem óculos) –, o artista vivia com sofreguidão, exprimia-se naturalmente através de extremos e contrastes, nunca vacilava nem tinha períodos longos em que lhe faltassem as forças ou o ensejo de voltar à carga, achar outro ângulo, inventar uma nova perspetiva, sacar a linha invisível usada por Deus para coser o mundo…