Água. Depressões Elsa e Fabien salvam  as barragens

Água. Depressões Elsa e Fabien salvam as barragens


Só uma das 12 bacias hidrográficas nacionais não aumentou de volume de água em dezembro. Mas o país e os governantes não podem desleixar-se, avisa presidente da Quercus.


Durante o mês de dezembro, todas as bacias hidrográficas portuguesas à exceção de uma viram o seu volume de água armazenada aumentar significativamente, graças a fortes chuvadas. A passagem das depressões Elsa e Fabien por Portugal continental durante a segunda quinzena de dezembro teve efeitos devastadores. A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) registou milhares de ocorrências, mais de uma centena de pessoas ficaram desalojadas, houve três mortos a lamentar e muitos danos materiais em automóveis, casas e até no edifício do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), em Lisboa.

Mas nem tudo foram más notícias. Depois de meses de grande seca no país, as barragens atingiram níveis de armazenamento que há muito não se registavam. Segundo os dados do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH), no último dia do mês de dezembro de 2019, comparando com o último dia do mês anterior, verificou-se um aumento do volume armazenado em 11 bacias hidrográficas nacionais – nomeadamente, as bacias do Douro, Tejo, Guadiana, Arade, Barlavento, Mira, Sado, Oeste, Ave, Cávado e Lima. A bacia hidrográfica do Mondego foi a única em que o volume baixou (menos 1,1%).

Segundo Paulo do Carmo, presidente da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, “apesar de as depressões terem dado prejuízos de grande valor, como na agricultura e na vida das pessoas, foram importantes ao nível do preenchimento de grande parte das barragens, que estavam já numa situação que poderia vir a tornar-se insustentável nos próximos dois ou três anos. Acabou por ser um mal que teve um impacto positivo nesta área”.

O presidente da Quercus explica que estas depressões são um dos efeitos das alterações climáticas que se têm registado no país e no mundo: “Cada vez mais, o país será fortemente afetado pelas alterações climáticas e Portugal é mesmo um dos países mais vulneráveis a essas alterações. A questão da água é fundamental para salvaguardar o presente e o futuro porque cada vez haverá menos chuva em Portugal. Fenómenos que aconteçam, como aconteceram, são importantes do ponto de vista de se poder fazer um equilíbrio hidrológico de determinadas zonas do país, apesar de trazerem grandes prejuízos”.

As maiores subidas registadas foram na bacia hidrográfica do Tejo (30,1%), Lima (26,6%) e Douro (19,2%). Por outro lado, em dezembro, as bacias hidrográficas do Sado (32,3%), Barlavento (33,1%) e Mira (49,4%) eram as que apresentavam menor disponibilidade hídrica. Paulo do Carmo considera ser “preocupante continuar a ver bacias abaixo dos 50% quando estamos já em janeiro e tivemos um dezembro bastante chuvoso”. Na bacia hidrográfica do Sado surgem os casos de barragens que causam maior apreensão, como a de Campilhas (menos de 10%), Monte da Rocha (10%) e Roxo (17%).

Recorde-se que o ano de 2019 foi marcado por elevadas temperaturas. Em Portugal, a seca sentiu-se durante largos meses do ano passado, agravando-se em setembro. Segundo dados do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), a 30 de setembro, 15,4% do país encontrava-se em situação de seca fraca, 48,4% em seca moderada, 32,7% em seca severa e os restantes 3,4% em seca extrema.

A seca afetou, obviamente, os recursos hídricos nacionais e foram muitos os relatos, por exemplo, de zonas do Tejo internacional onde era possível passar de uma margem para a outra a pé, tal como dos muitos prejuízos que daí advieram.

De acordo com os dados disponibilizados pelo SNIRH, todas as 12 bacias hidrográficas portuguesas, que incluem um total de 59 barragens, monitorizadas pela Associação Portuguesa do Ambiente (APA), baixaram os seus níveis em setembro, registando-se mínimos nacionais. No total, 26 das 59 barragens monitorizadas apresentavam disponibilidades hídricas inferiores a 40%, enquanto apenas quatro apresentavam disponibilidades superiores a 80%.

Já em setembro, a bacia hidrográfica do Sado tinha sido o caso mais grave, à semelhança do sucedido em dezembro, apresentando apenas 28,1% de água e contando com os casos mais preocupantes, como a barragem de Lucefécit, no distrito de Évora, que terminou setembro com apenas 4,8% de disponibilidade hídrica. Outros dos casos com menores disponibilidades hídricas foram as barragens de Abrilongo (5,8%), Campilhas (7,2%) e Monte da Rocha (8,8%).

Comparando os meses de setembro e dezembro, verifica-se que 11 das bacias hidrográficas aumentaram o volume de água armazenado. O caso da bacia hidrográfica do Ave foi o mais significativo, mais que duplicando a quantidade de água, ao passar de 40,5% em setembro para 93,9% em dezembro. A única bacia hidrográfica que viu a quantidade de água baixar entre estes dois meses foi a do Barlavento, que diminuiu em 1,1%.

Esta última, com valores sempre a rondar os 25%-30%, é a bacia hidrográfica que apresenta reiteradamente menor disponibilidade hídrica. Mas porquê? “As alterações climáticas sentem-se mais no sul do país, onde as temperaturas são mais elevadas e há menos chuva”, esclarece Pedro do Carmo.

À questão da meteorologia, o ambientalista junta ainda uma outra: a gestão da água. “É fundamental que o Ministério da Agricultura e o Ministério do Ambiente criem entre eles um entendimento de intervenção naquilo que é a política de gestão da água, nomeadamente para a agricultura, salvaguardando os próximos anos. Esta é uma zona onde a gestão da água deve ser feita de uma forma rigorosa e eficiente, combatendo cada vez mais as perdas de água”, aponta o representante da Quercus.

Paulo do Carmo deixa ainda a nota de que, apesar de o volume de água armazenado ser agora maior – o que permite respirar de alívio –, o país e os governantes não podem desleixar-se. “O facto de ter chovido muito em dezembro, o que fez elevar os níveis de caudais dos rios e das barragens não quer dizer que não seja necessário renegociar acordos como a Convenção de Albufeira. Também não podemos agora dizer que estas questões desapareceram: é importante continuar a trabalhar e proteger setores como a pesca e a agricultura, através de uma melhor gestão da água”, conclui.