Marcelo diz que Justiça humana tem de ser mais célere do que a justiça divina

Marcelo diz que Justiça humana tem de ser mais célere do que a justiça divina


Presidente da República confessa que não entendeu a perplexidade de alguns perante o reajustamento que permitiu a magistrados ganharem mais do que o primeiro-ministro: “Valorizar a magistratura era premente”.


Marcelo Rebelo de Sousa alertou esta segunda-feira, na cerimónia da abertura do ano judicial, para a morosidade de alguns dos mega processos, dizendo que se por um lado não podem andar no tempo das notícias, por outro não se pode criar a sensação de que a “Justiça humana” ombreia com a “Justiça divina”. E disse ainda não entender a perplexidade de muitos com o facto de os magistrados poderem ganhar mais do que o primeiro-ministro.

Mas a mensagem do Presidente da República começou por focar nos tempos que se vivem, que são “de mudança e com muitos desafios”.

“Examinemos um a um alguns desses desafios, o primeiro é o da manutenção e valorização constante da Justiça, como um dos valores supremos num Estado de direito”, continuou.

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, “se este primeiro não for cumprido, o vazio que deixar será colmatado por movimentos inorgânicos”. E avisou: “O reino da paixão submergirá ao apelo da razão”

Também não deixou passar em branco a necessidade de mais meios para a Justiça, dizendo que são necessários “mais e melhores recursos para não se cair em novos atrasos”.

“Esta da permante atualização do sistema de justiça é uma tarefa nunca acabada”, acrescentou.

Outro dos desafios elencados pelo Presidente da República foi o do prestigio social da Justiça, lembrando que “é natural que isso se veja na forma como a comunidade trata os que a administram”.

“Não consegui perceber o racional de tais perplexidades perante o reajustamento” salarial, com o pretexto de que tal menorizava “titulares de cargos políticos”. “Valorizar as magistraturas era premenete, ainda que sabendo que forças armadas e forças de segurança ficariam expectantes”, esclareceu ainda Marcelo, dizendo que não foi nem é altura de serem os titulares de cargos políticos a beneficiar de um reajustamento.

“O bom senso determinava que quem mais é submetido pelo voto ao escrutínio popular tenha de dar o exemplo”, adiantou, dizendo que o passo dado na anterior legislatura “simboliza que a Justiça deve merecer a prioridade que a Justiça não tem tido por parte de muitos portugueses”.

“Já que os portugueses protestando não escolhem ninguém por causa da Justiça, ao menos, pensava eu, seria positivo avançar com uma plataforma mínima entre parceiros da Justiça. Em homenagem à verdade há que dizer que os parceiros da justiça fizeram um esforço”. Uma plataforma, concluiu Marcelo, que “não desencadeou, ao contrário do que se pretendia debates maiores”.

“Serviu no entanto para criar o clima que permitiu acelerar os processos estatutários concluídos nos termos da última legislatura e até para chamadas de atenção que continuam latentes”, afirmou.

Sobre o combate à corrupção, disse que o “aceno” que agora se vê chega em boa hora e seria bom, diz Marcelo, “que não se perdesse no futuro o diálogo entre os parceiros na Justiça”.

Como último desafio elencou o modo como os portugueses vêem a Justiça: “Infelizmente não a colocam no elenco das suas preocupações e por conseguinte não decidem [nas eleições] em função dela”.

Sobre o facto de os portugueses “se apaixonarem” por alguns casos de colarinho branco ou crimes praticados sobre pessoas mais frágeis, disse que isso comporta uma visão redutora da Justiça.

O Presidente da República disse que alguns casos mediáticos naturalmente não podem ter o tempo das notícias, mas também não podem ser eternos, com decisões que chegam quando já não servem. “Pode significar que a justiça humana pode ser tão lenta nos casos de especial complexidade que, para os crentes mais radicais, passará a ombriar com a justiça divina. Para os não crentes o juízo público sem sistema ou com sistema simplificado, por injusto que seja, sempre vale mais que aquela espera sem termo”.

Sobre os grandes desafios da Justiça, concluiu: “É uma tarefa como a de Sisifo? É! Vamos desistir dela? Não vamos. Desistir dela é desistir do Estado democrático”.

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