A morte do piloto português Paulo Gonçalves deixou o desporto nacional e mundial de luto. Um dia depois de a organização do Dakar ter anunciado o desaparecimento do atleta de 40 anos, na sequência de uma queda na sétima etapa das 12 que integram a competição, a marca indiana Hero, pela qual o português corria pela primeira vez esta temporada, confirmou a saída da equipa da competição que decorre até ao próximo dia 17 de janeiro na Arábia Saudita.
“Toda a equipa Hero MotorSports está em luto profundo após a trágica morte do nosso piloto Paulo Gonçalves, no domingo. Com respeito imenso pelo nosso colega falecido, a Hero MotorSports não continuará a sua participação no Rali Dakar 2020”, pode ler-se na publicação feita na página oficial do Twitter.
Recorde-se que depois de cinco anos a correr pelos japoneses da Honda, o piloto natural de Esposende tinha decidido dar um novo rumo à sua carreira, mudando-se para a equipa indiana, da qual faziam parte o cunhado, Joaquim Rodrigues Júnior, e Sebastian Buhler, piloto alemão que vive em Portugal desde criança.
A organização também quis prestar uma homenagem ao português que participava pela 13.a vez na mítica prova, tendo cancelado a oitava etapa nas modalidades de motos e quads. “O falecimento de Paulo Gonçalves durante a sétima etapa, entre Riade e Wadi Al-Dawasir, deixou todo o Dakar, especialmente os pilotos, em choque”, podia ler-se na nota oficial. “O Paulo era uma figura amada no rali, imensamente respeitada, tanto por veteranos como por competidores menos experientes, que o admiravam e se inspiravam nele”, acrescentava.
Já ontem, uma fonte da equipa do motociclista, citada pela agência Lusa, dizia que o experiente piloto sofreu lesões “graves na cabeça, pescoço e coluna” que terão sido a causa da sua morte. A mesma fonte garantia que estavam a ser “tratados todos os trâmites burocráticos necessários” para a libertação do corpo do nortenho, algo que “deverá acontecer ainda hoje [ontem]”.
A transladação dos restos mortais do piloto acontece esta terça-feira.
Ainda durante esta segunda-feira, Toby Price contou como encontrou o português. O piloto australiano, atual campeão do Dakar nas motos, foi, recorde-se, o primeiro a chegar ao quilómetro 276 da especial, onde o luso foi encontrado inconsciente depois de uma paragem cardíaca.
“A etapa começou bem, a bom ritmo, estava a sentir-me bem na moto. O Paulo saiu para a etapa uns cinco minutos antes de mim e o pior aconteceu. Cheguei a uma pequena duna e vi um piloto caído, era o Paulo”, começa por dizer numa longa mensagem publicada nas redes sociais. O australiano explica ainda que pediu ajuda o mais rapidamente possível, tendo auxiliado depois a transportar Paulo Gonçalves até ao helicóptero. “Os meus últimos 250 km da etapa foram duros, estou desidratado de tanto chorar”, conta o australiano, numa altura em que já se tinha apercebido da gravidade do estado clínico do português.
Price concluiu o post lembrando que, neste momento, a importância dos resultados é nula: “Abdicaria de todas as minhas vitórias para ter alguns dos meus amigos de corrida de volta…”
Recorde-se que após os esforços de reanimação, o atleta foi levado para o Hospital Layla, onde foi declarado o óbito.
Dakar rouba vidas há quatro décadas Paulo Gonçalves dá entrada na página negra da prova, tornando-se o 29.o participante no Dakar como piloto a morrer em competição. A última vez que alguém tinha falecido durante a prova do Dakar fora há cinco anos, em 2015, quando o polaco Michal Hernik morreu devido a desidratação. Em 41 edições do maior rali do mundo, a primeira fatalidade remonta ao ano inaugural (1979), quando o jovem francês Patrice Dodin morreu num hospital em Paris, depois de ter perdido o controlo da Yamaha que conduzia, em Agadèz. Destaque ainda para o italiano Fabrizio Meone, que fazia a sua última corrida da carreira quando acabou por falecer numa etapa na Mauritânia, no ano de 2005. É até agora o único vencedor da competição (bicampeão em motos, 2001 e 2002) a morrer no Dakar. A contagem pode ser alargada a elementos da organização, jornalistas e espetadores, ascendendo neste campo o número aos 70.
Da oficina do pai ao mais duro rali mundial Paulo Gonçalves teve desde muito cedo contacto com motos, uma vez que o pai tinha uma oficina, como o próprio relatou ao portal da sua equipa. “Estou ligado às motas desde pequeno. O meu pai tinha uma oficina de motorizadas e levou-me para treinar numa pista. Isso fez com que me tornasse piloto profissional desde os 17 anos”, contava.
Do motocrosse ao supercrosse e enduro, são 23 títulos no currículo. Foi campeão do mundo de ralis em 2013 e em 2015 termina em segundo lugar no Dakar. Naquela que é considerada a mais dura prova de rali em todo-o-terreno do mundo destacam-se ainda as duas vitórias em etapas, para além das quatro vezes que encerrou a competição no top-10.
O piloto veterano integra ainda o restrito lote de atletas que correram o Dakar nos três continentes (África, América do Sul e Ásia). “É fantástico poder fazer parte da história, dos três capítulos do Dakar. Corri duas vezes em África, 11 vezes na América do Sul e agora na Arábia Saudita. Vai ser certamente uma grande experiência. Penso que 98% dos pilotos nunca correram aqui antes, por isso vai ser um grande desafio para toda a gente. É um novo capítulo para mim depois de cinco anos maravilhosos na Honda. Ganhei várias corridas, alcancei o título mundial. Consegui também terminar o Dakar no segundo lugar e ganhei algumas etapas”, pode ler-se na página oficial do Dakar, que publica o texto de Paulo Gonçalves, escrito na primeira pessoa.
As reações à morte do piloto português continuam a chegar um pouco de toda a parte. O mundo do motociclismo chora o desaparecimento do atleta, que recorda como “um excelente profissional” e “homem de grandes qualidades”.
Ainda no domingo, Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que Paulo Gonçalves “morreu a tentar alcançar o sonho”.
Aos 40 anos, o piloto português mostrava-se apto para continuar a correr ao mais alto nível nos próximos anos, comparando a sua carreira “ao vinho do Porto”. “Se olhar para as idades dos pilotos de motos que estão em competição, tenho pelo menos mais dez anos de Dakar pela frente. Continuo a acreditar que é possível, cada vez mais, e Portugal nunca esteve tão perto de o conseguir. É a minha grande motivação”, dizia em 2016.