Japão. O jackpot relutante da indústria do jogo

Japão. O jackpot relutante da indústria do jogo


Só três localidades terão um casino no Japão, onde eram proibidos. Há muito dinheiro em cima da mesa, mas muitos temem que os yakuza controlem a indústria, que aumente o vício do jogo e a corrupção. Ainda recentemente um deputado foi acusado de aceitar subornos de uma empresa de jogo.


Durante décadas, a indústria do jogo sonhou em construir casinos no Japão. Com uma economia desenvolvida, próxima dos ávidos jogadores da China – que por agora têm Macau como única opção no seu país – e com cerca de 3,2 milhões de viciados no jogo, o país parecia um candidato ideal para tal. As estimativas apontavam que os casinos pudessem ter receitas entre os 20 e os 40 mil milhões de euros por ano, uma espécie de jackpot. Contudo, apesar do jogo em casino ter sido legalizado e regulado em 2018, o processo continuar a enfrentar uma feroz oposição da sociedade japonesa: 57,9% da população é contra e apenas 26,6% a favor, segundo uma sondagem recente da Jiji. Se o Governo conservador do primeiro-ministro Shinzo Abe aponta os casinos como incentivo ao investimento estrangeiro e ao turismo, muitos japoneses temem que incentivem o vício, acabem controlados pela máfia – os famosos yakuza – ou que estimulem a corrupção. Um temor reforçado pela recente detenção do deputado Tsukasa Akimoto, encarregue dos planos de implementação de casinos, acusado de receber o equivalente a quase 30 mil euros da 500.com, uma empresa de jogo online chinesa.

O alegado suborno teria como objetivo obter tratamento favorável para a sua proposta de montar um casino na aldeia de Rusutsu, em Hokkaido, na ilha mais a norte do país, conhecida pelas suas estâncias de ski, avanço o Japan Times. É que face a toda a oposição social, o plano proposto do Governo japonês coloca alguns dos requisitos mais estritos do mundo e apenas serão concedidas licenças para três casinos em todo o país, tendo as cidades e empresas interessadas de concorrer a concurso público.

“Estamos a falar de um país muito extenso, em que as operadoras deverão estar muito distantes”, explica ao i Jorge Godinho, um advogado especializado em direito do jogo, com muito trabalho na Ásia, notando que as concessões japonesas “na realidade, são monopólios regionais”. Ou seja, há muito dinheiro a ganhar, num país que se previa poder ser o maior polo de jogo do mundo, ultrapassando Las Vegas e ficando atrás de Macau – já estão na corrida empresas de todo o mundo. Incluindo pesos-pesados como os norte-americanos da MGM, que querem um casino em Osaka, e os da Las Vegas Sands, que querem um casino em Yokohama, à semelhança dos macaenses da Melco.

”Vai haver uma extensa lista de notáveis perdedores”, assegura Godinho. Questionado sobre a possibilidade disso incentivar à corrupção dos responsáveis pelo concurso público, o especialista lembra que “o Japão é um país com forte tradição de legalidade e transparência”. E que estas multinacionais também têm interesse em manter padrões altos. “Sob pena de perder a credibilidade e ficar num pântano de litígios judiciais, impugnações, providências cautelares. Esse é o pesadelo”, explica.

Regras contra o vício

Se não houver percalços políticos, daqui a uns seis anos, quando deverão abrir os primeiros casinos japoneses, caso queira entrar terá de pagar 6 mil iénes (quase 50 euros) por visita, e apenas poderá entrar num casino no máximo três vezes por semana ou dez vezes por mês. São apenas alguns dos requisitos legais, com o objetivo de diminuir o vício no jogo. No que toca ao pagamento de entrada, a sua eficiência continua a ser questionada na academia, segundo Godinho. Supostamente, impede quem tem menos posses de gastar o que não tem, mas “quando o jogador entra no espaço e já está a perder dinheiro, depois tenta recuperar. E claro na maioria dos casos isso não vai acontecer”, considera.

Além disso, os casinos vão ter uma taxa fiscal de 30% sobre a receita bruta e a área de jogo só poderá ocupar no máximo 3% da área. “É assim que a ideia está a ser apresentada no Japão: ‘Isto não é um casino, é um resort integrado’. Tem uma oferta diversificada”, explica Godinho. Ou seja, com foco na restauração, hotelaria ou centros de convenções. Um modelo semelhante aos casinos de Singapura, que abriram em 2010 e foram inspiração para o Governo japonês.
Trata-se de uma maneira de reagir à desconfiança da população, num país em que o jogo é um problema social. São legais as corridas de cavalos, lotarias, mas o que traz mais problemas são mesmo os salões de Pachincko, uma mistura entre slotmachines e máquinas de arcade, num país que é líder mundial dos jogos de computador. “Estão em todas as esquinas”, assegura Godinho, que as compara às raspadinhas em Portugal. Com a diferença de que 3,6% dos adultos japoneses são viciados no jogo, segundo um estudo de 2017 do ministério da Saúde do Japão – em Portugal, estima-se que não ultrapasse os 0,2%.

Criminalidade

Outro receio dos japoneses é que os casino incentivem a criminalidade organizada. No Japão, o jogo está muito diretamente associado à yakuza, a notória máfia japonesa, cujos membros são conhecidos pelas suas extensas tatuagens e pelo ritual de cortar dedos como punição. Ainda o ano passado o jornal Asahi, citado pelo Japan Times, avançou que os líderes da yakuza teriam planos para se envolver na construção e operação de casinos no Japão, além de pretenderem fazer empréstimos a jogadores inveterados.

Aliás, estes grupos terão surgido há séculos, durante o período feudal, como operadores de casas de jogo ilegal. Já então a história era a mesma, assegura Godinho. “Há pessoas que vêm o jogo como horrível, que deve ser tudo proibido e criminalizado. Mas o que acontece é que o jogo não desaparece, há jogo clandestino e crime organizado”, nota.
Contudo, também reconhece as preocupações dos habitantes no Japão – um país com baixíssimas taxas de criminalidade – com os crimes muitas vezes associados ao branqueamento de capitais, à prostituição, ou ao género de crimes que as pessoas cometem quando estão viciadas “O jogo tem sempre um certo potencial negativo”, admite, mas acrescenta “quem pensa que coloca medidas muito apertadas à volta do jogo e depois não há problema nenhum está muito enganado”. Afinal, “não vivemos num mundo ideal”.