Paulo Gonçalves. Motociclismo despede-se do piloto de valores

Paulo Gonçalves. Motociclismo despede-se do piloto de valores


Entrou no mundo das motos muito influenciado pelo pai, que tinha uma oficina. Aos 17 anos tornou-se piloto profissional. Com uma carreira com mais de duas décadas, tem entre os seus principais sucessos o segundo lugar no Dakar. A mítica prova em que agora “morreu a tentar o sonho”.


A trágica notícia chegava pelas 10 horas deste domingo. O piloto português Paulo Gonçalves, de 40 anos, morreu na sequência de uma queda na sétima de 12 etapas da 42.a edição do Rali Dakar de todo-o-terreno, na Arábia Saudita, escrevia a organização em comunicado. O nortenho, que ocupava a 46.a posição das motas à partida para esta etapa, caiu ao quilómetro 276 da especial, onde foi encontrado inconsciente depois de uma paragem cardíaca. Após os esforços de reanimação, o atleta natural de Esposende foi levado de helicóptero para o Hospital Layla, onde foi declarado o óbito. Este ano, e após cinco temporadas a correr pela marca japonesa Honda, Gonçalves tinha iniciado um novo percurso, agora ao lado do cunhado, Joaquim Rodrigues Junior, na indiana Hero. Esta era, de resto, a 13.a participação do atleta luso no Dakar, depois de se ter estreado na prova em 2006, o que coloca Paulo Gonçalves no lote restrito de pilotos que competiram nos três continentes (África, América do Sul e Ásia). Aos 40 anos, o piloto veterano era um dos rostos principais do motociclismo português, com a conquista de ralis cross-country em 2013 e o segundo lugar no Dakar 2015 a serem os resultados mais expressivos ao longo da carreira. Na mítica prova, considerada a mais dura prova de rali em todo-o–terreno do mundo, destacam-se ainda as duas vitórias em etapas, para além das quatro vezes que encerrou a competição no top-10.

O Dakar2020 arrancou no passado dia 5 e termina a 17 deste mês. Paulo Gonçalves tinha sido, recorde-se, o melhor motard português na primeira etapa ao terminar em 11.o lugar a ligação entre Lima e Pisco, no Peru, com 84 quilómetros cronometrados.

Em 2016, o piloto luso tinha revelado a ambição de vencer a prova, mostrando estar apto para continuar a competir pelo menos mais uma década. “Vejo pilotos que ganham um Dakar com 40 e 50 anos, com performances incríveis. Se olhar para as idades dos pilotos de motas que estão em competição, tenho pelo menos mais dez anos de Dakar pela frente. Continuo a acreditar que é possível, cada vez mais, e Portugal nunca esteve tão perto de o conseguir. É a minha grande motivação”, revelava.

Por essa razão, Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que o piloto “morreu a tentar alcançar o sonho”. “Paulo Gonçalves morreu a tentar alcançar o sonho de vencer uma das mais duras e perigosas provas de rally do mundo, na qual foi sempre um digníssimo representante de Portugal”, escreveu o Presidente da República.

“Speedy Gonçalves”, um “exemplo” As reações à morte do piloto português chegaram um pouco de toda a parte, com vários colegas a destacarem o “profissionalismo” e as “qualidades humanas” do nortenho, que ficou conhecido por “Speedy Gonçalves” dada a sua coragem, velocidade, inteligência e agilidade, a lembrar o icónico ratinho dos desenhos animados Speedy González. “Descansa em paz, guerreiro Paulo. O desporto e Portugal ficam hoje mais pobres. Até sempre, Speedy Champ!”, escreveu o piloto de automóveis em Fórmula E António Félix da Costa. Já Miguel Oliveira garantiu que Paulo Gonçalves deixou “uma marca profunda na vida de quem teve o privilégio de se cruzar” com ele. Também Jorge Viegas, presidente da Federação Internacional de Motociclismo (FIM), se mostrou chocado com a notícia, garantindo que o motociclismo mundial está de luto. “Era uma excelente pessoa, um excelente piloto e um grande amigo”, concluiu. Em Esposende, o presidente da câmara municipal fez saber que a cidade vai decretar um dia de luto municipal como forma de homenagear o piloto “anti-herói”, que nunca se deixou “envaidecer”. Já Matthias Walkner, o piloto que foi ajudado por Paulo Gonçalves no Dakar 2016, lembrou o “campeão” como “um atleta incrivelmente simpático, prestativo e justo”.

Paulo Gonçalves era casado com Sofia Gonçalves e tinha dois filhos. Com um lugar há muito reservado na história do desporto português, o piloto será também recordado pelo lado humano, tendo ficado conhecido por nunca deixar ninguém para trás. Prova disso foi a distinção que recebeu em 2016, o Prémio de Ética no Desporto, atribuído pelo Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ), precisamente por causa do episódio acima mencionado. A atitude de fair-play do luso correu mundo, uma vez que o português seguia na liderança quando parou, depois de encontrar o austríaco caído a meio de uma etapa.

“Tudo nas corridas é interessante e excitante. A aventura, a descoberta, territórios desconhecidos, a navegação, e tudo isto em contrarrelógio”, afirmou um dia o português, que ontem se despediu a fazer o que mais gostava.

A última vez que alguém tinha falecido durante a prova do Dakar fora há cinco anos, em 2015, quando o polaco Michal Hernik morreu devido a desidratação.