Arrendamento acessível. Empurrar para os bairros ou promover a integração?

Arrendamento acessível. Empurrar para os bairros ou promover a integração?


Até 30 de janeiro, está aberto o concurso para o arrendamento acessível em Lisboa. No total são 120 casas para sortear e o programa destina-se à “verdadeira classe média” que está sufocada pelo preço das casas.


O Programa de Renda Acessível (PRA) promovido pela Câmara Municipal de Lisboa está agora a decorrer e estão disponíveis 120 casas. O registo é feito através do site Habitar Lisboa e as candidaturas podem ser entregues até ao dia 30 de janeiro. A atribuição é feita por sorteio público e as rendas variam entre os 150 e os 800 euros por mês, dependendo da tipologia, do agregado familiar e do rendimento de cada pessoa. Ou seja, o valor das rendas é 30% da taxa de esforço, reduzindo-se em 2% por cada dependente do agregado familiar.

O PRA foi anunciado pela autarquia em 2016 e destina-se, disse na altura Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, “às verdadeiras classes médias” que estão sufocadas pela subida dos preços das casas, dando-lhes “oportunidades para que possam viver na cidade de Lisboa”.

A medida é vista com bons olhos por uns, mas há quem diga que é uma forma de desviar o problema, criando outros. João Pedro Costa, vereador do PSD na Câmara Municipal de Lisboa, referiu ao i que dos 120 fogos disponíveis para arrendamento, grande parte está localizada em bairros municipais, sendo esta uma forma de desviar casas dos programas de renda acessível, já que as habitações nos bairros municipais deveriam estar disponíveis para realojar pessoas que não têm de todo condições para pagar uma casa. “A medida é bem-vinda a curto prazo, mas falta uma resposta estrutural que não é dada”, disse o vereador social-democrata.

Os moradores que ganharam os anteriores concursos referem esta mesma questão: vivem em bairros municipais onde, muitas vezes, as condições e a segurança não são as melhores. “A porta do meu prédio, por exemplo, não tem fechadura, qualquer pessoa pode entrar, e nem posso deixar a mota perto de casa porque tenho medo que seja roubada”, disse um dos moradores ao i. No entanto, há quem veja a situação de outra forma: “Pode ser uma forma de integração e de inclusão porque, se continuarem a colocar de parte as pessoas com menos dinheiro, só se criam mais barreiras”, referiu outra moradora.

 

Promessas

O tema da habitação é hoje discutido na Assembleia da República, no âmbito da apreciação na especialidade do Orçamento do Estado para 2020 – de manhã fala-se da saúde, à tarde de habitação e transportes. “O direito à habitação é́um direito fundamental indispensável para a concretização de um verdadeiro Estado Social”, refere o Governo no documento explicativo, acrescentando que, por isso, a sua prioridade deve ser “intervir no mercado habitacional, através de um amplo parque habitacional público e cooperativo, capaz de dar resposta no mercado de arrendamento”.

Até abril de 2024 estão em cima da mesa para discussão, no âmbito do Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, “os recursos financeiros necessários para atingir o objetivo de erradicar todas as carências habitacionais (…) aumentando o parque habitacional público, com uma clara aposta na promoção de habitação pública orientada para pessoas que vivem em condições habitacionais indignas ou sem alternativa habitacional adequada”.

A questão do alargamento do parque habitacional público é uma das medidas que foram mencionadas ao longo do último ano. Aliás, já em maio de 2019, na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação, o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, disse que a disponibilização de casas públicas para arrendamento acessível é determinante para “condicionar a escalada brutal dos preços a que assistimos em todo o território nacional, mas de forma mais intensa nos grandes centros urbanos”. A oferta pública é de apenas 2% do total, lembrou Pedro Nuno Santos, “valor absolutamente insuficiente para dar resposta às necessidades”. Em países como a Holanda, por exemplo, a percentagem de habitações públicas disponíveis para arrendamento acessível ronda os 20%, lembrou na altura o ministro. O Governo reconhece, no entanto, que esta oferta não se consegue da noite para o dia, prometendo, por isso, “complementar a oferta pública de habitação com incentivos à disponibilização, por parte dos privados, de oferta habitacional para arrendamento”. No fundo, quer convencer os privados a baixar os preços das rendas. Como? Reduzindo a taxa de IVA para os proprietários.

Para situações de emergência, o Governo prevê a criação de uma Bolsa Nacional de Alojamento Urgente para uma resposta de caráter temporário. A tutela quer ainda “intensificar a luta contra a discriminação no acesso àhabitação, mediante o aumento da oferta pública especificamente orientada para os grupos mais vulneráveis”. A implementação do programa Reabilitar para Povoar é outra das promessas a ter início já este ano. O objetivo, diz o Governo, é “alargar a oferta de habitação nos territórios do interior a preços acessíveis”. 

 

Áustria como bom exemplo

O problema da habitação não é exclusivo de Portugal. Viena, a capital da Áustria, é hoje considerada a cidade com mais habitação pública acessível da Europa e a melhor cidade do mundo para viver, segundo a Economist Intelligence Unit (EIU). A cidade austríaca começou a combater o problema há cerca de cem anos com a construção de edifícios de habitação social. Estima-se que um em cada quatro habitantes de uma das cidades europeias mais caras vive em casas públicas, localizadas em bairros de vários tipos sociais.

Em Berlim, a especulação imobiliária levou o Governo alemão a congelar o preço das rendas por um período de cinco anos – desde 2004, os preços subiram cerca de 120%. Para evitar uma crise na habitação foram também adquiridas pelo Estado seis mil casas construídas para habitação social e que estavam nas mãos de privados.