O dr. Hazeman, um alemão tranquilo, não podia adivinhar naquela manhã de 1973, quando começou a falar na Société Médico-Psycologique, em Paris, que, cerca de 50 anos mais tarde, o mundo haveria de andar às aranhas com os protestos ecológicos de uma rapariguinha sueca que nunca sorri. E, no entanto, o eminente psiquiatra alertava os homens para os terríveis efeitos que a poluição estava a provocar, cada vez mais, nas suas estruturas mentais.
Até então, a relação nunca fora plenamente explanada. Chamou-lhe a poluição física. Na sua visão, a absurda superconcentração de habitantes nas cidades modernas estava a explodir em terríveis transtornos psicológicos. Os nervos dos seres humanos das grandes urbes estavam a ser esticados até ao limite. A esquizofrenia, a incapacidade de raciocinar, a irritabilidade constante, a aberração e a loucura campeavam com maior frequência do que nunca. “A falta de espaço, a rudeza do ambiente, o ruído, a contaminação, o inferno do tráfego, a pressa febril, a rigidez dos sistemas estão a trazer consigo um medo incontrolável”, explicou no seu discurso, ouvido num silêncio atento. “O cidadão vive, deste modo, num alarme constante que lhe esfrangalha os nervos, lhe deturpa as ideias e o atira, inconscientemente, para outro perigo nada menor: o comprimido. O comprimido para dormir, o comprimido para acalmar, o comprimido para baixar a tensão que nunca baixa”.
O dr. Hazeman explorava o caminho do não retorno. Falava do cidadão esmagado pela cidade. Do homem empurrado, agredido, irritado, excitado. Do homem com um vazio no cérebro, a exigir evasão, atormentado por uma angústia diária e irreprimível. Muitos homens pisando outros homens. E da revolta: contra o cônjuge, contra o patrão, contra o empregado, contra o condutor que, no trânsito, abusa do cláxon. Um pequeno som ligeiramente mais alto leva ao perder das estribeiras, à agressão, ao insulto fácil.
A anarquia cerebral proveniente deste ambiente de guerra permanente deu ao dr. Hazeman a ideia de estudar a poluição mental. Durante anos percorreu o mundo alertando para a necessidade de diminuir as concentrações urbanas. Sabemos agora que ninguém o ouviu. Milhões e milhões de pessoas continuaram a concentrar-se em cada vez menos quilómetros quadrados, os edifícios crescem a olhos vistos nas suas dezenas e dezenas de andares, o movimento de peões e automóveis é mais frenético do que nunca.
Não restam muitas dúvidas de que o homem é o grande poluidor do universo, mas parecemos esquecer-nos de que também é o grande poluidor de si próprio. Hazeman lançou-se numa cruzada contra o medo. Esse medo que nos impede de pensar com sageza nos desafios que o futuro nos apresenta. Parece que muitos foram os que o ouviram. As palavras, essas, levou-as o vento. Ou talvez o medo…